O corte de árvores em áreas públicas de Guaíba tem gerado controvérsia entre ambientalistas, moradores e a prefeitura. À frente da secretaria de Agricultura e Meio Ambiente desde 2017, Selito Carboni tem coordenado alterações na arborização da cidade, uma ação classificada pelo próprio como “limpeza urbana”. A iniciativa consiste em substituir árvores antigas, que apresentam problemas, por novas mudas.
Porém, a forma como vem sendo executada a supressão das plantas tem sido contestada pela Associação Amigos do Meio Ambiente (Ama) e por integrantes do Conselho Municipal de Meio Ambiente. As duas entidades, formadas por técnicos e especialistas da área, reclamam da falta de critérios e acusam a prefeitura de fazer um corte desordenado da área verde.
Na Avenida Perimetral, no bairro Engenho, onde fica o conduto da Celupa – um canal que levava água para as caldeiras da antiga fábrica de papel a Celupa –, o cenário mudou há cerca de um mês. A prefeitura retirou diversas árvores em toda extensão da via e replantou mudas.Segundo o engenheiro agrônomo e integrante da direção da Ama, Bolívar Leão, foram suprimidas do local árvores sadias, nativas e que cumpriam um papel ecológico. A extração vai gerar consequências na fauna local e na erosão do solo:
– Eram diferentes espécies que faziam parte de toda uma cadeia que estava equilibrada e, agora, está alterada. Queremos saber os critérios dessa intervenção. As árvores que foram introduzidas atendem aos critérios do bioma da cidade? Não há um regramento técnico. Estamos vendo uma intervenção arrasa-quarteirão.
Sem embasamento
Moradora da Avenida Perimetral há 25 anos, a comerciante Ceni Webber, 61 anos, se decepcionou com a mudança e chegou a questionar a prefeitura no momento do corte:
– Minha rua era linda, um verde maravilhoso. Para que cortar se vão plantar de novo? Não faz sentido. Até os pássaros foram embora porque não têm mais onde pousar. Antes, eu ia trabalhar andando pela sombra, agora, não tem. Dá uma tristeza ver isso.
Até os pássaros foram embora porque não têm mais onde pousar. Antes, eu ia trabalhar andando pela sombra, agora, não tem. Dá uma tristeza ver isso.
CENI WEBBER
Moradora da Avenida Perimetral
O secretário afirma que a intervenção nesse ponto foi feita com licença ambiental. Ele reforça que o objetivo era limpar o canal. Também argumenta que outras 160 árvores foram replantadas no local. Ao todo, foram compradas 1,5 mil mudas de um viveiro de Pareci Novo por meio de compensação ambiental. A reportagem esteve no local no domingo passado e constatou que o canal segue sujo. O secretário argumenta que a limpeza não terminou.
Bióloga, coordenadora administrativa do Ama e também integrante do Conselho Municipal de Meio Ambiente, Solange Klein, 60 anos, cobra um plano de manejo para os cortes:
– Estão substituindo a vegetação nativa que existia por uma monocultura de jerivá. A identidade visual da natureza está sendo alterada sem respeitar a diversidade.
O engenheiro agrônomo e assistente técnico da Secretaria Estadual de Meio Ambiente Tulio Carvalho, também morador de Guaíba, acredita que há necessidade de manejo na arborização, mas defende que as ações devem ser feitas com justificativas técnicas.
– O próprio órgão licenciador descumpre a legislação ambiental. Guaíba não tem gestão ambiental.
Terreno ao lado da secretaria ficou “pelado”
Os moradores também foram surpreendidos com o corte de árvores em um terreno ao lado do prédio onde fica a Secretaria Municipal de Agricultura e Meio Ambiente, na Rua Santa Catarina. A área abrigava a antiga usina de asfalto e, segundo o secretário, é de um proprietário privado. No local, será erguido um prédio comercial. Selito afirma que a licença para o corte destas árvores foi aprovada na gestão anterior mas que, se necessário, ele também teria aprovado.
A vizinhança discorda da posição de Selito. Militar da reserva e morador da local há 30 anos, Luiz Carlos da Silva, 66 anos, não entende por que o corte das árvores foi tão radical. A área, que era fechada pelo verde, hoje está completamente vazia:
– Retiraram árvores que já estavam aqui quando cheguei: goiabeira, ameixeira, Ipê, Angico... Era uma pequena mata que tínhamos na frente de casa, uma sombra maravilhosa. Um minipulmão da cidade. Tudo aconteceu sem nenhum órgão de fiscalização se manifestar, ninguém viu. Não nos deram nenhuma explicação, simplesmente sumiram com as árvores – afirma.
A doméstica Eunice Ferreira Gonçalves, 63 anos, conta que se entristeceu ao ver a paisagem na frente de casa ser transformada:
– Simplesmente acordei em um domingo e tinha uma motosserra derrubando as árvores. Cheguei a chorar quando vi todas caídas no chão. Foi muito triste.
O empresário Pedro Narciso, 58 anos, gravou um vídeo que viralizou nas redes sociais e em grupos de aplicativo de conversa onde ele reclama que a prefeitura cortou as mais de 20 árvores frutíferas plantadas por ele e outros vizinhos no canteiro da Rua Ivo Lessa da Silveira, no Bairro Chácara das Paineiras. Na segunda-feira, ele levou a reclamação ao secretário:
– Plantamos árvores que não iriam crescer a ponto de atingir a rede elétrica. Esse corte foi pura ignorância. Tu trabalhas para a comunidade, para deixar tudo bonito. Quem passava na minha rua elogiava. Aí, a prefeitura chega aqui e corta, sem estudo, sem autorização. Vimos uma máquina passando por cima de todo nosso trabalho.
Prefeito fala em limpeza na arborização
Em um vídeo publicado no Facebook da prefeitura de Guaíba em 10 de julho, o prefeito José Sperotto justifica a retirada de árvores e afirma que está fazendo uma limpeza na arborização:
“A limpeza que viemos fazendo na nossa cidade não é só na questão do lixo, mas também na arborização, que envelheceu, que está ‘enfeiando’ nossa cidade. Por isso que vamos fazer uma retomada de arborização.”
Para Selito, que é pecuarista e agricultor e ocupa cargo público pela primeira vez, é normal que haja resistência da população diante de mudanças:
– Guaíba ficou atirada por muito tempo, tinha lixo por tudo. Hoje, a cidade é limpa. Primeiro tiramos o lixo da cidade e agora estamos numa segunda etapa, que é padronizando as árvores avenida por avenida. Plantar um tipo de árvore só por avenida – explica ele.
Desrespeito a norma de bens tombados
O corte de um eucalipto-cheiroso localizado na praça da Igreja Nossa Senhora do Livramento desrespeitou uma portaria da Secretaria Estadual da Cultura.
A árvore estava dentro do perímetro urbano da Casa de Gomes Jardim – imóvel tombado pelo Estado. Segundo a norma, a intervenção em bens naturais no entorno de imóveis tombados deve ter aprovação prévia do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae) e do órgão de proteção ambiental competente.
Um documento emitido pelo Iphae informa que a prefeitura não cumpriu a determinação, só informando a supressão depois que ela ocorreu. O órgão solicitou à prefeitura que faça levantamento histórico da planta e a encaminhe ao Iphae.
Técnicos da Ama ouvidos pela reportagem afirmam que a comunidade tinha vínculos culturais e históricos com a árvore. O secretário, por sua vez, afirma que a supressão ocorreu devido a reclamações de moradores por risco de queda de galhos.