Reims, França – Em 1996, Jean-Baptiste Lécaillon, um jovem assistente da Louis Roederer Champagne, assumiu a gigantesca tarefa de fazer as previsões para os próximos trinta anos para a casa, já então consagrada.
Como o mundo mudaria para Champanhe? O que a Roederer deveria fazer para se adaptar a elas?
O projeto exigia uma compreensão profunda das ciências, da política e do vinho, como também uma boa análise do futuro e do passado. Embora poucos tenham percebido na época, Champanhe estava prestes a passar por uma revolução que mudaria a forma através da qual o mundo veria a região e seus vinhos e como encararia a si mesma.
Lécaillon não era, nem de longe, o candidato mais óbvio para assumir o estudo: na época, tinha apenas trinta anos e entrara na Roederer em 1989, depois de se formar em Agronomia e Enologia. Porém, já tinha visto vinícolas em outras partes do mundo, tendo trabalhado para a companhia em projetos na Califórnia e Tasmânia.
Acontece que ele estava sendo preparado para ser o futuro chef de cave, ou chefe da equipe de produção, e já tinha trabalhado lado a lado com Jean-Claude Rouzaud, na época presidente da Roederer, a cuja família pertencia o negócio desde que Louis Roederer lhe dera seu nome, em 1833.
De fato, Lécaillon produziu um documento que antecipou os efeitos amplos do aquecimento global, concluindo que era essencial para a casa enfatizar o local a que pertenciam os vinhos, ao mesmo tempo explorando uma identidade mais definida para cada cuvée.
Como se verificou depois, ele foi de uma visão impressionante, não só cantando a importância cada vez maior das mudanças climáticas, como também alertando para as grandes adaptações que a empresa teria que fazer para acompanhar as mudanças que estavam prestes a varrer a região.
Hoje, a Louis Roederer é, sem dúvida, a maior e melhor produtora em grande escala em Champanhe. Todos os seus vinhos – da novidade Brut Premier ao prestigiado Cristal – estão no auge da forma, cada um entre os melhores do seu tipo na região.
Para o consumidor conhecedor que, nos últimos quinze anos, deixou de prestar atenção nas grandes casas da área para se concentrar nos cultivadores-produtores – ou seja, pequenos proprietários que fazem o próprio vinho –, o detalhe talvez seja surpreendente. Afinal, os nomes mais conhecidos acabaram sendo meio que desprezados por muitos, oferecendo rótulos classificados como pesados e sem graça, mais interessados em comercializá-los do que em fazer um grande vinho.
O fato é que algumas grandes companhias vêm adiando uma atitude mais drástica há tempos, ou se mostrando excessivamente cautelosas, mas a Roederer decididamente não é uma delas. Liderada por Lécaillon, é uma líder progressista da região, como se tivesse previsto o futuro e se posicionado perfeitamente para esperá-lo.
Na verdade, a marca reduziu a distinção entre os conceitos de "casa grande" e "cultivador-produtor", pois hoje planta mais de 70 por cento de suas uvas, espalhados nos vinhedos da propriedade, a maioria de forma orgânica ou biodinâmica. E embora ainda compre uva para o blend da Brut Premier, todos os seus outros champanhes são totalmente feitos a partir do próprio cultivo.
Não há dúvida de que muita coisa mudou em Champanhe desde meados da década de 90, quando as grandes casas reinavam, absolutas. Muitos consumidores a encaram de forma bem diferente hoje, mais como um vinho e não como as borbulhas festivas totalmente dissociadas das videiras e da terra.
Naquela época, o grande foco era a adega. Eram poucos os que falavam dos vinhedos, e praticamente ninguém na região queria falar do terroir – e os grandes preferiam assim.
A viticultura de má qualidade e a mediocridade desenfreada dos champanhes populares poderia ser ignorada ressaltando-se a habilidade do master blender, que pode misturar um pouco disso e daquilo para criar um estilo próprio, repetido ano após ano, independentemente das condições da vindima ou dos vinhedos.
A imagem da bebida estava mais ligada a smokings e vestidos de noite do que às botas cobertas de lama do vigneron.
