O lançamento do Telescópio Espacial James Webb (JWST, na sigla em inglês) completa um ano neste domingo (25). Nesse período, ele foi protagonista da obtenção de imagens jamais vistas pela humanidade, e captou informações que já impactam várias áreas do conhecimento. Mas os últimos 12 meses também foram de apreensão com o lançamento e a viagem pelo espaço, a suspeita de um problema sério em uma das câmeras e o choque com micrometeoróides.
Ainda assim, especialistas ouvidos pela reportagem de GZH tratam o primeiro ano de funcionamento como dentro do esperado: o lançamento e a viagem até o ponto escolhido ocorreram sem problemas, e a capacidade de observação se provou eficiente, o que cria, na comunidade científica, a expectativa de que o observatório funcione pelas próximas décadas.
O lançamento do telescópio ocorreu em Kourou, na Guiana Francesa, no Natal de 2021. A viagem ao ponto onde foi posicionado, conhecido como Lagrange 2, a 1,5 milhão de quilômetros da Terra, durou cerca de um mês. Já em julho, a Nasa divulgou as primeiras imagens científicas do JWST.
Com investimento estimado em US$ 10 bilhões, o instrumento foi financiado pelos Estados Unidos, por meio da Nasa (agência espacial americana), com participação da ESA (agência espacial europeia) e CSA (agência espacial canadense).
Problemas com processamento de dados
Thiago Signorini Gonçalves, astrônomo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), não se diz surpreso com nenhum dos dados obtidos pelo observatório espacial, porque, para ele, o investimento feito na construção previa qualidade na captura de dados superior ao que havia sido feito até então. Ainda assim, ele pontua que ter o telescópio à disposição dos cientistas é um feito.
— Ele atende às expectativas; isso, por si só, é uma enorme vitória, é excelente que tenha conseguido atingir todos os objetivos iniciais sem nenhum grande percalço. Sabemos que vamos conseguir os objetivos científicos que tínhamos em mente quando o telescópio foi planejado. Os dados preliminares mostram que vamos observar galáxias mais distantes, estudar a composição químicas de planetas — comenta.
Nesse sentido, ele pontua que a comunidade internacional estava apreensiva com o lançamento, desdobramento dos espelhos no espaço e o próprio funcionamento do telescópio no ponto onde foi projetado para orbitar. Era um "medo" devido aos mais de 20 anos de trabalho no projeto e os bilhões de dólares aplicados. Essas preocupações foram superadas, mas surgiram outras no processo, em especial relacionadas ao tratamento do material recebido do observatório por cientistas na Terra, acrescenta o astrônomo:
— Os primeiros dados foram difíceis de processar, porque todos os programas de computador feitos não funcionaram direito. O maior desafio foi aprender como o telescópio funciona, refazer esses programas, para processar os dados de maneira correta. Esse é um processo normal com novos instrumentos, mas (a dificuldade) já foi resolvida.
Novas peças no quebra-cabeça
Rogemar André Riffel, do Departamento de Física da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), também ressalta que o observatório espacial se comportou conforme o aguardado pela comunidade científicas nos primeiros meses após o lançamento, fato que, a partir dos dados coletados, já impactam o trabalho de pesquisadores em todo o mundo.
— A qualidade dos dados era esperada que fosse muito boa e isso se confirmou, sendo igual ou mesmo melhor que as simulações. Foram acrescentadas várias peças ao quebra-cabeça que visa responder perguntas maiores — resume.
Riffel cita três das áreas que se beneficiaram com o início da atividade do telescópio. A primeira é a que trata do estudo de exoplanetas — aqueles que orbitam estrelas fora do Sistema Solar — já que o equipamento consegue mapear a composição química da atmosfera desses locais. Essa tecnologia consegue detectar se há no local a presença de elementos essenciais à vida, como a água, como ocorreu no estudo do exoplaneta WASP-96b.
