Correção: o manto da Terra é rochoso, e não de magma como publicado entre as
15h35min de 27 de fevereiro e as 14h35min de 28 de fevereiro. O texto já foi corrigido.
A ciência já foi capaz de enviar um telescópio a 23 bilhões de quilômetros espaço sideral afora (o Voyager, lançado em 1977), mas nunca acessou o núcleo da Terra. Sua camada externa fica a cerca de 3 mil quilômetros planeta adentro a partir da superfície, uma distância equivalente a uma viagem de carro entre Porto Alegre e Salvador, porém inacessível. No total, são 6,3 mil quilômetros até o ponto central do interior terrestre.
Como então sabemos que, sob a crosta, há um manto terrestre rochoso e que abaixo dele existe um núcleo, com camadas externas e internas de estados físicos distintos sob grande pressão? E de que forma acessamos a informação de que há um núcleo externo, que é líquido e móvel, e outro interno, ainda mais profundo, que é sólido e denso? A resposta: ondas sísmicas.
— Nós estudamos o núcleo interno usando registros de eventos sísmicos, como, por exemplo, grandes terremotos ou explosões nucleares. Esses eventos geram uma energia que se propaga pelo planeta e causam vibrações que nós registramos em estações sísmicas instaladas em vários pontos da superfície na Terra — explica a geofísica Thuany Costa de Lima, que estuda o núcleo interno na Universidade Nacional da Austrália, uma das principais instituições de pesquisa na área.
Importância do núcleo da Terra
Quando nosso planeta foi formado há cerca de 4,5 bilhões de anos atrás, ele nasceu a partir da concentração de gases estelares que formou o nosso sistema solar. Na época, a junção de grandes massas de hidrogênio e hélio formou matérias sólidas e metais pesados.
— No começo, a Terra era uma bola incandescente e os metais pesados migraram para a parte central do planeta, onde muito calor se concentrou, enquanto a parte externa se resfriou mais rápido. Essa crosta que se formou ajuda a preservar esse calor interno oriundo da formação do nosso planeta e que existe desde então — explica o geólogo Diogo Coelho, pesquisador em sismologia do Observatório Nacional (ON).
A partir desta origem comum aos diversos corpos celestes do sistema solar, técnicas usadas aqui podem ser usadas em outros planetas, o que é objeto de estudo da astrogeologia.
— Em Marte, há um sismômetro operando. As atividades sísmicas que existem por lá podem ser vulcânicas ou o impacto de meteoros que fazem a estrutura do planeta vibrar. E aí os equipamentos que instalamos na superfície captam essas variações de vibração no planeta, que nos revelam os segredos da estrutura física que está escondida abaixo da superfície — diz Thuany.
De onde surgiu o campo magnético da Terra?
Se o núcleo terrestre não gerasse um campo magnético forte o suficiente para nos proteger de raios cósmicos, não haveria vida na Terra – a superfície do planeta seria como a de Marte, que é agredida por radiações solares. E isso só acontece porque o interior do nosso planeta gira, ou seja, com uma fricção entre o núcleo interno, sólido, e o externo, líquido, que rotacionam em velocidades diferentes.
— Tem uma grande quantidade de ferro líquido no interior terrestre. De acordo com as leis da Física, a movimentação desse material gera uma corrente elétrica em movimento. E pelas leis do magnetismo, você gera um campo magnético em função da rotação de um campo elétrico. Então, por haver ferro em movimento, há corrente elétrica e isso impulsiona o campo magnético da Terra — detalha Coelho, que diz que uma das razões para planetas como Marte e Vênus não abrigarem a vida é uma dinâmica tectônica diferente da de nosso mundo.
Isso significa que o interior do planeta funciona como um “geodínamo”, o mesmo princípio que, em uma escala infinitamente menor, possibilita a existência do motor elétrico. Ou seja, há uma energia mecânica (gerada pela rotação do planeta em torno de si mesmo e do Sol) e outra térmica (gerada pelo calor armazenado no núcleo) que fazem o metal líquido interno se movimentar e carregar eletricamente, de modo que é gerado um campo magnético gigantesco em torno do planeta.
— O núcleo interno está crescendo com a solidificação do núcleo externo, que é líquido. Isso libera um calor latente que fornece energia para correntes de convecção no núcleo externo, o que cria movimento e correntes eletromagnéticas. Essa é a forma que o núcleo gera o campo magnético do planeta e pode ser medida por equipamentos geofísicos, como o magnetômetro. Esse campo magnético nos protege de raios cósmicos, permitindo a vida na Terra — afirma Thuany.
O núcleo terrestre pode parar de rodar?
De acordo com Coelho, a rotação entre a parte interna e externa do núcleo têm velocidades diferentes e variam ao longo do tempo. Ou seja, aceleram e desaceleram.
— Essas rotações não são constantes, mas têm ciclos. Às vezes tá rápido ou mais lento, e isso a maioria dos pesquisadores aceita. Ele não para, mas se movimenta um pouco mais lento ou rápido dependendo de uma série de ciclos, mas ainda não sabemos do porquê acontece — explica Coelho.
Além disso, já que o núcleo terrestre já foi uma bola de calor, sua tendência é esfriar e perder energia. A tendência é que o núcleo denso terrestre se solidifique aos poucos e pare de girar, o que irá enfraquecer o campo magnético terrestre e levará ao fim da vida na Terra.
Isso, no entanto, vai demorar bilhões de anos – talvez sequer haja vida por aqui quando isso acontecer.
Como o núcleo terrestre afeta as atividades sísmicas?
De modo geral, a dinâmica que influencia atividades sísmicas como terremotos, vulcões e o movimento das placas tectônicas, depende do manto, a camada acima do núcleo terrestre. Ou seja, não há uma influência direta. Ela se restringe aos chamados “pontos quentes” e ao calor do núcleo externo que, por sua vez, também gera correntes de convecção no magma do manto terrestre – estas sim responsáveis por erupções vulcânicas.
— O núcleo consegue enviar uma “célula quente” que consegue passar por todo o manto e chegar na crosta terrestre, o que gera vulcanismo e a formação de ilhas. Esse ponto não tem dinâmica de convecção que em um lugar desce e noutro sobe. São pontuais e fixos. Mas quem muda são as placas tectônicas, que se movimentam e o ponto fica parado — explica Coelho, que diz que ainda não temos certeza do porquê isso acontece.
Segundo ele, essa é a dinâmica geológica que gerou, por exemplo, a formação do Havaí e outras ilhas oceânicas, muitas delas pontos dispersos no mar e distantes dos continentes. Geólogos ainda tentam descobrir qual o “gatilho” para esse tipo de formação.