Fotografias de uma superfície tomada de crateras cinza, como um pálido queijo-suíço, tomaram televisões e celulares do mundo inteiro nesta quarta-feira (23), quando a Índia se tornou o quarto país a pousar na Lua – desta vez, no Polo Sul. Antes, apenas Estados Unidos, União Soviética e China haviam celebrado o feito.
Em específico, a missão indiana Chandrayaan-3 pousou no “lado obscuro” da Lua, repleto de crateras com baixa iluminação solar, o que mantém a água congelada abaixo de -248ºC. A região atrai cientistas ansiosos em estudar a composição dessa água: resultados podem trazer respostas sobre as origens do Universo.
Há, ainda, ambição exploradora: no futuro, moléculas de água poderiam ser quebradas em combustível para foguetes ou em oxigênio para próximos astronautas – a Lua, então, se tornaria “pit-stop” em viagens a Marte e outros planetas.
Embora abrigue muitas áreas em escuridão permanente, o polo sul lunar tem regiões com até 200 dias de iluminação do Sol. A energia solar, então, poderia manter futuras bases lunares.
Não foi a primeira vez que uma nave aterrissou no lado oculto lunar – a China o fizera em 2019. A novidade é que a Índia chegou a um ponto novo e inexplorado dessa região do satélite, em uma operação de cerca de US$ 80 milhões, cerca de R$ 390 milhões na cotação atual.
A aterrissagem da Índia é um capítulo da mais nova corrida espacial à Lua, a primeira desde a década de 1960 – quando Neil Armstrong fincou uma bandeira dos Estados Unidos na superfície lunar, em 1969.
Na semana passada, a Rússia tentara pousar também no lado obscuro da Lua, mas a nave colidiu com a superfície lunar e foi destruída. O Japão planeja enviar, nesta sexta-feira (25), um módulo de pouso inteligente, também não tripulado.
Os Estados Unidos, em missão mais ambiciosa, planejam voltar à Lua com astronautas em 2025. China e Europa também têm programas de exploração lunar.
Quando a Índia realiza uma missão bem-sucedida à Lua, mostra à comunidade internacional que deve ser respeitada na Terra
ROBERTO GEORG UEBEL
Professor de relações internacionais da ESPM de Porto Alegre
Por detrás da corrida espacial, há um esforço desses países em demonstrar pujança perante a comunidade internacional, buscar independência comercial na produção de satélites para o setor de telecomunicações e, por fim, encontrar respostas sobre origens do Universo.
A briga entre EUA e União Soviética que marcou a Guerra Fria ficou no passado: hoje, diversas nações competem entre si para liderar a geopolítica mundial. Não por acaso, os países desta competição são os mesmos com missões planejadas à Lua.
Lua "geopolítica"
O cosmologista Tarun Souradeep, diretor do Instituto de Pesquisa Raman, na Índia, afirmou que a mais recente missão é uma “reafirmação poderosa e enfática da crescente posição e capacidade global da Índia em ciência e tecnologia”.
Investir em uma viagem à Lua é, também, investir em segurança nacional, observa Érico Duarte, professor de Relações Internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista em defesa nacional.
— Ir para a Lua é uma corrida política para os países demonstrarem que são mais capazes do que seus rivais. É, também, uma corrida com utilidade militar e de segurança, porque aumenta a projeção de poder e também traz um potencial de ganho econômico no mercado de lançamento comercial de satélites — diz.
Duarte lembra que, ao longo do processo de desenvolver uma espaçonave que chegue à Lua, pesquisadores avançam, em solo nacional, numa série de tecnologias que, posteriormente, serão usadas no cotidiano da sociedade e, também, para uso militar. Ou seja, maior independência no setor das telecomunicações e poder em segurança nacional.
Quando a Índia realiza uma missão bem-sucedida à Lua, mostra à comunidade internacional que deve ser respeitada na Terra, salienta Roberto Georg Uebel, professor de relações internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) de Porto Alegre.
— Podemos chamar de nova corrida espacial. O que está por trás é uma projeção de poder, demonstração de força e, principalmente, capacidade militar. Um país que supera as adversidades para ir à Lua mostra capacidade de ser superpotência na Terra. Por isso é corrida espacial: para mostrar quem tem mais capacidade, e capacidade se torna poder. A Índia demonstra sua força de colocar uma sonda na Lua e ainda avança em novas tecnologias, porque novos instrumentos de engenharia e de segurança são incorporados no país — reflete.