Outro campo favorecido no último ano é o da evolução estelar, que se preocupa com o processo de vida e morte de estrelas. Esse estudo pode, por exemplo, ajudar cientistas a compreender melhor a formação do planeta e do Sistema Solar. Nesse sentido, destacam-se a divulgação de imagens de um “berçário” de estrelas da nebulosa Carina, localizada a cerca de 7,6 mil anos-luz de distância da Terra.
O pesquisador da UFSM afirma que uma das áreas mais impactadas pelo JWST é a relacionada ao estudo do início do universo. Isso porque o telescópio foi projetado para captar luz infravermelha — invisível ao olho humano —, característica que o faz “enxergar” galáxias mais antigas.
Na semana passada, astrônomos de diversos países relataram terem descoberto as galáxias mais antigas já estudadas, a partir de dados do JWST. Segundo os pesquisadores, a luz delas levou mais de 13,4 bilhões de anos para chegar até o equipamento: por isso, as galáxias datam de 400 milhões de anos após o Big Bang, quando o universo tinha apenas 2% de sua idade atual.
— Estamos observando essas galáxias em formação. Isso começou com muita força, gerou bastante impacto, é importante para entendermos como o universo atingiu o estágio que conhecemos — diz.
Pesquisa gaúcha
Os pesquisadores da UFSM tiveram um projeto selecionado para utilizar o James Webb. Serão, ao todo, 16 horas de observação, que devem ocorrer a partir de abril de 2023, conforme Riffel. Os gaúchos têm como foco três galáxias diferentes (NGC3884, CGCG012-070 e UGC08782), cujos buracos negros centrais são ativos, ou seja, capturam matéria.
Uma das integrantes do grupo gaúcho que usará o JWST é Marina Bianchin, doutora em Física pela UFSM e pesquisadora de pós-doutorado na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos.
Marina diz entender que ocorreram dois problemas mais graves no primeiro ano de atividade do James Webb. O primeiro foi o choque com um micrometeoróide que danificou um dos espelhos, fato reportado em junho. O outro empecilho foi com um módulo do instrumento do infravermelho próximo (MIRI). Por ser impossível ir ao telescópio resolver a adversidade, as atividades foram suspensas e uma série de testes foi conduzida, o que permitiu a continuidade das observações.
— Já era sabido que isso poderia acontecer (choque com um micrometeoróide), mas a surpresa negativa foi a intensidade do impacto. Felizmente o dano ao espelho foi pequeno e as observações continuaram. Esse segundo caso foi mais preocupante por se tratar de um instrumento muito específico que realiza observações únicas, não existe nada semelhante em outros telescópios espaciais, então se quebrar, já era — explica.
Vendo o que as pessoas fizeram com apenas cinco meses de observações, acho que tem tudo para termos mais peças disponíveis para entender como o universo funciona.
MARINA BIANCHIN
doutora em Física e pesquisadora de pós-doutorado na Universidade da Califórnia (EUA)
A gaúcha destaca que o lançamento e ajustes orbitais “foram perfeitos”, o que permite que o telescópio tenha combustível para se manter em sua órbita por 26 anos. Além disso, um ano depois da ida ao espaço, apesar das apreensões do processo, todos os instrumentos funcionam hoje como o projetado.
— O telescópio superou as expectativas em vários sentidos. Uma coisa que me surpreendeu muito foram as comparações com o Spitzer: (telescópio que, assim como o Webb, observava no infravermelho) o ganho em qualidade dos dados é absurdo e nos permite estudar os mesmos objetos astronômicos, e descobrir novos, com uma precisão impossível anteriormente —diz.
Quando questionada sobre o futuro da ciência com o uso do telescópio, Marina diz que é uma pergunta “difícil” de se responder no momento: entretanto, ela comenta aguardar que, com a tecnologia, a humanidade consiga ter melhor compreensão sobre como a natureza evolui em todas as escalas, desde asteroides e planetas até aglomerados de galáxias:
— Sei que é um pouco ambicioso, mas vendo o que as pessoas fizeram com apenas cinco meses de observações, acho que tem tudo para termos mais peças disponíveis para entender como o universo funciona.