Por Stefan Staiger Schneider
Doutor e mestre em Direito, mestre em Estudos Europeus e advogado membro da Comissão de Relações Internacionais e Integração do Mercosul da OAB-RS
Winston Churchill, durante a Segunda Guerra Mundial, chamou de “um crime sem nome” o extermínio em massa de um grupo de pessoas (os judeus, no caso) pelos nazistas. Com a fundação da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1945, o termo “genocídio”, criado por um jurista polonês, foi formalmente aceito pela comunidade internacional para denominar o crime. Posteriormente também foi aceita uma palavra específica para identificar o genocídio de judeus pelos nazistas: “Holocausto”.
Enquanto “genocídio” tem origem nas palavras gregas genós (que significa família, tribo, povo e raça) e caedere (que significa matar) e vem a ser o ato de matar ou mesmo eliminar grupos étnicos, religiosos e raciais, “Holocausto” se origina nas palavras holokauston em grego, holocaustum em latim e shoah em hebraico. O termo possui conotação bíblica e já foi usado em diferentes situações ao longo da História, sendo a mais emblemática delas a ocorrida na Segunda Guerra.
Mais de meio século depois, alguns países organizaram um movimento para a ONU reconhecer um novo crime: o “ecocídio”. Como “eco” deriva da palavra grega oikos, que significa casa, a definição de ecocídio é perturbadora: matar a própria casa. Trata-se da destruição deliberada de ecossistemas, do meio ambiente, de habitats naturais e animais através de atividades humanas.
De fato, os danos ambientais alcançam escala cada vez maior, impactando a vida e o ambiente natural mundial. Além disso, a regulamentação internacional para a proteção do meio ambiente possui caráter eminentemente preventivo, existindo punições para danos ambientais apenas em situações de guerra. Falta, portanto, poder coercitivo. Caso nada seja feito, será mais complexo e caro cultivar e habitar áreas do planeta, e o ecocídio poderá se transformar numa espécie de suicídio coletivo, isto é, a humanidade matar-se a si própria.
O movimento pretende que o ecocídio seja reconhecido no Direito Internacional como o quinto crime contra a paz e a segurança ao lado de genocídio, crimes contra a humanidade, de guerra e de agressão. Para isso, o ecocídio precisa ser inserido no Estatuto de Roma, que estabelece o funcionamento do Tribunal Penal Internacional, ou, alternativamente, receber previsão legal em um estatuto ou em uma convenção exclusivos mais um tribunal ambiental internacional.
Motivos pertinentes para o movimento não faltam, especialmente para os países insulares que o integram e que correm o risco de serem parcial ou totalmente submersos pela invasão do mar daqui a alguns anos.
Onze países estão mais adiantados e já incluíram o ecocídio em seus códigos penais. A França é o único da União Europeia (UE) até o momento, devendo ser seguido pela Bélgica neste ano. Na Bélgica, será considerado ecocídio qualquer ato já ilegal que cause também danos graves, generalizados e duradouros ao meio ambiente. O autor deverá ser punido com reclusão de 10 a 20 anos.
E o Brasil? Os últimos acontecimentos na Amazônia em termos de desmatamento, queimadas e mortes de animais são apontados por ambientalistas e juristas do mundo todo como problemas que impõem novas e eficientes respostas. A área é valiosa para o país, responsável pelo equilíbrio climático no continente e tem importância ecológica para toda a humanidade. Assim, incluir o ecocídio na legislação brasileira e ter mais rigor na proteção do meio ambiente de todo o país seriam reações bem-vindas por todos os interessados em cuidar da natureza. Ela agradecerá, assim como os mais de 230 fundos de investimentos do país e do Exterior que já advertiram Brasília de que podem parar de aprovar verbas se nada for feito.
Vale recordar que a proteção do meio ambiente desempenha papel fundamental no comércio internacional e que a França considera o desmatamento da Amazônia um dos obstáculos ao acordo entre o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e a UE, que está na etapa revisional. Segunda maior economia do bloco europeu atrás da Alemanha, a França costuma influenciar as decisões da UE.
É oportuno lembrar também que a preocupação da UE com o meio ambiente é tão grande que existe nesse acordo um capítulo específico sobre desenvolvimento sustentável com regras para os cuidados com o meio ambiente nos países do Mercosul, em especial no Brasil. Portanto, incluir o ecocídio na legislação brasileira seria uma demonstração para a UE e para a comunidade internacional de que o Brasil não desprestigia movimentos a favor de maior proteção ambiental.