Grandes e lentos navios percorrem quilômetros de oceano, em um vai e vem padronizado e incessante, levando um conjunto de 12 a 48 bombas de ar comprimido que disparam repetidamente ar pressurizado nas profundezas do mar. As ondas de som batem no solo marítimo, penetrando-o por quilômetros e voltando à superfície, onde são captadas por hidrofones. Os padrões acústicos formam um mapa tridimensional de onde há maior probabilidade de serem encontrados óleo e gás.
As bombas de ar sísmicas produzem provavelmente o som mais alto emitido regularmente por humanos debaixo d'água. E a previsão é de que logo ficará ainda mais alto no Atlântico. Como parte dos planos da administração Trump para permitir perfuração offshore em busca de gás e petróleo, cinco empresas foram autorizadas a realizar mapeamento sísmico com bombas de ar comprimido especializadas por toda a costa leste, desde o centro da Flórida até a porção mais nordeste, pela primeira vez em três décadas. Os levantamentos ainda não começaram no Atlântico, mas, agora que a proibição à perfuração offshore caiu, empresas podem receber permissão para explorar regiões no Golfo do México e no Pacífico.
As bombas de ar comprimido são o método mais comum usado hoje em dia por empresas para mapear o fundo do oceano. "Elas disparam, aproximadamente, a cada dez segundos, sem parar, por meses. Já foram detectadas a quatro mil quilômetros de distância. O impacto é muito, muito grande", explicou Douglas Nowacek, professor de tecnologia de conservação marinha da Universidade Duke. A perspectiva de testes sônicos subaquáticos é o mais recente exemplo do crescente problema do barulho oceânico citado por ambientalistas e outros grupos, o que tem levado a uma enxurrada de processos contra algumas companhias e governos e estimulado mais pesquisas que investigam os potenciais perigos para a vida marinha.
Alguns cientistas dizem que os barulhos causados por bombas de ar, sonares de barcos e pelo trânsito geral de petroleiros podem causar a morte gradual ou imediata de criaturas marinhas, das maiores às minúsculas – baleias, golfinhos, peixes, lulas, polvos e até mesmo plânctons. Outras consequências incluem a deformação da audição dos animais, a hemorragia cerebral e o abafamento dos sons de comunicação entre eles, que, segundo especialistas, são importantes para a sobrevivência.
O ruído crescente está tão significativo nos oceanos que especialistas temem que ele esteja destruindo fundamentalmente o ecossistema marítimo por meio da redução da população de algumas espécies, uma vez que o barulho atrapalha a alimentação, a reprodução e o comportamento social.
Um estudo de 2017, por exemplo, descobriu que um estouro alto, mas de menor volume que o barulho da bomba de ar sísmica, matou cerca de dois terços do zooplâncton em pouco mais de um quilômetro em cada lado. Constituído de organismos minúsculos da base da cadeia alimentar, o zooplâncton é fonte de comida para tudo, desde grandes baleias até camarões. O krill, um crustáceo miúdo vital para baleias e outros animais, foi especialmente atingido, de acordo com um estudo. "Os pesquisadores observaram uma completa ausência de vida em torno da bomba de ar", revelou Michael Jasny, diretor de proteção de mamíferos marinhos do Natural Resources Defense Council (Conselho Natural de Recursos Naturais), um dos muitos grupos ambientais que estão processando o governo federal na tentativa de brecar as pesquisas sísmicas.
Medindo os sons do comércio
Estima-se que cada tiro sísmico disparado pela bomba de ar atinja até 260 decibéis. Um navio porta-contêineres, outro barulhento dos mares, emite sons de até 190 decibéis. (A título de comparação, o lançamento de um ônibus espacial atinge aproximadamente 160 decibéis para quem está perto.)
Cada dez decibéis são uma ordem de grandeza. Ou seja, uma explosão de 260 decibéis é dez milhões de vezes mais intensa que o barulho de um navio porta-contêineres. Como a densidade da água é muito maior que a do ar, o som viaja cerca de quatro vezes mais rapidamente e atinge maiores distâncias debaixo d'água do que sobre a superfície do mar. "Em qualquer dado momento, há 20, 30 ou 40 levantamentos sísmicos sendo realizados ao redor do mundo", tanto para a exploração de gás e petróleo como para pesquisas geológicas, contou Nowacek.
No total, no primeiro ano da recém-aprovada exploração, seriam realizados mais de cinco milhões dessas enormes explosões ao longo da costa leste dos Estados Unidos. Christopher Clark, pesquisador sênior do programa de bioacústica do Laboratório de Ornitologia da Cornell e que estuda a comunicação de baleias há 40 anos, descreveu o barulho como sendo infernal para os animais marinhos, que apresentam sensibilidade apurada ao som.
