Por Marcelo Felix Alonso
Professor da Faculdade de Meteorologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel)
O mundo assistiu perplexo ao céu vermelho-sangue sobre a Austrália nos últimos dias, devido aos milhões de hectares de área queimada sobre a porção continental da Oceania. Primeiramente, é preciso elucidar que os incêndios florestais podem iniciar-se por ação humana, deliberadamente, ou por acidente, como são os casos da maioria das queimadas que ocorrem no Brasil e na Indonésia, por exemplo, além dos incêndios de origem natural, quando a ignição se dá sem a ação antrópica, como a queda de um raio.
A queima de matéria orgânica produz primordialmente água e dióxido de carbono (CO2), importante poluente associado às alterações climáticas. No entanto, outros gases com potencial efeito estufa são emitidos, como os óxidos de nitrogênio (NOx) e o metano (CH4). Por essa razão, as queimadas e os grandes incêndios florestais impactam substancialmente no equilíbrio climático e biogeoquímico do planeta. No caso do CO2, sua reincorporação à vegetação está comprometida pelo aumento de áreas de desmatamento. Cabe ressaltar algo importante aqui: o efeito estufa é um fenômeno natural de aquecimento térmico do planeta, essencial para a manutenção da temperatura em condições ideais para a sobrevivência dos seres vivos. Gases com esse tipo de forçamento radiativo absorvem a radiação solar irradiada pela superfície terrestre, impedindo que todo o calor retorne ao espaço. O que chamamos de aquecimento global é o agravamento do efeito estufa pelo aumento desses gases na atmosfera.
Além dos gases estufa, outros gases precursores são emitidos, como alguns tipos de hidrocarbonetos não metano, o monóxido de carbono (CO) e partículas sólidas em suspensão, conhecidas como aerossóis.
Os impactos locais desses poluentes são bem conhecidos e noticiados. Porém, na fase de preaquecimento e na própria combustão em chamas, associados a uma grande densidade de biomassa, esses gases e aerossóis são emitidos na baixa e na média troposfera (de três a 10 quilômetros de altura), desenvolvendo verdadeiras nuvens de fumaça chamadas pirocumulus. Esse material injetado em altitudes mais elevadas pode ser transportado em escala intercontinental, como ocorre na América do Sul pelo transporte para o sul da fuligem e dos gases emitidos pelas queimadas nas regiões Norte e Centro-Oeste do Brasil durante a estação seca. No caso dos incêndios australianos, algumas simulações computacionais numéricas e imagens de satélite mostraram que a fuligem emitida, termo comum para o carbono grafítico (do inglês “black carbon”), alcançou o continente sul-americano, inclusive chegando ao sul do Brasil.
Os aerossóis estão associados a alterações no balanço radiativo da atmosfera, por meio dos efeitos diretos das partículas ao refletir e espalhar a radiação solar incidente de volta para o espaço, causando um resfriamento (aerossóis de sulfato, por exemplo), ou ao absorver radiação solar terrestre, aquecendo a atmosfera (o carbono grafítico, por exemplo).
A Austrália sempre experimentou incêndios florestais, contudo, alguns fatores de variabilidade do clima local agravaram esses episódios.
Além disso, pode-se citar os efeitos indiretos dessas pirocumulus de fumaça na microestrutura de nuvens de tempestade e, consequentemente, na formação ou supressão de precipitação, dependendo do diâmetro da partícula. Alguns autores estudam também a influência dos aerossóis na estrutura elétrica das nuvens.
Mas por que esses incêndios florestais na Austrália estão em evidência neste momento? Geralmente eventos como esses ocorrem em épocas de regime pluviométrico baixo ou durante um evento de seca mais rigoroso. Essa condição, associada à disponibilidade de biomassa e ao regime de ventos, pode agravar pequenos incêndios (naturais ou antrópicos) que se espalham rapidamente por grandes áreas.
A Austrália sempre experimentou incêndios florestais, contudo, alguns fatores de variabilidade do clima local agravaram esses episódios. Ocorre que o oceano é um termorregulador climático importante. Da mesma forma que os conhecidos fenômenos El Niño e La Niña no Oceano Pacífico equatorial causam alterações climáticas no continente sul americano, o padrão de aquecimento das águas no Oceano Índico pode afetar o regime de precipitação no continente australiano.
Além disso, outros padrões de variabilidade climática contribuíram para um período prolongado de seca, que também está associado aos registros de altas temperaturas em dezembro. De fato, a Austrália está passando pela pior temporada de incêndios em anos.