Dois animais tiveram mortes confirmadas por um novo tipo de tuberculose no Pampas Safari, em Gravataí. Laudos da Faculdade de Veterinária da UFRGS apontam que um camelo e uma capivara adultos tinham, no pulmão, Mycobacterium tuberculosis – o agente causador da maioria dos casos de tuberculose em pessoas. Os animais foram encontrados mortos nos primeiros meses deste ano no parque, que está fechado desde 2016.
A bactéria encontrada é diferente da Mycobacterium bovis, responsável pela transmissão da tuberculose entre mamíferos, principalmente bovinos, que afetou cervos e outros animais no Pampas nos últimos anos. Foi por causa da suspeita de tuberculose bovina que 20 animais foram sacrificados em agosto de 2017, o que gerou reações de ambientalistas, protestos e discussões em relação ao abate.
– A contaminação por tuberculose bovina seria o normal nesse caso. A presença de tuberculose humana é muito estranha. Ainda mais porque foi detectada nos pulmões, o que indica transmissão por via respiratória, que pode ter ocorrido pelo contato com algum tratador com a doença. É muito grave a situação chegar nesse ponto – indica Maria Angélica Zollin, presidente do Sindicato dos Médicos Veterinários do RS (Simvet/RS).
Veterinários e representantes de órgãos ambientais temem que a tuberculose ainda esteja se espalhando no parque – que continua sendo habitado por centenas de animais (o número exato não é informado pelos advogados do Pampas). O Ibama, em recente nota técnica, apontou que "o fato da doença ter sido detectada em uma capivara, de forma ocasional, encontrada morta na propriedade, é extremamente preocupante do ponto de vista ambiental. Capivaras são animais terrestres que se deslocam pelos rios, podendo entrar e sair livremente dos limites do empreendimento".
"Há um risco seríssimo dessa doença transpor os limites do empreendimento e contaminar a fauna silvestre nativa de forma generalizada. Isso acarretaria em sérios prejuízos ambientais, além de econômicos e de saúde pública, considerando o fato que, uma vez dispersa na fauna in situ (no local), o risco da doença contaminar rebanhos bovinos de corte e populações humanas deve ser considerado", continua a nota.
À reportagem, o Ministério da Saúde explicou que a morte dos animais pelo agente causador de tuberculose em humanos é pouco preocupante:
"O Ministério da Saúde esclarece que o fato ocorrido não representa riscos para a população. A probabilidade de transmissão de tuberculose por camelos (para seres humanos) é pequena. A transmissão de roedores, no caso da capivara, para humanos é praticamente inexistente", informou a pasta.
A médica veterinária Maria Angélica, que durante mais de 15 anos trabalhou no Instituto de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor, ligado ao governo do Estado, aponta que a transmissão pode tanto se dar de animais para humanos quanto de humanos para animais. A presença, nos pulmões, da mesma bactéria que causa a tuberculose em pessoas indica um contato próximo com os bichos, o que é pouco habitual em se tratando de espécies selvagens, especialmente a capivara.
– Em nível de saúde pública, tem que se ter muito cuidado. Não estamos mais tratando com cepas (grupos de microrganismos) de animais confinados, mas com cepas provenientes de humanos, que podem ser facilmente propagadas. As pessoas circulam nas casas, convivem com os amigos, com os parentes. Podem espalhar a tuberculose muito rapidamente – complementa a médica veterinária.
A preocupação, assim, é com o risco de não apenas pessoas com tuberculose que frequentam o parque possivelmente estarem contaminando animais – e talvez sendo contaminadas por eles –, mas também de estarem transmitindo a doença para outros humanos em seu contato diário.
Laudos de 2012 e de 2014 da UFRGS, também feitos em necropsia, já haviam identificado ou sugerido a presença de tuberculose bovina em cervos e lhamas do Pampas Safari. Em fiscalização feita por servidores do Ibama e da Secretaria Estadual da Agricultura (Seapi) em março de 2013, foram encontrados um corpo de cervo em decomposição, vísceras e ossadas despejadas em vala a céu aberto, o que contribui para a proliferação de enfermidades como a tuberculose bovina, que está no centro da polêmica no parque.
– No ambulatório, nunca tive um caso de tuberculose de animal doméstico, mas há potencial de contaminação. Tanto que, nos Estados Unidos, havia um programa para abordagem de tratadores de animais – diz a médica membro da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) Roberta Sales, que coordena o Ambulatório de Tuberculose da disciplina de Pneumologia da Universidade de São Paulo (USP).
Em humanos, os sintomas da tuberculose são: tosse persistente (por mais de três semanas), sudorese noturna, febre vespertina e perda do apetite. Para tratar a doença, é necessário utilizar antibióticos ao longo de seis meses. Todos os medicamentos estão disponíveis na rede pública de saúde.
Riscos da tuberculose
Transmitida através do contato pessoal, a micobactéria responsável pela tuberculose humana – classificada como Mycobacterium tuberculosis – é conhecida da ciência há anos e mata, por ano, 500 mil pessoas no mundo. Via de regra, a tuberculose não é tratada como uma zoonose, contudo, ela pode afetar animais que, por sua vez, podem contaminar humanos.
Embora possa afetar qualquer órgão – a cantora Simaria teve nos gânglios, por exemplo –, o mais comum é atingir os pulmões. Nesses casos, a transmissão ocorre através do contato com partículas de saliva de uma pessoa doente.
– O doente tosse e a pessoa sadia aspira essas micobactérias, que vão parar nos pulmões. Aí as defesas do corpo entram em ação: há pessoas que têm esse bacilo expulso pelo próprio organismo. Outras vão adoecer e outra parte dos indivíduos vão ficar com ele latente. Aí, ele fica escondido até baixar a imunidade – explica a médica Roberta Sales, membro da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT).
*Colaborou Camila Kosachenco