No dia 7 de novembro, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, colocou as duas mãos sobre o púlpito de onde falava e mirou a plateia a sua frente. Procurou não deixar dúvidas sobre a gravidade do cenário global.
— Estamos na luta de nossas vidas, e estamos perdendo. A emissão de gases do efeito estufa segue crescendo, e as temperaturas globais seguem aumentando. Nosso planeta se aproxima rapidamente de um ponto crítico que tornará irreversível o caos no clima. Estamos no caminho para o inferno climático com o pé ainda no acelerador — discursou na abertura da 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27), no Egito.
O consenso científico que marcou 2022, ilustrado pelo alerta dramático de Guterres, é de que será preciso agir com urgência para manter os termômetros em uma temperatura minimamente segura e reduzir o risco de eventos extremos como tempestades, chuvas torrenciais e ondas de frio ou calor insuportáveis.
Esse entendimento transforma o próximo ano em um período fundamental para que sejam adotadas ações concretas e amplia a relevância do Brasil nas discussões internacionais. O governo federal recém eleito prometeu reabrir o diálogo com outras nações sobre esse tema e retomar políticas de proteção à floresta.
— Nos últimos anos, tivemos aumento na destruição da Amazônia, mas também do Pantanal, do Cerrado, do Pampa. O novo presidente (Luiz Inácio Lula da Silva) fez um discurso na COP se comprometendo a mudar essa situação. Nós vamos cobrar. Sabemos que mudanças desse tipo não ocorrem magicamente, mas a mudança de política precisa começar já. Vamos cobrar mudanças substanciais na questão do desmatamento, na construção de alternativas aos combustíveis fósseis e, quem sabe, ver o Brasil como um líder internacional e gerando riqueza em vez de apostar em algo como o carvão — sustenta o diretor científico e técnico da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Francisco Milanez.
O que são os gases de efeito estufa
- Conforme a ONU, o dióxido de carbono (CO2), o metano e o óxido nitroso são os principais gases do efeito estufa. Parte deles é emitida naturalmente, mas uma porção significativa é gerada pela atividade humana.
- A queima de combustíveis fósseis como carvão, petróleo e gás é uma fonte de CO2. Práticas agrícolas liberam óxido nitroso, e animais como vacas e ovelhas geram metano.
- A concentração desses gases na atmosfera “prende” a energia irradiada da Terra na atmosfera, o que faz crescer a temperatura.
Temperatura global segue aumentando
O aviso dado pelo secretário da ONU de que a janela para conter os danos ambientais está se fechando foi sustentado pela divulgação, ainda em abril, de um novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). De acordo com o documento, que sintetiza avaliações de centenas de cientistas sobre como mitigar os danos ao planeta, a emissão de gases do efeito estufa responsáveis por elevar a temperatura média global continua a aumentar em vez de cair. Para cumprir a meta acordada em Paris sete anos atrás de limitar o aquecimento a 1,5°C a mais em relação ao período pré-industrial, é fundamental interromper o avanço na liberação desses gases até 2025 e passar a reduzi-la.
Nos últimos anos, tivemos aumento na destruição da Amazônia, mas também do Pantanal, do Cerrado, do Pampa. O novo presidente fez um discurso na COP se comprometendo a mudar essa situação. Nós vamos cobrar.
FRANCISCO MILANEZ
Diretor da Agapan
As recomendações do IPCC para atingir as metas incluem o desestímulo aos combustíveis fósseis, a descarbonização da indústria, a expansão do uso de energia limpa, o incentivo a construções verdes (com uso mais eficiente de energia e água, por exemplo) e a conservação dos ecossistemas. O problema é que governos e iniciativa privada não se mostraram tão empenhados quanto deveriam nessas tarefas até o momento. A COP27 se encerrou com a aprovação de um fundo destinado a indenizar países pobres afetados por catástrofes naturais, mas o documento final não detalhou como os recursos serão obtidos e evitou uma linguagem mais dura contra combustíveis fósseis.
Não há garantia de que o governo brasileiro vá se beneficiar dos recursos desse fundo específico. Milanez lembra que os países desenvolvidos devem compensar de alguma forma os brasileiros pelo trabalho de conservação da ampla biodiversidade nacional, já que, segundo o representante da Agapan, nações ricas, como os EUA, seguem agredindo o ambiente e reduzindo sua própria cobertura florestal. Os governos da Noruega e da Alemanha voltaram recentemente a contribuir para um fundo amazônico com a expectativa de mudança na postura do Planalto em relação à ecologia a partir de janeiro.
Antes disso, a falta de um maior comprometimento do país chegou a deixar servidores públicos voltados à fiscalização de áreas verdes e ativistas expostos à violência. Em junho, a luta pela preservação da Amazônia custou as vidas do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips – assassinados durante uma expedição à região do Vale do Javari a fim de escrever um livro a respeito da importância de resguardar a mata. Conforme o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a segunda maior terra indígena do país é palco de disputa “entre facções criminosas que se destacam pela sobreposição de crimes ambientais que vão do desmatamento e garimpo ilegal a ações relacionadas ao tráfico de drogas e de armas”.
A morte da dupla rendeu novas manchetes negativas para o país mundo afora, que se somaram a notícias sobre o salto nas taxas de desmatamento. Um estudo do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) revela que, apenas entre janeiro e setembro, a área de floresta derrubada na Amazônia aumentou pelo quinto ano consecutivo e somou 9.069 quilômetros quadrados de devastação. Isso corresponde a cerca de 18 vezes o tamanho da cidade de Porto Alegre.
Na esfera estadual, o engenheiro ambiental e ativista John Wurdig observa que 2022 também foi marcado por uma alteração de postura do governo gaúcho. O Estado se tornou membro de uma coalizão internacional sobre mudanças climáticas e aderiu às campanhas Race to Zero e Race to Resilience, que estabelecem objetivos de descarbonização. Como resultado, o Piratini acabou retirando a sustentação política para o projeto de uma mina de carvão associada a um complexo carboquímico na Região Metropolitana.
— Era um governo pró-carvão, trabalhou pela aprovação da Mina Guaíba, mas depois foi a Glasgow (na Escócia, onde se realizou a COP anterior), criou esse decreto aderindo ao Race to Resilience e criou um comitê para avaliar essa questão (ambiental) que está funcionando. Ainda no início do ano tivemos o arquivamento do projeto da Mina Guaíba — afirma Wurdig.
O ativista observa, porém, que há muito a avançar nesse setor, como investir na ampliação da rede de monitoramento da qualidade do ar em todo o Rio Grande do Sul.
— Para 2023, teremos de colocar em prática políticas públicas alinhadas com o que dizem os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, com metas e indicadores. Mas precisamos de ferramentas para avaliar se as metas estão sendo cumpridas e colocar uma lupa nos impactos locais, em nível municipal — complementa o ativista.
Variação da temperatura média mundial em relação à média d e 1910 e 2000
- 2015: +0,9°C
- 2016: +1°C
- 2017: +0,9°C
- 2018: +0,8°C
- 2019: +0,9°C
- 2020: +0,9°C
- 2021: +0,8°C
Fonte: National Oceanic and Atmospheric Administration (Noaa, EUA)