Após serem danificados na enchente que atingiu o Rio Grande do Sul em maio, cerca de 200 documentos, livros e partituras do interior gaúcho serão restaurados em Santa Catarina. O material histórico saiu congelado de Camaquã, no Sul, e Igrejinha, no Vale do Paranhana, e chegou nesta semana a Florianópolis. A expectativa é de que o processo de restauração leve, pelo menos, dois anos.
O congelamento dos documentos é o que possibilita que o processo de recuperação seja iniciado cinco meses após a enchente. A técnica serve para estabilizar a condição em que o material se encontra, evitando o avanço e a proliferação de fungos. Consequentemente, evita maiores danos e manchas.
— Com mais de 24 horas com o documento molhado, ele começa a apodrecer. Surgem fungos, microrganismos. Para quem conseguiu congelar, essa foi uma sobrevida para que pudessem, a partir do momento que estivesse mais tranquilo, fazer o tratamento de recuperação. Se congelar após o prazo, ele vai ficar estabilizado, mas o fungo já se proliferou, então terão manchas — explica o professor e pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Cezar Karpinski, que coordena o projeto no Laboratório de Conservação e Restauração de Documentos (Labcon).
Foram enviadas aproximadamente 150 partituras e documentos relacionados ao educador Gustavo Adolfo Koetz - professor de música de Igrejinha na década de 1950 que dá nome à biblioteca e ao museu da cidade - e outros 50 livros raros da biblioteca pública de Camaquã. O transporte até Florianópolis foi viabilizado por uma empresa de Igrejinha, que cedeu o veículo frigorífico e motorista, garantindo que o material não descongelasse durante a viagem. Os custos com combustível e pedágios foram divididos entre os municípios.
— São acervos que têm somente uma via e não possuem uma segunda edição — detalha Vinícius de Mello, secretário de Cultura e Turismo de Igrejinha.
Material ficou submerso na enchente
A busca por uma forma de recuperar os itens iniciou no dia 2 de maio, quando ocorreu a maior enchente da história de Igrejinha. A água chegou à marca de 1,70m nas paredes da biblioteca do município, que ficou submersa por aproximadamente 12h. Dentre as 20 mil obras literárias que existiam no acervo local, 14 mil foram destruídas pela inundação.
Com o intermédio do Sistema Estadual de Museus (SEM/RS), equipes com voluntários de Igrejinha e Camaquã foram orientadas a congelar os acervos. O ideal é que o processo seja feito com sacos plásticos específicos em que o material seja armazenado à vácuo, mas pela situação em que os municípios se encontravam, foi necessário improvisar. O material foi armazenado em sacos de lixo e congelado em blocos.
Processo custará R$ 200 mil
Além da questão logística para reunir os materiais e viabilizar o transporte, o tempo em que o material ficou congelado também foi necessário para matar microrganismos e trazer mais segurança aos especialistas. Antes de iniciar o processo de restauro, Karpinski irá submeter o acervo a testes químicos para verificar se existem vírus, fungos ou bactérias que possam causar algum problema.
Em seguida, o material deve passar pelos processos de descongelamento e secagem. Somente após isso é que inicia a etapa de restauração. Para restaurar o acervo são necessários materiais específicos, como papéis japoneses, colas especiais entre outros, que, em sua maioria, são importados. A estimativa do professor é que sejam gastos aproximadamente R$ 200 mil em materiais, fora mão de obra.
A coordenadora geral do SEM/RS, Doris Couto, conta que após receberem as orientações de como preservar (congelar) os acervos para um restauro posterior, os municípios entraram novamente em contato informando que não teriam os recursos necessários para a restauração. Foi nesse momento que Doris decidiu contatar o Labcon em busca de uma forma de viabilizar os restauros.
— Nosso critério foi escolher municípios pequenos e que não teriam condições de fazer isso. Como eles fizeram esse processo de congelamento sob a nossa orientação, a gente sentiu a obrigação moral e solidária de fornecer a restauração para eles. Os acervos representativos nacionalmente e internacionalmente, como é o caso das instituições de Porto Alegre, muitas empresas vão querer patrocinar. Um museu de Igrejinha, um museu de Camaquã, dificilmente vai ter essa atenção e instituições do interior não dispõem de técnicas e recursos para recuperar esse material — conta Karpinski.
Doris explica que ainda estão sendo analisadas maneiras para levantar todo recurso necessário para o restauro desse material histórico. Uma campanha via Pix deve ser iniciada em breve, além disso, o SEM buscará apoio com uma agência de fomento holandesa, que havia oferecido recursos para compra de material de salvamento dos arquivos. Os acervos de Camaquã e Igrejinha seguirão armazenados em SC enquanto os valores não forem arrecadados.