Como riscos da corrida espacial, Uebel cita a falta de uma regulamentação internacional sobre o que pode ser explorado comercialmente no espaço, a poluição em virtude dos combustíveis despejados pelos foguetes e a possibilidade, no longo prazo, de conflitos internacionais no espaço.
Avanço na ciência
Se o xadrez geopolítico motiva a decolagem, o avanço na ciência colabora na justificativa das explorações. A ciência sabe desde 2008 que existe água congelada na Lua, mas ninguém analisou o líquido. As análises de missões não tripuladas sugerem que o gelo está presente em algumas das grandes crateras permanentemente sombreadas.
Cientistas ainda não sabem se o gelo é acessível ou manipulável e se há, de fato, alguma chance de as reservas serem extraídas. Mas analisar as reservas de água congelada pode revelar informações sobre a origem do Universo e, por consequência, da Terra, observa Christie Engelmann, coordenadora do curso de Geologia na Universidade do Vale dos Sinos (Unisinos).
Ir para a Lua é uma corrida política para os países demonstrarem que são mais capazes do que seus rivais
ÉRICO DUARTE
Professor de Relações Internacionais na UFRGS
— A água coletada vai ser analisada para ver se está pura ou qual elemento tem nela, e como esse elemento se liga. Minerais contam histórias. Sabemos a idade da Terra ao datar minerais, assim como rastreamos mudanças de temperatura. A Lua se originou de parte da Terra, houve uma colisão que desmembrou e criou a Lua. Por isso, a composição e a idade da Lua e da Terra são parecidas. Queremos entender por que a Lua evoluiu diferente e adquiriu outra atmosfera, sem oceanos — afirma.
Veja as missões de cada país
Índia
A missão indiana não tripulada Chandrayaan-3 chegou, com sucesso, à Lua na quarta-feira (23), após decolagem em 14 de julho. O feito posiciona o país mais perto de se tornar uma superpotência espacial. Em 2019, a Índia tentara pousar na Lua, mas a aeronave Chandrayaan-2 colidiu com a superfície lunar após problemas de software e dificuldades de freio na descida.
Rússia
Após falha nos motores, a espaçonave Luna-25 caiu na Lua em 19 de agosto. Foi o fim da primeira tentativa de pouso lunar da Rússia em quase 50 anos. A missão buscava dar novo impulso ao setor espacial russo e realizar coletas do solo para pesquisas científicas.
Estados Unidos
Planeja voltar à Lua com quatro astronautas em 2024 ou 2025, a primeira expedição tripulada ao satélite natural desde a missão Apollo, que levou humanos entre 1969 e 1972. Hoje, a Nasa realiza testes de campo em um deserto no Arizona. O objetivo dessa etapa do projeto é fazer com que astronautas, cientistas e engenheiros trabalhem em conjunto, durante algumas semanas, em um cenário que simula a superfície lunar.
Ainda neste ano, deve ocorrer a dearMoon, missão que pretende levar o bilionário japonês Yusaku Maezawa e outros oito passageiros para uma viagem ao redor da Lua. Quem promove é a SpaceX, do empresário Elon Musk. Essa será a primeira missão do veículo Starship, que tem capacidade para transportar cem pessoas.
União Europeia
A Agência Espacial Europeia trabalha em um projeto para cultivar plantas na superfície lunar, o primeiro passo para uma base permanente no satélite natural. Além disso, deve enviar astronautas europeus na missão da Nasa em 2024 ou 2025.
China
Anunciou planos de enviar missão tripulada à Lua até o fim da década. Um dos objetivos principais é estabelecer, com a Rússia, uma base conjunta até 2035 para uma futura missão a Marte.
Japão
Na sexta-feira (25), o Japão planeja enviar um módulo de pouso inteligente à Lua e se tornar o quinto país a chegar no satélite da Terra. Trata-se da missão Slim, uma nave de 590 kg (levíssima) que tem por objetivo demonstrar técnicas automatizadas para fazer pousos precisos.