Aquele velho ditado que diz que "a grama do vizinho é mais verde" cai bem para os gaúchos em relação ao mar. Por mais bairrista que sejamos, quando chega o verão, milhares pegam a BR-101 e invadem as praias catarinenses. Muito dessa migração sazonal se deve à beleza e aos atrativos que não encontramos por aqui, mesmo com um litoral com mais de 600 quilômetros de extensão, que vai de Torres ao Chuí.
Quem fica no Rio Grande do Sul, costuma reclamar da (baixa) temperatura da água, da sua cor (que rendeu o apelido de "chocolatão") e do remelexo, devido à frequência e à força das ondas.
Para explicar por que o nosso mar é dessa forma, ouvimos Ignácio Moreno, professor de Zoologia da UFRGS e diretor-substituto do Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos (Ceclimar). Antes de explicar as características, o zoólogo destaca:
- Muitos falam que o nosso litoral é "sem graça", porque não se dão conta de que temos um cenário único no mundo, que tem uma variedade enorme de vegetação e fauna. Basta pegar um barco e andar de ponta a ponta que vai ver tudo isso.
As características do mar gaúcho e as explicações, ponto a ponto:
Água gelada: a temperatura do mar do RS é influenciada principalmente por duas correntes marinhas: a Corrente das Malvinas, oriunda das regiões polares, portanto com águas frias, e a Corrente do Brasil, que vem da região equatorial e é bem mais quente. Elas se encontram justamente na costa gaúcha, catarinense e uruguaia. No inverno, com as frentes frias e polares, a que vem do Sul ganha força e acaba vencendo a "briga das correntes". Assim, a água costuma ficar entre 14°C e 16°C. No verão acontece o inverso, e a temperatura sobe e até ultrapassa os 25°C. Ainda assim, a corrente fria continua influenciando e mais do no mar catarinense, por exemplo, pois quanto mais ao Norte, menos força tem a corrente das Malvinas.
Para afastar ainda mais os friorentos, o litoral gaúcho é retilíneo, ou seja, é uma linha de 622 quilômetros em que não há baías, morros ou penínsulas. Com isso, como não há "empecilhos", os ventos têm influência muito forte e podem mudar o mar de uma hora para a outra - inclusive, esfriando-o.
Chocolatão: os principais motivos que escurecem o mar gaúcho e que lhe renderam o incômodo apelido de "chocolatão" são: o deságue dos rios Mampituba e Tramandaí no mar e o aporte subterrâneo das lagoas costeiras, levando matéria orgânica e aumentando a proliferação de algas, que dão aspecto marrom e feio para a água salgada.
Turbulência e muitas ondas em sequência: as ondas se formam por causa do vento e vão "quebrando" à medida que a profundidade reduz. Como no litoral gaúcho há muito vento e nenhuma "barreira" (como baías, morros ou penínsulas), o vai-e-vem da água fica mais intenso, e o mar fica turvo.
O vento no Litoral Norte
Muito repuxo: para o professor da UFRGS, a nossa fatia do mar não tem mais repuxo do que as demais. "O mar tem um ciclo, a água que vem, tem que voltar", explica Moreno. É essa "volta" que chamamos de repuxo. Ela fica mais forte nas chamadas "correntes de retorno" ou "canais", muito conhecidos por surfistas, pois é nesses pontos da praia que eles adentram o mar, já que a onda que quebrou está voltando para o fundo e fica mais rápido de chegar lá. Banhistas e leigos, que devem evitar estes pontos, podem identificar os canais observando os locais onde há pouca espuma e uma aparente calmaria das ondas.
Muitos buracos e bancos de areia: mais uma vez, é uma característica da dinâmica da região, com poucas baías, rochas, e fortes ventos. Como eles vêm de norte, sul, noroeste, sudeste, etc., acabam remexendo muito o mar e, consequentemente, alteram o fundo arenoso também.
Sem paisagens paradisíacas, como matas e coqueiros: o motivo deve-se à maneira como a nossa costa foi formada, mas também tem influência humana. Devido às transgressões e regressões marinhas, ou seja, o aumento e a diminuição do nível do mar, foram criadas características únicas na região. Há 5 mil anos, o nível do mar era 5 metros mais alto do que é hoje e atingia toda a encosta da Serra (a região que vai de Osório a Tramandaí, por exemplo, estava embaixo d´água). Aqui predominou uma formação chamada de restinga e as vegetações que se adaptam a ela são espécies mais rasteiras, pois resistem à salinidade e ao vento da região. Fora isso, houve a devastação das florestas nativas para exploração da madeira e retirada das dunas para calçadões e prédios. Essas dunas servem (ou serviam) de proteção para todo o ecossistema. Como essa proteção natural foi retirada, além de prejudicar animais e plantas, abriu-se espaço para o vento levar sujeira e maresia, causando danos aos imóveis.
"Se tivessem deixado as dunas frontais e a vegetação associada, toda a manutenção dos imóveis à beira da praia, bem como o manejo de toda a areia que invade calçadões sairia muito mais barato para moradores, veranistas e prefeituras", alerta o professor. Uma saída, aponta Moreno, seria a construção de passarelas sobre as dunas, para preservar espécies ameaçadas de extinção que convivem lado a lado com turistas e moradores, como o tuco-tuco e a lagartixa-das-dunas.
Muitos animais, como mãe d´água, baleia, golfinhos e pinguins: esse pode não ser um aspecto negativo, dependendo de como se enxerga. Segundo o zoólogo da UFRGS e pesquisador do Ceclimar, a costa gaúcha tem uma das maiores diversidades de animais marinhos do país e é a campeã em espécies de baleias, botos e golfinhos. Isso acontece justamente devido à influência das correntes tropical (do Norte) e polar (do Sul). Com isso, criam-se condições ideais para diversos animais, inclusive alguns sazonais, como a mãe d'água e o golfinho pintado do Atlântico (que utilizam a região somente no verão) e os pinguins, o lobo marinho e a baleia-franca-do-sul (só no inverno e primavera).