Um coletivo de grupos ambientais entrou com uma ação legal contra o National Marine Fisheries Service (Serviço Nacional de Pesca Marítima), uma divisão da National Oceanic and Atmospheric Administration – NOAA (Agência Nacional de Administração Oceânica e Atmosférica), alegando que, ao permitir os estouros, a agência está violando diversas leis federais de proteção à vida selvagem, incluindo a Endangered Species Act, que protege espécies ameaçadas de extinção. Além disso, governadores de dez estados protestaram contra a decisão de permitir perfuração offshore e estudam se unir à ação.
Prejudicar ou ferir mamíferos marinhos é proibido pelo Marine Mammal Protection Act (Decreto de Proteção dos Mamíferos Marinhos). Em novembro, a NOAA emitiu cinco autorizações permitindo que empresas de exploração sísmica "perturbem os mamíferos marinhos, desde que incidentalmente, e não intencionalmente". Devido à paralisação parcial do governo dos Estados Unidos, outra ação para que se iniciem os testes foi adiada pelo menos até 1º de março.
As empresas envolvidas com a exploração discordam veementemente das alegações de que estariam causando malefícios. "Mais de 50 anos de extensivos levantamentos e pesquisa científica indicam que o risco de machucar fisicamente mamíferos marinhos é extremamente baixo", disse em declaração Gail Adams-Jackson, vice-presidente de comunicação da International Association of Geophysical Contractors (Associação Internacional de Empreiteiros Geofísicos). Ela defendeu que os esforços dos grupos têm como foco apenas brecar a perfuração offshore e o desenvolvimento.
As empresas e a NOAA Fisheries defenderam que os impactos sobre a vida marinha podem ser mínimos se monitorados e mitigados com cuidado, o que envolveria monitoramento acústico para detectar vocalizações de mamíferos e a suspensão de explorações caso sejam observadas espécies sensíveis, como as baleias-francas-do-atlântico-norte.
Não existem mais do que 400 a 500 animais da espécie migratória de baleias-francas, que chegam a atingir 18 metros e podem parir e amamentar os filhotes no caminho entre a Carolina do Norte e a Flórida. As baleias-francas já estão mais fracas e estressadas por causa do aquecimento dos oceanos – elas vivem no Golfo de Maine, que se aqueceu consideravelmente mais do que outras massas d'água. A reprodução foi reduzida drasticamente. Ademais, o barulho sísmico pode mascarar o som dos navios, levando a batidas, outro perigo importante para as baleias. "Exigimos proteções mais fortes para as baleias-francas norte-americanas em áreas onde devem estar presentes, incluindo todo o habitat demarcado", defendeu Benjamin Laws, biólogo da NOAA, sobre a emissão das permissões.
Carregando sons pelo oceano
Anos de explosões constantes podem ser extremamente prejudiciais, argumentam outros, e não apenas para as baleias-francas. A maneira como o som reverbera no oceano causa um barulho implacável. "Qualquer estresse prolongado e crônico é ruim, porque tira os recursos que deveriam ser usados na reprodução. Ele pressiona a glândula adrenal para produzir adrenalina e hormônios do estresse, causando perda de peso e imunossupressão", esclareceu Nowacek.
Um estudo, que depois virou referência, mostrou que, quando o trânsito de barcos foi reduzido consideravelmente após os eventos de 11 de setembro de 2001, pesquisadores observaram uma queda relevante nos hormônios de estresse encontrados nas fezes das baleias-francas na Baía de Fundy, no Canadá, a primeira evidência de que o barulho de navios poderia causar estresse crônico em baleias.
Além disso, no ecossistema marinho, onde a visibilidade é tão limitada, o principal meio de comunicação é o acústico. Muitas espécies de baleias são seres sociais muito inteligentes que se comunicam por estalidos, gemidos, cantos e chamados em suas próprias linguagens. Algumas baleias e orcas (estas últimas sendo a maior espécie dentro da família dos golfinhos, embora sejam chamadas de baleias assassinas) caçam suas presas por meio da ecolocalização, um tipo de sonar natural. "O som pode viajar enormes distâncias muito rapidamente e as baleias evoluíram e aprenderam a tirar vantagem disso. Elas conseguem escutar tempestades a milhares de quilômetros de distância", ensinou Clark, que já conseguiu escutar baleias perto da Irlanda estando na costa da Virgínia.
