Um sistema integrado de monitoramento do oceano poderia ter avisado as autoridades, com alguma antecedência, que uma grande mancha de óleo se aproximava da costa brasileira.
— É possível que o vazamento fosse detectado até mesmo alguns dias antes por alguma boia — especula José Muelbert, professor do Instituto de Oceanografia da Universidade Federal de Rio Grande, no Rio Grande do Sul (Furg).
Mas não há tal sistema ou um instituto nos moldes da agência americana Noaa (Administração Nacional Oceânica e Atmosférica). O conhecimento produzido no país sobre sua costa e o oceano ainda é fragmentado, e falta integrá-lo, armazená-lo e disponibilizá-lo para a prevenção de acidentes.
— Falta mesmo um sistema de monitoramento oceânico 24 horas por dia, sete dias por semana — diz Muelbert.
No papel, ele até existe e tem nome — o Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas (Inpo). Sua ideia foi concebida em 2010, em uma reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Edmo Campos, professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), conta que, à época, a ex-presidente Dilma Rousseff, que tinha acabado de vencer a eleição, gostou da proposta. O instituto chegou a ser "formatado" no ano de 2013, mas, com a instabilidade política e a crise econômica dos anos seguintes, ficou fora das prioridades governamentais.
Agora, após o vazamento de óleo que atingiu mais de 600 locais no Nordeste e no Espírito Santo e pegou todo mundo desprevenido, a pressão para colocar o Inpo em pé cresceu.
O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) confirma que não há, hoje, no Brasil, "uma estrutura que alie pesquisa, desenvolvimento de tecnologia e infraestrutura operacional e administrativa adequada que permita a geração de conhecimento sobre os oceanos com vistas a atender às demandas do poder público, sociedade e setor privado".
Instituto pode operar em dois anos
Segen Estefen, professor de estruturas oceânicas do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), é quem lidera as negociações sobre o Inpo com o MCTIC. Ele prevê que o instituto possa começar a atuar em um ou dois anos — caso haja recursos.
Segundo o ministério, o aporte orçamentário do governo federal depende da disponibilidade de recursos em 2020 e deverá ser adequado à data de criação e aos desafios iniciais do Inpo.
"Em relação aos investimentos privados, espera-se que empresas de setores como petróleo, portos e pesca possam demandar do Inpo soluções para desafios técnicos e científicos, remunerando a entidade pelos serviços prestados", disse o MCTIC.
Segundo Estefen, o Inpo deve ser uma organização social (OS), personalidade jurídica que flexibiliza a gestão de pessoas (que não precisam passar por concurso), a obtenção de recursos, o gasto desse dinheiro (não são necessários longos processos de licitação, por exemplo) e o estabelecimento de parcerias.
O início deve ser modesto, com uma rede de laboratórios e iniciativas já existentes de universidades e da Marinha que funcionam de forma independente e sem integração.
Não há previsão de se construírem novos laboratórios, e a sede administrativa, em local a ser definido, deve ser enxuta. A reunião para definir os próximos passos deve ocorrer em 10 de dezembro, no Rio de Janeiro.
A grande inspiração deve ser a Noaa, agência americana para atmosfera e oceanos que reúne um imenso banco de dados e fornece serviços de previsão do tempo e monitoramento do clima e da costa, além de prestar auxílio à marinha mercante.
Em 2020, a agência deve ter um orçamento de US$ 4,5 bilhões (cerca de R$ 18,8 bilhões). No mesmo ano, o próprio orçamento do MCTIC deve permanecer estagnado, com R$ 3,8 bilhões, segundo a previsão do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA).
Outros países com institutos nacionais de oceanos são França, Reino Unido, Noruega, Alemanha, Austrália, Canadá e China.
Desafio de integrar informações
O Inpo terá como desafio integrar as informações de projetos já em curso do país, como o Sistema de Monitoramento da Costa Brasileira (SiMCosta), coordenado por Carlos Garcia, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e o Sistema Nacional de Boias (SNBoias), coordenado pela Marinha (responsável pelo monitoramento oceânico), além de outras iniciativas ligadas à fauna marinha, como o Projeto Tamar e o Projeto Baleia Jubarte.
— Às vezes os cientistas se aposentam e ninguém sabe o que fazer com os dados depois. Nós perdemos essas informações por falta de meio eficiente de armazenamento e disponibilização — diz Estefen.
No SiMCosta, por exemplo, 12 boias (estações de monitoramento oceanográfico) medem propriedades do mar ao longo do tempo. Cada uma custa, em média, R$ 500 mil. Com esse aparato é possível obter dados como temperatura, direção do vento, salinidade e até mesmo presença de nutrientes e de oxigênio no ponto onde a boia se encontra ancorada.
O SIMCosta foi responsável por fornecer informações do tempo e das condições marítimas para a realização da Olimpíada do Rio de Janeiro, em 2016.
As boias em operação hoje vão do Rio Grande do Sul até a Bahia. O Nordeste, principal região atingida pelo vazamento de óleo, não está contemplado nesse projeto.
A meta, segundo Garcia, é que haja ao menos uma boia por estado. Somente na costa dos Estados Unidos, a Noaa opera mais de 150 boias em seu sistema próprio, além de outras dezenas em colaborações internacionais.
Também estão no SiMCosta mais de uma dezena de marégrafos, que registram altitude e nível do mar para que, a longo prazo, seja possível compreender o impacto das mudanças climáticas e obter dados sobre os locais mais suscetíveis a alagamentos, por exemplo.
Garcia afirma que os sistemas hoje são, em grande parte, coordenados por professores universitários dentro do contexto de projetos de pesquisa, que têm financiamento por períodos curtos, muitas vezes de até cinco anos.
— No geral, a situação do Brasil é crítica. Há poucas séries temporais de dados contínuos na costa e no mar que permitam traçar tendências sobre o que está acontecendo — afirma Alexander Turra, do Instituto Oceanográfico da USP.
Segundo Turra, que coordena a ReBentos, rede que monitora os habitats no fundo do mar, o Atlântico Sul "ainda é a região mais subcompreendida entre todas as bacias oceânicas". Entre as boas iniciativas no país, ele destaca as dos grupos que monitoram recifes de corais na Baía de Todos os Santos e em Abrolhos, na Bahia.
Para Carlos Garcia, da UFSC, é possível que imagens de satélite tenham registrado o derramamento, mas o desafio de prever e conter o vazamento de óleo é maior porque a fonte é desconhecida e o óleo é denso e permanece abaixo da superfície da água.
Esse tipo de monitoramento é mais intenso em regiões de maior risco — por exemplo, onde há exploração de petróleo. A Petrobras afirma que dispõe de "satélite, sistemas de supervisão instrumentados, embarcações e equipe de profissionais especializados para monitoramento de suas operações e detecção de possíveis vazamentos".
"Ressalta-se que um vazamento de fonte incerta, de óleo extrapesado e sem precedentes em nosso país, inviabiliza o recolhimento do produto ainda em alto mar com os equipamentos utilizados pela Petrobras", diz a empresa.