Ainda não foi em 2022 que o mundo pôde se despedir da pandemia de coronavírus, mas o Brasil conseguiu dar um passo importante na guerra contra o vírus graças ao avanço da vacinação. A aplicação das doses previstas e de até dois reforços alcançou um resultado significativo: a taxa de letalidade da doença, que representa a proporção de pessoas com diagnóstico que acabam morrendo, despencou na comparação com o ano anterior.
O desafio, agora, é manter elevada a proteção imunológica contra as novas variantes da covid-19 e também retomar campanhas de imunização contra doenças que já haviam deixado de circular no Brasil, como sarampo e poliomielite, e voltam a assombrar o país em razão de quedas progressivas na cobertura vacinal.
Os dados oficiais do Ministério da Saúde apontam que o percentual de óbitos provocados pela covid-19 diminuiu seis vezes de janeiro a novembro deste ano em relação aos mesmos meses de 2021. No período anterior, quando 14,4 milhões de brasileiros se contaminaram, entre os quais 419,7 mil não resistiram ao vírus, o índice de mortalidade ficou em 2,9%. No intervalo mais recente, a quantidade de contaminados apresentou um leve recuo e ficou em 12,9 milhões — o universo de vítimas, porém, caiu para 70,7 mil. Isso significa que 0,5% do contingente de infectados morreu.
— A maior conquista, em 2022, foi a redução da mortalidade absurda que vivemos pela covid. Essa redução, sem dúvida, se deve às vacinas. Costumo dizer que um medicamento salva uma vida, e as vacinas salvam populações. É a maior conquista científica da humanidade. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, todos os anos, a vacinação (contra todo tipo de doença) salva 3 milhões de pessoas — observa o professor de Epidemiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Paulo Petry.
A mortalidade, indicador citado pelo especialista que demonstra a proporção de óbitos sobre o total da população, também sofreu uma redução de seis vezes nos períodos analisados: baixou de 200 vítimas por 100 mil habitantes para 34 por 100 mil até o final de novembro em todo o país. Essa conquista de terreno no front da batalha imunológica contra o vírus só foi possível porque a maior parte da população brasileira se convenceu da importância de tomar as doses de imunizantes desenvolvidos em tempo recorde pela indústria farmacêutica e adquiridos pelo Brasil no ano anterior — embora ainda haja milhões de pessoas com aplicações de reforço em atraso.
O grande desafio para o próximo ano vai ser o novo governo federal incrementar campanhas e políticas públicas de vacinação em massa para que cobertura a vacinal, que vem em queda, aumente novamente
PAULO PETRY
Professor de Epidemiologia da UFRGS
Oito em cada 10 pessoas completaram o esquema original de vacinação no país, e cerca de metade tomou pelo menos uma dose adicional. Porém, segundo revelou em novembro o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, até aquele momento havia 69 milhões de brasileiros com a primeira injeção de reforço pendente, e 32,8 milhões que já poderiam ter recebido uma segunda complementação.
Para o virologista da Universidade Feevale Fernando Spilki, apesar dos índices de adesão irregulares em nível global às campanhas de imunização, o ano de 2022 pode ser considerado o início da transição da crise sanitária de uma pandemia para um fenômeno endêmico, sujeito mais a surtos localizados do que a contaminações generalizadas. Isso não quer dizer, infelizmente, que o fim do período pandêmico já esteja no horizonte.
— Oito em cada 10 pesquisadores não apostam no fim da pandemia em 2023. Vemos o cenário atual mais em termos de uma transição, que para mim parece já ter começado, em um processo de endemização (da covid-19). Neste próximo ano, poderemos ter novos fenômenos (ondas), mas em dimensão reduzida pela continuidade da vacinação e pela imunidade híbrida que vai se formando pelas infecções e pela vacinação. Mas, como ainda há muitos não vacinados, é possível que tenhamos surpresas, algumas idas e vindas — analisa Spilki.
Desafio será aumentar cobertura vacinal
Nesse mesmo horizonte, se consolida outra preocupação também relacionada a coberturas vacinais insuficientes: o retorno de doenças das quais o país já havia se livrado. Nos últimos anos, caiu a adesão dos brasileiros a campanhas de imunização contra poliomielite, sarampo, rubéola e difteria, entre outros males. O vírus do sarampo chegou a ser eliminado do país em 2016, mas, dois anos depois, retornou. Agora, um dos principais temores é o possível retorno da poliomielite após ter sido erradicada das Américas em 1994. Em casos graves, capazes de afetar sobretudo crianças, pode deixar sequelas permanentes como paralisia, insuficiência respiratória ou até provocar a morte.
Um relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) aponta que, desde 2015, há um recuo progressivo na cobertura vacinal de crianças até cinco anos. Em 2019, a imunização contra sarampo, caxumba e rubéola atingia 93% do público-alvo. No ano passado, esse patamar havia se reduzido para 71%, enquanto a recomendação da Organização Mundial da Saúde é que essa proporção atinja pelo menos 95%.
— O grande desafio para o próximo ano vai ser o novo governo federal incrementar campanhas e políticas públicas de vacinação em massa para que cobertura a vacinal, que vem em queda, aumente novamente — sustenta Paulo Petry.
Uma das dificuldades para cumprir essa tarefa, assim como dar conta de atendimentos e exames represados nos últimos anos em razão da pandemia, além de tratar sequelas da covid, será contar com dinheiro suficiente para manter o SUS saudável. Em outubro, o Conselho Nacional de Saúde encaminhou uma carta para a Organização das Nações Unidas e entidades internacionais da sociedade civil para relatar uma redução de R$ 22,7 bilhões no orçamento do Ministério da Saúde previsto para o ano seguinte, na comparação com 2022.
O relator do orçamento no Congresso, Marcelo Castro, garantiu a reposição desses valores. Se o desembolso não se confirmar, a redução atingiria áreas essenciais como oferta de medicamentos gratuitos, ações para prevenção e controle de doenças, vacinação, apoio a municípios e Estados para vigilância em saúde. Os principais cortes atingiram justo as ações de imunização, cuja expectativa de gasto passou de R$ 13,6 bilhões em 2022 para R$ 8,6 bilhões.
— Será preciso recompor o sistema de saúde, além de resgatar a preocupação com a saúde global por meio da conservação de biomas, da Amazônia. O Brasil precisa fazer a sua parte. Será um ano, sob o ponto de vista da saúde, muito importante para a nossa capacidade de prevenção e para a ressignificação do nosso programa de vacinações — afirma Spilki.
Números atuais
- 60% é o atual índice de cobertura vacinal no Brasil, segundo o DataSUS, do Ministério da Saúde. O ideal é que este índice, que contempla todas as imunizações disponíveis, seja de 90% de acordo com estimativa do Instituto Butantan.
- A imunização contra a poliomelite, uma das principais preocupações em nível mundial atualmente, caiu de 84,2% em 2019, segundo a Unicef, para 67,7% em 2021, dado considerado preocupante para o controle da doença, conforme o órgão.
Porcentagem da população vacinada contra a covid-19 (até 23/12)
No Brasil
- Duas doses ou dose única: 80,18%
- Terceira dose (reforço): 49,68%
No Rio Grande do Sul
- Duas doses ou dose única: 82,05%
- Terceira dose (reforço): 66,64%
Fonte: consórcio de veículos de imprensa