O registro de ao menos três ataques a banhistas nas últimas duas semanas no litoral de São Paulo despertou a preocupação de moradores e turistas às vésperas da alta temporada nas praias. A presença de tubarões na região e a ligação deles com os casos ainda está sob apuração, mas o que especialistas ponderam é que, até aqui, os indícios não são suficientes para configurar um padrão de risco.
Os ciclos naturais dos animais na busca por alimento e reprodução, além de mais gente dentro da água, podem estar favorecendo os registros vistos neste mês, apontam pesquisadores. Também deve ser considerada a possibilidade de os casos não envolverem tubarões, mas, sim, outras espécies marinhas. No dia 3 e no dia 15 deste mês, pessoas acabaram feridas após ataques em Ubatuba e em Ilha Comprida, respectivamente. Um terceiro caso, também em Ubatuba no dia 15, está sob apuração.
De acordo com Otto Bismark, professor de biologia de peixes marinhos da Universidade Estadual Paulista (Unesp), são esperados mais relatos de casos durante o verão.
– Os tubarões aparecem mais próximos da costa nesse período para se reproduzir e nesta época tem mais gente na água, o que aumenta a possibilidade de contato – disse.
Pesquisador de tubarões há mais de 20 anos, Bismark disse que esses eventos exigem investigação cuidadosa.
– É mais difícil investigar um ataque de tubarão do que a aparição de um Ovni (Objeto Voador Não Identificado). A divulgação apressada, sem confirmação, ajuda a criar um clima de histeria, em que as pessoas ficam mais atentas a qualquer acidente que acontece na água, independente de ser ou não com tubarão. É um fenômeno mais psicológico – afirma, acrescentando:
– Como é também a época com mais banhistas nas praias, pode acontecer um acidente. Se, em todo verão, a gente tiver um ou dois acidentes com tubarão aqui em São Paulo, isso não será nada de mais. Quando o tubarão está perto da praia, o problema maior é para ele, que pode ser capturado por um pescador, cair em uma rede ou engolir um pedaço de plástico.
No caso da Ilha Comprida, um menino de 11 anos relatou ter sido ferido por um tubarão. O que a equipe técnica do Projeto Elasmocategorias, que analisou o caso, concluiu nesta terça-feira (16) foi que o ferimento é compatível com um cardume de raia ou outro peixe ósseo.
Os especialistas descartaram a possibilidade de ataque de tubarão, como havia sido divulgado pela prefeitura e pelo Corpo de Bombeiros.
– A análise do ferimento não foi compatível com ataque de cação (tubarão). É possível que alguma outra espécie de peixe possa ter sido responsável, ou até mesmo um esbarrão dessas raias – diz a nota divulgada na tarde desta terça-feira pela prefeitura.
Bismark lembra que os casos reportados no litoral paulista não se comparam em gravidade com os que acontecem no litoral do Pernambuco.
Em julho deste ano, um homem de 51 anos morreu após ser atacado por um tubarão em Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife. Duas semanas depois, outro banhista de 32 anos ficou gravemente ferido, mas sobreviveu.
Com obra na faixa de areia, Balneário Camboriú vê aproximação de tubarões
Em Santa Catarina, desde fins de agosto começaram a aparecer tubarões próximos da orla de Balneário Camboriú, um dos principais destinos turísticos do Estado.
Até então, avistar estes animais perto da praia era fato raro. Até esta terça-feira (16) foram registradas 34 aparições, mas não houve registro de ataques. A maior presença dos tubarões coincidiu com as obras de alargamento da faixa de areia da Praia Central, de 25 para 70 metros.
Conforme Jules Soto, curador do Museu Oceanográfico da Universidade do Vale do Itajaí, os tubarões foram atraídos pela movimentação do fundo do mar durante a remoção de areia para colocar na praia.
O especialista explicou que, neste período, por motivos naturais, como a busca de alimentação, a reprodução e a proteção dos filhotes, os tubarões se aproximam da costa.
Outros ataques no Brasil
Houve ataques em outras regiões do país. No dia 24 de janeiro, um domingo, um surfista foi mordido por um tubarão em uma praia de Navegantes (SC). Ferido na sola e no peito do pé pela dentada, ele subiu na prancha e seguiu até a faixa de areia, onde foi socorrido por guarda-vidas e levado a um hospital.
O curador do Museu Oceanográfico, Jules Soto, identificou como mordida de um tubarão-mangona que, provavelmente, estava em busca de alimento. Segundo o especialista, esta espécie era bastante encontrada na costa catarinense, até ser praticamente dizimado pela pesca predatória.
Em fevereiro de 2019, o surfista Carlos Vinicius Cavalcanti, de 31 anos, relatou em redes sociais ter sido mordido por um tubarão na praia Cacimba do Padre, em Fernando de Noronha. Ele sofreu ferimentos na face, orelha e pescoço.
Ele contou que o ataque foi de um tubarão-limão, espécie comum no arquipélago, mas ressalvou que o caso foi uma fatalidade. Ele surfava sobre um cardume de sardinhas e, mesmo após avistar o tubarão, continuou surfando no local. Segundo postou, o espécime estava interessado apenas nas sardinhas, mas ele estava entre elas.
Para o oceanógrafo Rodrigo Cordeiro Mazzoleni, os tubarões sempre estiveram nos oceanos e, nas últimas décadas, sua população vem se reduzindo devido à pesca predatória.
– Não acredito que os acidentes recentes estejam relacionados a ter mais tubarão perto das praias. O risco de contato sempre existiu, mas hoje a maioria das espécies está ameaçada de extinção, ou seja, existem em quantidade menor. O que há de novo é que temos muito mais pessoas no mar hoje do que há 20 ou 30 anos. Quanto mais pessoas procurarem os oceanos, maior a chance de acontecer algum tipo de incidente com seus seres vivos normais. Não só com tubarões, mas também com arraias, ouriços, siris e outras espécies de peixes.