Os motoristas do Rio Grande do Sul estão sendo menos multados no Estado no primeiro semestre dos últimos dois anos. Segundo levantamento preliminar do Departamento Estadual de Trânsito (Detran-RS), os primeiros seis meses de 2017 registraram 1,57 milhão de multas, muito menos do que os 2,1 milhões compilados em 2015. A redução é de mais de 500 mil infrações, ou aproximadamente 25,3%.
Os dados são preliminares porque os órgãos responsáveis por registrar as multas têm até dois anos para atualizar a base do sistema. No entanto, as informações já disponíveis mostram uma tendência: os gaúchos estão sendo menos multados.
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Apesar da redução de multas, o gaúcho ainda sofre do mesmo problema: desrespeitar o limite de velocidade. Do 1,57 milhão de infrações registradas no primeiro semestre de 2017, a mais cometida é o excesso de velocidade (783.347), cerca de 49% do total. Em seguida, está a multa aplicada por conduzir o veículo sem carteira, com carteira vencida ou com carteira diferente do veículo conduzido (117.454, cerca de 7,4%), e, em terceiro, estacionar em lugar proibido (103.627, por volta de 6,5%).
A maior parte das infrações nos primeiros meses de 2016 (631.381, cerca de 40%) foi aplicada por agentes de fiscalização usando um aplicativo criado pelo Detran, em parceria com o órgão de TI do governo estadual, a Procergs. Em segundo lugar, foram equipamentos eletrônicos (502.245, cerca de 31,8%), como pardais e radares móveis. Por último, agentes de fiscalização trabalhando diretamente na via (445.233, cerca de 28,2%).
Especialistas creditam a redução nas infrações a uma junção de fatores: crise econômica, aumento no valor da multas, mais fiscalização e conhecimento do local dos pardais por parte do condutor.
Para Rafael Roco de Araújo, professor da engenharia da PUCRS e especialista em transportes, o gaúcho está menos "barbeiro" para não ser afetado no bolso – e a crise econômica é uma das responsáveis.
– Sempre relacionamos o número de ocorrências com o volume de trânsito. Na crise, o tráfego diminui. Se há menos carros, ocorrem menos multas – diz.
Ainda para poupar dinheiro, o gaúcho infringe menos para não arcar com as multas, que estão mais caras desde 2016, diz João Fortini Albano, professor da engenharia da UFRGS e especialista em transportes.
– A reação à multa alta é absolutamente imediata. As pessoas estão se controlando mais e evitando as infrações – diz o professor.
Fora da seara econômica, Albano também aponta que os motoristas, com o passar do tempo, aprendem onde estão localizados os pardais fixos e lombadas eletrônicos. A partir daí, passam a evitar a alta velocidade na hora de passar pela medição eletrônica. Além disso, ele ressalta a importância de operações como a Balada Segura, que ocorrem sem lugar fixo.
– À medida que as pessoas conhecem o local de pardais e lombadas eletrônicas, elas evitam o excesso de velocidade naquela extensão. Soma-se a isso o fato de que operações de fiscalização que ocorrem de forma aleatória dificultam que as pessoas cometem infrações – acrescenta Albano.
Número de suspensões e cassações de CNH sobe ano a ano
O levantamento preliminar do Detran também mostra que o número de processos para suspensão e cassação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) vem crescendo nos últimos 5 anos. Se no primeiro semestre de 2013 foram 23.681, em 2017 foram 39.652 – um aumento de 59%.
Para Albano, da UFRGS, o crescimento é resultado da melhora na fiscalização.
– Há uma correlação direta entre aumento de processos instaurados e o aumento da fiscalização. Agora, se o condutor é flagrado em velocidade 50% acima do limite, terá suspensão imediata. Antes, não era assim – diz.
Cortes no orçamento devem prejudicar fiscalização
Apesar dos bons números, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) prevê aumento no número de infrações para o próximo semestre, por causa da contenção de gastos promovida pelo Planalto e seu consequente impacto na fiscalização. Em julho, a instituição anunciou a suspensão do policiamento nas estradas por falta de verbas, devido à contenção de despesas feita pelo Planalto, na expectativa do ajuste fiscal.
Segundo Rodrigo Rodrigues, chefe de comunicação da PRF, houve corte de 29,5% no orçamento da instituição neste ano, sendo que, até junho, já haviam sido gastos 47% dos recursos. Na prática, será preciso se virar por mais seis meses com apenas 23,5% do valor do ano, em vez de metade da verba.
– Em razão do contingenciamento proposto pelo governo federal, interrompemos também as operações com helicóptero, as escoltas de carga supervisionada e as rondas ostensivas. Isso deve refletir (na queda do) número de multas para os próximos meses – aponta.
O diretor-geral do Detran, Ildo Mário Szinvelski, admite que recursos mais escassos podem prejudicar o trabalho das instituições fiscalizadoras.
– Toda restrição em pessoal, equipamentos, viaturas, recursos tecnológicos como radares, bafômetros, diárias e recursos para deslocamento trazem reflexos de não podermos estar em todos os lugares. Houve a restrição de pessoal da PRF (responsável por estradas federais) e do Comando Rodoviário da Brigada Militar (responsável por estradas estaduais). Mas, sem dúvida nenhuma, será feito todo o esforço para manter a fiscalização e coibir a criminalidade – acrescenta o diretor-geral do Detran.
