Depois de 11 anos, o motorista acusado de matar a estudante Bruna Lopes Capaverde, então com 15 anos, foi condenado a 12 anos e oito meses de prisão pelo Tribunal do Júri na última terça-feira (12). Diego Alberto Joaquim da Silva, 40, respondeu por homicídio com dolo eventual, ou seja, com o entendimento que ele assumiu o risco de matar por estar embriagado. Apesar da pena em regime fechado, Silva poderá recorrer em liberdade.
— Quem utiliza o veículo como uma arma será julgado pelo júri — disse o promotor de Justiça Luiz Eduardo de Oliveira Azevedo, que atuou no plenário, ao defender a condenação pelo crime por dolo eventual.
Da data do acidente, em novembro de 2013 para cá, milhares de pessoas morreram em acidentes de trânsito provocados por motoristas embriagados. Somente no ano passado, conforme o Detran, foram 1576 mortos no trânsito em todo o Rio Grande do Sul. Nas situações em que houve teste de embriaguez, 39% dos motoristas ou motociclistas foram identificados como bêbados. Existem ainda as situações com fuga de local, quando não é possível atestar no momento a embriaguez.
No entanto, responder por dolo eventual — como no caso de Diego Joaquim — não é regra mesmo em acidentes que envolvem embriaguez ao volante. No processo, o advogado Adriano Kot tentou convencer os jurados que o caso seria um acidente.
— Diego em momento algum sequer previu a possibilidade de ocasionar o acidente fatídico de 2013. Condenação por homicídio culposo, de acordo com o Código de Trânsito Brasileiro, seria o mais razoável e proporcional. Diego vive há mais de 10 anos sofrendo as consequências do acidente, e tal circunstância foi completamente ignorada pelo Conselho de Sentença — sustentou.
O pai de Bruna Lopes Capaverde, que desde a morte da filha se tornou um ativista no assunto, se disse satisfeito com o resultado do julgamento.
— No júri popular tu estás lidando com pessoas, não com a interpretação fria da lei. Pessoas que têm filhos, que têm relação com pessoas que se machucaram por causa de irresponsáveis no trânsito. Foi o grande diferencial desse julgamento essas pessoas que decidiram que o motorista que matou minha filha passou acima da velocidade, passou o sinal vermelho, omitiu o socorro com evidências de estar alcoolizado. — disse Francisco Capaverde.
Entendimentos diferentes
Ocorre que casos semelhantes foram considerados homicídio culposo de trânsito — quando não há intenção de matar — e com penas mais brandas. Desde 2018, uma alteração na legislação de trânsito ampliou a possibilidade de interpretações divergentes sobre o dolo de motoristas embriagados. O próprio Supremo Tribunal Federal (STF) definiu parâmetros que devem ser observados para configurar dolo eventual.
— O simples fato de estar embriagado não indica dolo eventual — explicou o procurador de Justiça e professor da Fundação Escola Superior do Ministério Público, Gilberto Thums.
— Os parâmetros que identificam o dolo eventual com o álcool são o desrespeito sistemático aos sinais de trânsito, como furar um semáforo, andar em zigue-zague, ultrapassagens perigosas, trafegar na contramão, fazer manobras para apavorar outros motoristas, ignorar pedestres e por aí se vai — completou.
Em abril de 2019, um motociclista embriagado e na contramão atropelou e provocou a morte de Joneci Silva de Bittencourt que caminhava próxima ao canteiro central da Avenida dos Metalúrgicos, em Caxias do Sul. Conforme a denúncia, o piloto estava "na contramão da via, quando, de forma imprudente e negligente, sendo omisso nos deveres de cautela e cuidado exigíveis nas circunstâncias, com seu reflexo automotor lento e coordenação motora perturbada pela ingestão de álcool não visualizou a vítima". Outras duas pessoas também ficaram feridas.
Mesmo assim, a sentença do caso foi por homicídio culposo dentro do Código de Trânsito Brasileiro, com a qualificadora de embriaguez. A pena foi de sete anos e seis meses de reclusão no semiaberto e a proibição de dirigir por um ano e três meses. A pena de prisão acabou sendo substituída por duas medidas restritivas de direito: o pagamento de 15 salários-mínimos para as famílias das vítimas e a prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas.
O procurador Gilberto Thums entende que um processo mais célere passaria pela aplicação do Código de Trânsito, com denúncia aplicada pelo homicídio culposo.
— O dolo leva para um processo longo, demora 10 anos para ir a júri popular, cabe recurso etc. Às vezes leva 15, 20 anos para ser julgado. Enquanto se fosse num juiz singular, em seis meses está condenado, leva cinco, seis anos de cadeia, que equivale um homicídio doloso. Se eu fosse promotor hoje, o cara matou e está embriagado vai para o 303 (Código de Trânsito) — finalizou o professor.
Segundo a presidente da Associação Brasileiras dos Advogados de Trânsito, Rochane Ponzi, o tema não está pacificado nos tribunais, o que aumenta a sensação de impunidade no trânsito.
— Essa discussão teórica sobre dolo eventual e culpa consciente na questão de trânsito só dá mais ainda sensação de impunidade, porque essas discussões jurídicas nos processos criminais muitas vezes levam a prescrição ou impossibilidade daquela pessoa ser tirada do trânsito — disse Ponzi, que completou:
— Só vamos ter um norte melhor quando o Código de Trânsito for alterado e que o crime de matar alguém no trânsito seja considerado um crime doloso quando houver ingestão de bebida alcoólica ou substâncias psicoativas.
Desde junho deste ano, tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei que busca consolidar o entendimento nestes casos. O PL 2629/2024 prevê a inclusão do crime doloso no trânsito. Atualmente, a proposta está na Comissão de Constituição e Justiça.