A crise do clima é provocada pela ação humana e as consequências do aquecimento global não se limitam ao futuro, sendo algo real já agora, no presente. Secas, inundações, ondas de calor, incêndios, insegurança alimentar, escassez de água, doenças, aumento do nível das águas são respostas do meio ambiente às ações do homem. Além disso, os mais pobres e mais vulneráveis já são e continuarão sendo os mais afetados.
Essas conclusões fazem parte do novo relatório do Painel Intergovernamental de Especialistas sobre Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas, divulgado nesta segunda-feira (28). O texto foi lapidado por quase 300 cientistas reunidos pela ONU e é dividido em três capítulos.
O primeiro deles, sobre os elementos científicos mais recentes relacionados à mudança climática, foi publicado em agosto de 2021. Agora, a segunda parte é voltada para os impactos da crise do clima, os possíveis caminhos de adaptação e as vulnerabilidades globais. A terceira parte, dedicada às medidas para amenizar esses impactos, será divulgada em abril e, para setembro, uma síntese retomará todos os elementos publicados neste que é a sexta edição do IPCC. A primeira edição do Painel é de 1988.
O IPCC em cinco pontos
1. Mais pobres sofrem mais
O novo relatório IPCC é um verdadeiro "atlas do sofrimento humano", conforme reagiu o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres. Para ele, há "uma liderança falha em termos climáticos".
O sofrimento é ainda mais importante para as populações mais frágeis e, mesmo sendo um fenômeno global, os efeitos do clima provocam mais impacto na África, na América Latina, na Ásia e nos pequenos países insulares e no Ártico. Segundo a nova edição do relatório, 3,3 bilhões a 3,6 bilhões de pessoas vivem em locais ou contextos altamente vulneráveis à mudança do clima.
2. Brasil e Américas
O documento aponta que as Américas Central e do Sul estão "altamente expostas, vulneráveis e fortemente impactadas pelas mudanças climáticas". O IPCC lista uma série de problemas que amplificam o problema:
- desigualdade
- pobreza
- crescimento e alta densidade populacional
- mudanças no uso da terra, particularmente o desmatamento com a consequente perda de biodiversidade
- degradação do solo e alta dependência das economias locais dos recursos naturais para a produção de commodities
3. Questão de sobrevivência
O relatório também prevê o desaparecimento de 3 a 14% das espécies terrestres e alerta que até 2050 quase um bilhão de pessoas viverão em áreas costeiras sob risco de submersão, seja qual for a taxa de emissões de gases de efeito estufa. O aumento do nível do mar também agrava o impacto de tempestades e inundações costeiras.
Se as águas subirem 75 cm, valor compatível com as projeções em 2100, a população exposta às inundações dobrará. Atualmente, cerca de 900 milhões vivem em áreas abaixo de 10 metros acima do nível do mar.
Entre agora e 2100, o valor da infraestrutura e outros ativos instalados em áreas de risco de inundações excepcionais ("uma a cada 100 anos") será de 10 bilhões de dólares, em um cenário de emissões moderadas.
4.Aumento da temperatura
O relatório também lança luz sobre mudanças irreversíveis e potencialmente catastróficas nos sistemas climáticos, chamados de "pontos de inflexão", que podem ocorrer em certos níveis de aumento de temperatura. Especificamente, o derretimento das calotas polares pode liberar água suficiente para elevar o nível dos oceanos em 13 metros.
A temperatura do planeta aumentou, em média, +1,1 °C desde a era pré-industrial e o mundo se comprometeu em 2015, com o Acordo de Paris, a limitar o aquecimento abaixo de +2 °C, e se possível de +1,5 °C. As consequências desastrosas aumentarão com "cada décimo adicional de aquecimento".
Em curto prazo, regiões como nordeste do Brasil, sudeste da Ásia, Mediterrâneo, centro da China e quase todas as áreas costeiras podem ser afetadas simultaneamente por múltiplas catástrofes: secas, ondas de calor, ciclones, incêndios florestais, inundações.
5. Adaptar-se ou morrer
Hoje, a questão da adaptação, ou seja, as medidas que podem ser tomadas para limitar ou se preparar para as consequências do aquecimento global, é o tema central do relatório.
O IPCC alerta que o mundo não está pronto. O aquecimento está indo mais rápido do que as medidas para reduzir suas consequências. Além disso, "no ritmo atual de planejamento e implementação da adaptação, a lacuna entre o que é necessário e o que está sendo feito continua aumentando".
Possibilidades como recuperar variedades agrícolas mais resistentes, restaurar manguezais ou plantar árvores nas cidades para criar corredores de ar puro podem ser exploradas, mas não há garantias de que funcionem.
O IPCC alerta ainda para os riscos de algumas medidas, como, por exemplo, a construção de represas para proteção contra inundações costeiras pode criar uma falsa sensação de segurança, desencadeando o desenvolvimento dessas áreas, apesar dos riscos.