Após uma longa negociação, os especialistas do clima da Organização das Nações Unidas (ONU) publicaram, nesta segunda-feira (4), um guia com propostas firmes para conter o aquecimento global, que implica mudanças drásticas na nossa forma de viver. Repensar o uso de veículos convencionais e até mesmo o consumo de carnes figuram na lista das propostas.
O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas propõe mudanças drásticas para que sociedades e economias sejam transformadas e, assim, possam garantir o que consideram um futuro "viável".
A guerra na Ucrânia exacerbou a crise energética.
Os especialistas da ONU acreditam que chegou a hora de uma rápida transição dos combustíveis fósseis (petróleo, gás, carvão) para energias alternativas. Mas a energia solar e eólica representou apenas 10% da produção total mundial de eletricidade em 2021, de acordo com o centro de análise Ember.
Nos últimos meses, o IPCC divulgou as duas primeiras partes de uma trilogia de avaliações científicas gigantescas. São quase 300 cientistas discutindo as propostas. Milhares de páginas descrevendo o efeito estufa, que aquece o planeta, e o que isso significa para a vida e a fauna. O primeiro deles, sobre os elementos científicos mais recentes relacionados à mudança climática foi publicado em agosto de 2021. A segunda parte foi voltada para os impactos da crise do clima, possíveis caminhos de adaptação e as vulnerabilidades globais.
As propostas
O terceiro relatório descreve o que fazer a respeito para amenizar esses impactos. As emissões de CO2 devem ser reduzidas até 2025 para que o futuro da humanidade seja "viável". Para que o aquecimento do planeta não gere mudanças irreversíveis, restam apenas três anos para que essas emissões se estabilizem e depois comecem a cair, acrescentou o IPCC.
E, se não forem desenvolvidas técnicas de captura de carbono, o carvão deve ser abandonado totalmente, com uma redução de pelo menos 60% no uso de petróleo, e de 70%, o do gás, até 2050, na comparação com os níveis de 2019.
Apenas 10% da eletricidade produzida no mundo em 2021 provém da energia solar, ou eólica, calculam especialistas do setor independentes.
Em setembro, uma síntese retomará todos os elementos publicados. Mas a resposta tem amplas ramificações políticas, pois as soluções climáticas tocam praticamente todos os aspectos da vida moderna e exigem investimentos significativos.
Propostas radicais
As propostas mais radicais defendem a redução drástica do transporte aéreo, obrigar os usuários a abandonar os veículos com combustíveis tradicionais em favor dos elétricos, refundar a cadeia alimentar, reduzir o consumo de carne, repensar a forma como as casas são construídas, estão entre as propostas.
As negociações em torno deste novo relatório foram longas, mais de duas semanas, linha por linha. Os países em desenvolvimento reivindicam especialmente seu direito de continuar elevando o padrão de vida de suas populações, que compõem a grande maioria do planeta.
A reunião deveria terminar na sexta-feira, mas se arrastou no fim de semana.
— Todo mundo tem algo a perder e todo mundo tem algo a ganhar – disse uma fonte negociadora para resumir as discussões.
Respostas fáceis são improváveis, argumentam cientistas que acreditam que o mundo está caminhando para um grande desastre climático.
O relatório alerta que a redução das emissões de dióxido de carbono não é mais suficiente. O mundo deve acelerar a implementação de tecnologias de absorção de CO2 da atmosfera, ainda pouco exploradas.
Quase todos os países adotaram um aumento máximo de 1,5°C na temperatura média do planeta como meta ideal até meados do século. Mas o planeta já atingiu +1,1°C, o que, segundo especialistas do IPCC, tem causado eventos climáticos extremos no mundo.
Preços recordes
O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, alertou no mês passado que as principais economias estão permitindo que as emissões de CO2 aumentem quando deveriam reduzi-las drasticamente.
– Estamos caminhando como sonâmbulos em direção à catástrofe climática – disse.
E, ao mesmo tempo, o preço da gasolina está batendo recordes. O impacto na inflação é devastador e o crescimento econômico que deveria acontecido após as grandes restrições causadas pela pandemia não foi registrado.
– A crise climática está se acelerando e os combustíveis fósseis são a causa principal. Qualquer relatório sobre mitigação que não enfatize esse fato está negando a própria ciência com a qual o IPCC está comprometido – diz Nikki Reisch, do Centro de Direito Ambiental Internacional.