O médico Guilherme Pulici, especialista em alergia e imunologia do Hospital de Urgência e Emergência de Rio Branco (Acre), uma das capitais brasileiras no centro da fumaça produzida pelos focos de incêndio na Amazônia, relata o aumento de atendimentos de doenças respiratórias devido ao fenômeno.
O profissional conta que, neste ano, a fumaça está mais persistente do que em períodos anteriores. Na semana passada, Pulici viajou entre Rondônia e o Acre de carro e percebeu focos de incêndio a cada cinco quilômetros na beira da estrada. A seguir, os principais trechos da entrevista a GaúchaZH.
É possível perceber os efeitos da fumaça das queimadas no dia a dia da população em Rio Branco?
A gente tem notado que, com o aumento da fumaça, houve registro de aumento dos atendimentos por doenças respiratórias, sobrecarga dos serviços de urgência e emergência da cidade, mas também nos municípios do interior, predominantemente no que se refere a asma, bronquite, sinusite, rinite. Também quadros de pneumonia e gripe estão registrando maior quantidade (de atendimentos) nessa época do ano porque, naturalmente, essas doenças se propagam com maior facilidade com esse tipo de tempo. Também há registro de aumento de doenças cardiovasculares. Essa fuligem, quando atinge os pulmões, é absorvida, cai na corrente sanguínea e pode afetar coração, rins e cérebro. Há uma prevalência de acidente vascular cerebral, infarto agudo do miocárdio e até de arritmias cardíacas.
Que comparação o senhor faz com relação a anos anteriores?
O que a gente percebe este ano é que (a fumaça) está mais persistente. Na semana passada, em viagem a serviço, vim de Rondônia até o Acre. Percebi na estrada: são centenas de focos de fogo, e fumaça durante todo o trajeto. Era difícil até enxergar a ponte sobre o rio Madeira. A impressão é de uma neblina. Percebi esses focos durante todo o trajeto. Percorri 440 quilômetros de carro, você não anda cinco quilômetros sem ver foco de fogo bem próximo, na beira da estrada. É difícil até fotografar. Tentei tirar uma fotografia, mas é difícil visualizar a cor do céu. Agora, por exemplo, vejo que não há nuvens, mas não consigo visualizar a cor azul do céu. Fica aquela cor meio parda, amarronzada, acinzentada.
O fenômeno da fumaça demora mais tempo para passar do que em anos anteriores?
Sim, mais tempo para passar. A gente percebe a fuligem caindo dentro de casa. Aquela fuligem preta que cai no solo. As casas ficam mais empoeiradas, sujas. É impressionante, a gente lava o carro, e, dois dias depois, a impressão é de que não foi lavado. É como se você tivesse passado por uma estrada de terra. Está imundo. A gente percebe também que não tem chovido. Anteontem (terça-feira), houve uma pequena pancada de chuva, mas fazia mais de mês que não chovia. Então, essa poeira não assenta.
Os seus pacientes chegam até o senhor reclamando de problemas respiratórios e associando-os à fumaça?
Sem dúvida. As pessoas se queixam. Por exemplo, na minha especialidade, vejo muitos pacientes com doenças alérgicas, como a asma. Agora, está mais difícil o controle, quadros mais arrastados, uma tosse que não melhora, pacientes fazendo mais retornos do que habitualmente fazem. Você faz uma consulta, prevê um retorno para daqui 10 ou 15 dias, e o paciente volta três quatro, vezes. Às vezes com piora do quadro. Acaba até aumentando, a gente acaba solicitando mais exames complementares, porque gera aquela dúvida: "Será que pode ter contraído alguma infecção?". A gente vê radiografia está normal, exame de sangue seguem normais. Ou seja, são efeitos da fumaça agindo sobre a doença e exacerbando o quadro clínico.
E a cada ano isso se repete? Ou há anos em que é maior?
Todos os anos, nessa época, a gente tem fumaça. Em 2016 ou 2017, a cidade ficou um breu, a gente não enxergava o outro lado da rua por causa da fumaça. Foi mais intenso, mas o que percebo (agora) é que está mais alastrado pela região Norte. Como fiz essa viagem, percebi que não está só aqui em volta, está se arrastando para Rondônia e Amazonas.
O que o senhor orienta a seus pacientes?
A primeira coisa que a gente orienta é que o paciente se hidrate bem: ingerir bastante liquido e procurar não sair de casa nos momentos em que a fumaça está mais intensa, geralmente na metade do dia. A temperatura já é alta na hora do almoço. Com fumaça, o quadro se exacerba mais. Não fazer atividades físicas ao ar livre nesses horários. Ingerir alimentos adequados, ricos em água e sais minerais e manter a carteira de vacinação em dia. E tomar algumas medidas caseiras que a gente acaba adotando aqui. Apesar de não ter evidência científica, não dá para abrir mão: tentar usar umidificador, melhorar a umidade dentro do quarto, deixar uma toalha úmida, uma bacia com água. Só quem está vivenciando a situação, sabe o quanto é difícil lidar com ela.