Soma-se ao ruído sísmico o conjunto de barulhos oriundos dos navios porta-contêineres e dos sonares, representando um problema para a vida marinha. À medida que o número de navios em movimento ao redor do mundo aumentou de forma significativa nos últimos anos, a cavitação – o estouro sincronizado de bolhas produzidas pela hélice de um barco – e o ronco dos motores se mostram cada vez mais problemáticos. Uma pesquisa recente chegou à conclusão de que o barulho de barcos pode dobrar até 2030.
O barulho encobre a comunicação das baleias entre as famílias, podendo afetar orientação, alimentação, cuidado com os filhotes, identificação de presas e mesmo aumentar a agressão. Hoje, 80 por cento da comunicação de algumas espécies de baleias já está encoberta pelo barulho, segundo modelos estudados por uma equipe de biólogos. "Está destruindo o sistema de comunicação delas. E cada aspecto da vida das baleias depende do som, incluindo encontrar comida", expôs Clark.
São conhecidas aproximadamente 20 mil espécies de peixes capazes de escutar e 800 que produzem sons próprios para caçar, acasalar, navegar e se comunicar. Um peixe como o Porichthys notatus canta para as fêmeas para acasalar e defende os ninhos com sons de latidos.
Outros estudos mostram que baleias-bicudas são extremamente sensíveis ao barulho. Na tentativa desesperada de escapar dos tiros das bombas sísmicas ou do sonar de barcos, foram forçadas a mudar o padrão de mergulho para a superfície. Algumas morreram em decorrência de doença descompressiva.
Barulhos altos também podem afetar o comportamento e até mesmo os ecossistemas ao alterar o destino das espécies. Acredita-se que, em 2008, na Baía Baffin, no Canadá, testes sísmicos tenham retardado a migração para o sul das narvais – as baleias que apresentam uma longa presa helicoidal –, que acabaram presas no gelo oceânico por não conseguirem mais sair. Mais de mil morreram.
Os disparos podem ter um efeito adverso em uma parte do corpo dos invertebrados chamada estatocisto. Em polvos, lulas, lagostas e outros, o órgão é responsável pela orientação e pelo equilíbrio. Se danificado, desorienta as criaturas, fazendo com que fiquem mais vulneráveis a predadores. Mesmo assim, apesar de a pesquisa ter se intensificado na última década, muitas coisas são difíceis de identificar e às vezes impossíveis de estudar. "Não dá para estudar a audição da baleia", declarou Lindy Weilgart, pesquisadora da Universidade Dalhousie, na Nova Escócia, e autora de uma análise de 115 estudos lançada em 2018.
A exposição de mamíferos a esses barulhos foi comparada a viver permanentemente em uma área de construção. "Às vezes, após dez minutos escutando com fones de ouvido, temos uma dor de cabeça. Você precisa tirar os fones, abaixar o volume. As baleias não conseguem abaixar o volume", comparou Molly Patterson, pesquisadora que estudou sons subaquáticos para o documentário "Ruídos no Oceano: Vida Marinha Ameaçada", de 2016.
Uma maneira que muitas espécies encontraram de escapar da cacofonia foi fugindo para o Ártico. Entretanto, à medida que o gelo polar derrete e a exploração sísmica e o trânsito de barcos aumentam, lá não é mais o lugar seguro que costumava ser. O barulho no oceano também está causando repercussões econômicas: uma pesquisa na Noruega mostra que pescadores comerciais retornam ao píer com 40 a 80 por cento menos peixes quando há exploração debaixo d'água próxima a eles.
Há poucas e cada vez menos frequentes regras para regulamentar o barulho submarino; especialistas estão buscando soluções. Recentemente, as Nações Unidas organizaram um simpósio durante um fim de semana para discutir poluição sonora e vida marinha. Esforços voluntários para diminuir o volume estão fazendo efeito: o porto de Vancouver começou um programa, batizado de ECHO (Melhorando o Habitat e o Cuidado dos Cetáceos), em que marinheiros são chamados a diminuir a velocidade de navios e arrumar a cavitação das hélices para reduzir o barulho.
Ao mesmo tempo, se o gasoduto Trans Mountain for construído unindo as areias escuras de Alberta ao porto de Vancouver, como planejado, o trânsito de petroleiros no Mar de Salish deve crescer sete vezes. Biólogos marinhos dizem que isso poderia exacerbar as dificuldades que as orcas ameaçadas da região já enfrentam para achar presas.
Cientistas e ambientalistas estão clamando por mais pesquisas para que seja possível aprofundar o conhecimento sobre os efeitos do som e do trânsito de barcos sobre as criaturas marinhas. "Os efeitos sobre os mamíferos marinhos são sentidos em grande escala, e barulhos altos impactam espécies em toda a cadeia alimentar", concluiu Jasny, o diretor de proteção de mamíferos.
Por Jim Robbins