A uma semana da cúpula do clima organizada pelo governo de Joe Biden, o presidente Jair Bolsonaro enviou uma carta para convencer a Casa Branca de que está comprometido com a preservação ambiental. Mas o recado, que repete o pedido constante do governo brasileiro por pagamentos por serviços ambientais, não mudou a percepção na capital americana: Biden e seus assessores ainda esperam ver ações concretas e imediatas de Bolsonaro, e não apenas promessas.
Os termos do que o Brasil pretende apresentar na reunião de líderes mundiais convocada por Biden, para os dias 22 e 23, estão no documento enviado de Brasília a Washington. Bolsonaro se compromete a eliminar o desmatamento ilegal até 2030, algo que já constava no Acordo de Paris, do qual o Brasil é signatário.
Segundo o presidente, no entanto, alcançar esta meta "exigirá recursos vultosos e políticas públicas abrangentes, cuja magnitude obriga-nos a querer contar com todo o apoio possível, tanto da comunidade internacional, quanto de governos, do setor privado, da sociedade civil e de todos os que comungam desse nobre objetivo", diz a carta.
Desde o início das conversas com os EUA, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirma que o Brasil precisa de financiamento internacional para o compromisso ambiental e chegou a indicar o valor desejado: US$ 1 bilhão.
Durante a gestão de Salles, no entanto, o governo brasileiro paralisou o maior programa de proteção da Amazônia da história, o chamado Fundo Amazônia, que era bancado com recursos de Noruega e Alemanha.
"Inspira-nos a crença de que o Brasil merece ser justamente remunerado pelos serviços ambientais que seus cidadãos têm prestado ao planeta", disse Bolsonaro na carta.
O texto é considerado por diplomatas brasileiros como uma vitória do Itamaraty, que tem argumentado que o discurso de Salles, de condicionar avanços a um pagamento dos EUA, com valores e prazos sobre a mesa, não ajuda na negociação com Washington.
Para os diplomatas, apesar de Bolsonaro fazer menção ao pagamento por serviços ambientais, ele faz também sinalizações que os EUA esperavam, como a ideia de antecipar a meta de "neutralidade climática", de 2060 para 2050, além da promessa de consultar comunidades locais e do terceiro setor sobre a Amazônia.
Representantes de ONGs, no entanto, têm articulado uma resistência a qualquer movimento de aproximação de Biden com Bolsonaro por meio de eventos com organizações ambientais nos EUA e de conversas com congressistas democratas.
Apesar de o governo já ter se comprometido antes com a eliminação do desmatamento ilegal até 2030, alegam os diplomatas brasileiros, um compromisso feito pelo próprio presidente teria outro peso, ainda mais em texto encaminhado à Casa Branca.
O governo Biden, no entanto, continua a repetir que é preciso apresentar resultados rápidos, e não apenas em 2030.
— Saudamos o compromisso do Brasil de acabar com o desmatamento ilegal até 2030. Esperamos continuar nosso diálogo e ver medidas concretas do governo para reduzir o desmatamento nesta temporada de incêndios — afirmou um funcionário do alto escalão americano.
O detalhamento do compromisso concreto, dizem interlocutores do Planalto, foi anunciado no Plano Amazônia, para o biênio 2021-22, publicado no Diário Oficial da União na quarta-feira (14). A ideia é "reduzir" o volume aos níveis médios registrados entre 2016 e 2020.
O texto, contudo, é considerado pouco ambicioso. Segundo a rede Observatório do Clima, que reúne mais de 50 ONGs, a taxa de desmatamento ainda será 16% maior do que a registrada antes de Bolsonaro assumir.
Uma das opções que chegou a ser estudada pelo governo brasileiro foi a de anunciar, na próxima semana, mais verba para órgãos ambientais como Ibama, Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) e Ministério do Meio Ambiente. Os americanos vêm cobrando sinais de que Bolsonaro interromperá o esvaziamento dos órgãos ambientais.
Reportagem do Estadão revelou que o ICMBio, por exemplo, vive extrema restrição financeira, o que levou o órgão a elencar uma série de paralisações que terá de executar em razão do corte de recursos. Diplomatas brasileiros defendem que o governo indique que recuperará a capacidade desses institutos como resposta à pressão internacional. Mas o Planalto avalia que o imbróglio em torno da aprovação do orçamento é um impeditivo para mais gastos.