Dentre as mais de cem rodovias que cortam o mapa do Rio Grande do Sul, a BR-116 é a estrada mais extensa e também a que mais fez vítimas de acidentes de trânsito no ano passado. Foram 82 vidas perdidas ao longo dos 655 quilômetros que riscam o Estado de Norte a Sul, segundo levantamento do Departamento Estadual de Trânsito (Detran-RS).
O perigo de dirigir nessa rodovia aparece entre os argumentos da mobilização de entidades e prefeitos que reivindicam a conclusão da duplicação da BR-116 na Zona Sul. A preocupação se mostra real: o trecho em obras, de Guaíba a Pelotas, que representa um terço de toda sua extensão, concentrou 38 vítimas, quase a metade das mortes.
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Para o chefe da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em Pelotas, José Dourado, o levantamento não surpreende. O motivo do alto índice, na sua avaliação, está na dificuldade de ultrapassagem na estrada conhecida pelo intenso movimento de caminhões.
– Na rodovia de pista simples, há risco maior de colisões frontais porque existem poucos pontos de ultrapassagem. Na BR-116, outro agravante é a grande quantidade de veículos pesados que trafegam em direção ao porto de Rio Grande. Veículos menores têm dificuldade de passar os comboios, que tramitam em menor velocidade, e nem sempre conseguem ultrapassar com segurança – afirma.
Relatório da PRF mostra que, em 2016, metade das vítimas do trânsito na BR-116, entre Guaíba e Pelotas, morreram em colisões frontais. Trata-se do tipo de acidente que mais causa mortes, segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada: 40,4 vítimas a cada cem ocorrências.
– As colisões frontais são muito perigosas porque, normalmente, decorrem de ultrapassagens. Temos, na BR-116, uma situação que combina imprudência de motoristas com condições muito desfavoráveis da rodovia. É um absurdo a estrada ser pista simples com o volume de tráfego e sendo um relevante corredor de exportação, que atende o segundo maior porto do país – avalia Luiz Afonso Senna, professor da Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Senna observa que rodovias de pistas simples se fazem suficientes somente quando há pouco tráfego. Não existe regra geral, mas, em média, estradas com circulação superior a 5 mil veículos por dia deveriam ser duplicadas. Na BR-116, trafegam 6,8 mil – um terço dessa frota é composta por veículos pesados.
– Por que não liberam trechos que estão quase prontos? Talvez se poupassem algumas vidas – questiona o caminhoneiro Jader Anhold.
É o que reivindica o movimento Juntos pela 116, que pressiona o governo federal a elevar a verba para a obra ainda neste ano. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) estima que o repasse de R$ 140 milhões a mais seria suficiente para liberar cerca de 89 quilômetros de rodovia duplicada, do total de 234,9 quilômetros.
Caminhoneiro sobrevive a acidente. O colega, não
Somando quatro décadas de estrada, Paulo Ricardo Carvalho, 57 anos, nunca havia se envolvido em um acidente grave, o que era motivo de orgulho para o caminhoneiro rio-grandino. A marca quebrou-
se em outubro do ano passado, quando o motorista protagonizou um dos 33 acidentes que acabaram em morte no trecho não duplicado da BR-116, entre Guaíba e Pelotas.
Carvalho havia saído de Triunfo, na Região Carbonífera, e tinha como destino o porto de Rio Grande, onde descarregaria uma carga de polietileno. Em uma curva, no município de Turuçu, avistou um caminhão que forçava uma ultrapassagem e invadia a sua pista. Deste, conseguiu desviar. Do que vinha logo atrás, não.
Uma carreta acabou batendo de frente em seu caminhão, e o motorista morreu no local. Era Marcelo Figueiredo Machado, colega de profissão a quem Carvalho conhecia de longa data de Rio Grande:
– Não tenho vergonha de falar. Quando soube no hospital que ele havia morrido, chorei. Podia ser eu ou qualquer outro, e isso mexe com a gente. Me dava bem com o cara, era cheio de vida e saúde.
Carvalho sobreviveu ao acidente, mas não ileso. Na colisão, bateu a cabeça na direção e desmaiou. Quando acordou, percebeu que tivera a orelha direita amputada. Trinta e quatro pontos a costuraram de volta, mas o reparo não afastou o trauma. Semanas depois, um neurologista o diagnosticou com isquemia e, do médico, ouviu que, por pouco, não entrou em coma.
A 200 metros do local do acidente, cinco pessoas morreram em uma colisão entre seis caminhões e um carro, em fevereiro deste ano. Ao lado, cerca de oito quilômetros de duplicação da rodovia encontram-se já pavimentados, mas ainda interrompidos para o trânsito.
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