"Sempre tivemos conhecimento da questão do terroir, mas não tínhamos o hábito de discuti-la. Há trinta anos, a questão era o estilo da casa; hoje, nem se pensa mais nisso. Todo mundo quer falar do terroir", disse Lécaillon em julho, enquanto caminhávamos pelos vinhedos biodinamicamente cultivados em Avize, na Côte de Blancs, cujas uvas são usadas para o vintage blanc de blancs.
O terroir e o cultivo são as principais preocupações de Lécaillon, que assumiu a posição de chef de cave em 1999 sob a condição de que cuidaria dos vinhedos também – afinal, a reação ao aquecimento global e o reforço no destaque ao local de produção dos vinhos exigiam mudanças drásticas.
Ele queria que as videiras tivessem um sistema de enraizamento mais profundo, chegando à camada de pedra calcária e argila, porque acreditava que esse detalhe ajudaria a protegê-las contra o calor e a seca, ao mesmo tempo em que revelaria melhor o caráter do vinhedo. Para isso, eliminou o uso de herbicidas e fertilizantes, desenvolveu técnicas de treinamento de descida das raízes e deu início a experimentos na viticultura orgânica e biodinâmica.
Essa segunda, aliás, cultura que é variação da primeira, desenvolvida pelo filósofo austríaco Rudolf Steiner, começou a ganhar popularidade na década de 90 entre os vignerons, principalmente os da Borgonha, onde produtores renomados como Domaine Laflaive e outros o endossavam com fervor.
Lécaillon adaptou as técnicas para a Roederer e durante vários anos fez experimentos, cultivando as uvas em blocos, alguns no sistema biodinâmico, outros, orgânico. Todo ano, ele e a equipe faziam um teste às cegas dos resultados e os comparavam.
"Depois de quatro ou cinco anos, estávamos cem por cento aptos a identificar os vinhos resultantes de solos biodinâmicos: mais intensidade, mais claridade da fruta, uma textura aveludada e uma ligação entre a fruta e a acidez."
"É um meio de cultivo muito inteligente. Não entendo nada de Steiner, mas vejo os resultados", acrescenta.
Apesar disso, ele conta que houve anos em que sua equipe preferiu os orgânicos. Esse método produz uma bebida mais encorpada, enquanto a biodinâmica os deixa mais "coloridos".
Agora a Roederer tem mais de cem hectares que são ou biodinâmicos, ou orgânicos, dependendo da safra. Cada "bloco" do vinhedo, 410 no total, é vinificado separadamente e pode depois ser combinado a outros da forma que se desejar.
"Eu diria que a biodinâmica é mais adequada para os anos mais quentes e o plantio orgânico, para os mais frios. Precisamos dos dois sistemas porque nunca se sabe."
A experimentação incansável e extremamente cuidadosa se estende a todos os aspectos do cultivo e da viticultura. Ele inclusive adaptou métodos novos e mais delicados de poda das videiras como meio de evitar a esca, uma doença devastadora que ataca através dos lenhos, além de buscar meios de estender a vida dos pés, pois acredita que eles só começam a expressar as qualidades do terroir por volta dos vinte anos de idade.
Ao mesmo tempo, não se abala com os problemas menores, como o vírus da ferrugem, que pode afetar o vigor das vinhas. "Algumas doenças simplesmente têm que ser aceitas", resigna-se.
"Um mundo perfeito é o conceito que se tinha nos anos 70. Não existe e é um tédio só. Quando você não vê a doença, não conhece o inimigo e, consequentemente, não aprende. O meu objetivo é chegar à imperfeição perfeita."
Até os detalhes de produção da compostagem para as videiras da Roederer o fascinam, e pretende lançar uma disquisição sobre as diferenças entre o esterco de cavalo e de vaca. (O do cavalo fermenta a temperaturas mais altas.) "Preparar a compostagem é uma arte, não há receita padrão", afirma.
Além das responsabilidades de que é encarregado na casa Roederer Champagne, Lécaillon também supervisiona outras operações do Grupo Louis Roederer, incluindo a Roederer Estate na Califórnia, o Château Pichon Longueville Comtesse de Lalande em Pauillac, Ramos Pinto em Portugal e Domaines Ott na Provença, entre outras.
As propriedades, com seus diferentes solos e climas, são para ele, "um tipo de think tank poderoso o para o futuro da viticultura".
"Sabemos como fazer um excelente espumante na Califórnia; não tenho medo da mudança climática", conclui.
Por Eric Asimov