O corte nas verbas é apontado como perigoso pelos três especialistas consultados por Zero Hora, por aumentar as chances de instaurar a sensação de impunidade e contribuir para um aumento de infrações e acidentes.
– Há a possibilidade de os números crescerem, se não houver fiscalização. Vai piorar tudo – diz o professor de transportes e trânsito do curso de engenharia civil da Unisinos, João Hermes Junqueira.
PRF é o único órgão que registrou mais multas
O levantamento preliminar do Detran também mostrou que a PRF é o único órgão responsável por fiscalizar e processar multas que registrou aumento de infrações – ainda foram contabilizados no levantamento o próprio Detran, o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem do RS (Daer) e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) (confira abaixo a competência de cada instituição).
Questionado sobre a queda no registro de infrações, o diretor-geral do Detran, Ildo Mário Szinvelski, ressalta que os números relativos ao primeiro semestre de 2017 podem aumentar e defende que há duas grandes razões para a queda no registro de infrações: o aumento da fiscalização, muito por conta do grande número de feriados no primeiro semestre, e a maior conscientização do motorista após as ações de educação.
– A consequência, assim como ocorreu com a Balada Segura, é que aumentamos a blitz e a fiscalização, o que deixou os motoristas mais comedidos. Todo acidente é precedido de uma infração de trânsito. Ao coibir os locais de infração, coibimos os locais de acidentalidade – explica.
O argumento da conscientização, no entanto, é contestado por Rafael de Araújo, da PUCRS, que alerta sobre os perigos no corte do orçamento.
– O gaúcho não está mais consciente, porque tem o perfil de ser agressivo no trânsito e querer ocupar o seu espaço. Temos cultura de pouca responsabilização, o gaúcho só é responsável se for coagido. Com pouca fiscalização, a pessoa vai se sentir livre para burlar a lei – afirma.
Já a EPTC emitiu nota na qual afirma que a variação ocorreu por conta do aumento de fiscalização, sobretudo as blitze com radar móvel e o uso do aplicativo Capester, por meio do qual qualquer pessoa pode registrar infrações em vídeo e enviar à EPTC, que envia carta de aviso ao infrator, sem consumar a multa. Em especial, o órgão ressalta a redução das multas por uso de celular (em 2015 foram 47.700 no primeiro semestre, em 2017 foram 36.119, redução de 24,3%) e por excesso de velocidade (1,15 milhão no primeiro semestre de 2015 ante 783 mil em 2015, variação de 32%).
"As ações de fiscalização prosseguem diariamente na Capital com ênfase nas questões de segurança, muitas em atividades conjuntas com a Brigada Militar, Detran e Polícia Civil, apoio também da Guarda Municipal. Foram 377 blitze somente neste primeiro semestre contra 569 em todo o ano passado. É importante ressaltar, também, que 42 carros roubados já foram recuperados, muitos nestas ações integradas com os órgãos de segurança. Somente na Operação Balada Segura foram realizadas 144 blitze, com 4.687 multas, sendo 1.298 em razão de álcool ao volante. Reduziram, neste primeiro semestre, as multas por excesso de velocidade e por uso do celular", diz o texto.
O Dnit respondeu, em nota, que tem dificuldade em analisar os dados levantados pelo Detran e que informações coletadas pelo órgão federal mostram a tendência de redução nos registros de excesso de velocidade. "Considerando algum crescimento da frota nesse período, (a variação) indica o efeito educativo do PNCV – Sistema Nacional de Controle Eletrônico de Velocidade", diz o órgão.
O Daer ressaltou que apenas 0,9% dos motoristas que transitam nas estradas do Rio Grande do Sul são autuados e que, portanto, "cumpre-se a meta quando se consegue coibir o excesso de velocidade e diminuir o número de acidentes. Aliás, em levantamento recente feito pelos técnicos da instituição, observou-se uma queda de incidentes nas rodovias estaduais, o que pode ser atribuído ao comprometimento do Daer em melhorar a segurança viária e ao sucesso do monitoramento realizado. Em breve, serão disponibilizados mais equipamentos por meio da contratação de empresas a ser realizada via licitação".
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Entenda a competência de cada órgão por tipo de rodovia
- Rodovias federais
PRF
Fiscaliza irregularidades em rodovias federais por meio de operações com agentes.
DNIT
Processa infrações em rodovias federais e autua infrações por meio de equipamento eletrônico fixo.
- Rodovias estaduais
DAER
Processa infrações em rodovias estaduais por meio da fiscalização do Comando Rodoviário da Brigada Militar, antiga Polícia Rodoviária Estadual. Também autua por meio de equipamento eletrônico fixo.
DETRAN
Processa infrações relativas a irregularidades na CNH ou no veículo (como IPVA vencido). Também fiscaliza por meio de agentes, que atuam em colaboração com outras equipes em ações como a Balada Segura e fiscalizações no Litoral e na Região Metropolitana.
- Municípios
Órgãos municipais de trânsito (como EPTC) e Brigada Militar
Fiscaliza infrações comportamentais que envolvam circulação e parada, como estacionar em lugar proibida, ultrapassar sinal vermelho e conduzir com excesso de velocidade em municípios. Se a cidade não tem um órgão de trânsito – como a EPTC em Porto Alegre –, a Brigada Militar atua por meio de convênio. Caso a irregularidade seja relativa a irregularidades na CNH ou no veículo, apesar de o fiscal do órgão municipal de trânsito seja o responsável pela autuação, é o Detran que processa a multa.