Nascido no interior de Minas Gerais, Ivair Gontijo, 61 anos, trabalha no Jet Propulsion Laboratory (JPL), um dos centros da National Aeronautics and Space Administration (Nasa), a agência espacial dos Estados Unidos.
O brasileiro atuou em projetos que levaram dois veículos de exploração espacial para Marte: o Curiosity e o Perseverance. A experiência na agência norte-americana é contada no livro A caminho de Marte. De Los Angeles, Gontijo conversou com GZH por videochamada sobre a missão Artemis, da Nasa, que pretende levar pessoas à Lua nos próximos anos. Além disso, ele comenta se será possível chegar a outro objetivo da Nasa: a presença de humanos no planeta vermelho:
— Estarei vivo quando os primeiros humanos pisarem em Marte. É uma questão de décadas, porque ainda precisamos desenvolver muita tecnologia, mas com certeza vai acontecer — diz o engenheiro brasileiro.
Gontijo é técnico em Agropecuária, graduado em Engenharia Física na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), tem mestrado em Óptica, doutorado no Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade de Glasgow, na Escócia, e dois pós-doutorados. Confira a entrevista que ele concedeu a GZH:
Como começou seu interesse na Astronomia?
Sempre gostei das áreas técnicas, de matemática, física. Quis entender mais sobre essas áreas, que tive interesse desde criança. Quando trabalhava na administração de uma fazenda (no interior de Minas Gerais), a noite era espetacular porque não tinha poluição luminosa nenhuma, então era possível ver a Via Láctea inteira. Foi uma das coisas que despertou meu interesse.
Qual é o seu trabalho na Nasa?
Trabalho no JPL, onde nos especializamos em exploração robótica do sistema solar. A maioria das missões de exploração robótica foram projetadas e construídas no JPL. Trabalhei por seis anos no projeto da Perseverance (veículo que explora Marte neste momento). Eu era o responsável pela SuperCam, que é como se fosse a cabeça do veículo. Ele dispara pulsos de laser nas rochas marcianas e consegue identificar qual elemento químico forma essa rocha. Esse instrumento foi construído nos EUA, na França e na Espanha.
Meu trabalho era negociar com todos os lados para que a montagem do equipamento fosse perfeita. Era também minha responsabilidade garantir que haveria espaço para o instrumento caber no veículo, que ele teria energia elétrica para funcionar em Marte e que o software do Perseverance funcionasse. Também trabalhei no Curiosity (outro veículo enviado para Marte).
O objetivo da missão Artemis é desenvolver tecnologias e ter a presença humana na Lua, o que é parte do processo de exploração de Marte.
Qual sua atividade hoje?
Estou trabalhando em outra missão, que é um telescópio espacial parecido com o James Webb (enviado ao espaço em 2021), que será lançado em 2027 ou 2028, chamado Roman Space Telescope. Ele vai tentar fazer imagens de planetas em torno de outras estrelas (que não o Sol), o que chamamos de exoplanetas.
A humanidade está próxima ou distante de colocar pessoas em Marte?
Uma missão tripulada para Marte tem desafios gigantescos. Mandar missões robóticas já é extremamente difícil, mas hoje em dia sabemos fazer isso bem. A tecnologia está sendo desenvolvida e melhorando cada vez mais (ele cita o trabalho dos veículos Curiosity e Perseverance como exemplo).
Uma missão tripulada seria muito mais difícil: o oxigênio que as pessoas vão respirar terá de ser levado da Terra ou ser produzido durante a viagem, que vai demorar no mínimo seis meses. Tem a questão da comida para levar e também lidar com pessoas colocadas em um espaço pequeno por muito tempo. Esses são problemas complexos, mas de engenharia. Com tempo, se continuarmos investindo, todos esses problemas são resolvíveis.
E quando a humanidade vai pisar em Marte?
Ninguém pode responder isso, com precisão, neste momento, mas eu diria que vai acontecer durante a minha vida. Eu estarei vivo quando os primeiros humanos pisarem em Marte. É uma questão de décadas, porque ainda precisamos desenvolver muita tecnologia, mas com certeza vai acontecer.
Além de visitar Marte, conseguiremos formar colônias no planeta?
Com a tecnologia que temos no momento, isso não é possível. Mas acontecerá se for desenvolvida a tecnologia, mas vai levar muito tempo e vamos precisar de muito dinheiro. As missões de curta duração vão ocorrer bem mais rápido.
E como a missão Artemis pode ajudar na ida de pessoas a Marte?
O objetivo da missão Artemis é desenvolver tecnologias e ter a presença humana na Lua, o que é parte do processo de exploração de Marte. A ideia toda não é voltar à Lua, mas ter presença humana lá por grandes períodos, para desenvolver a tecnologia que é necessária para uma viagem a Marte.
Por que gastar tanto dinheiro com a exploração espacial?
Somos criaturas curiosas, queremos descobrir coisas. Isso é parte do ser humano. Anos atrás, era maluquice total criar uma máquina mais pesada que o ar para voar. Essa ideia maluca, do Santos Dumont, mudou o mundo completamente. A exploração espacial é uma coisa que não acontecerá em dias ou décadas, é como se a humanidade estivesse saindo do ninho dela, que é o planeta Terra.
Os americanos apoiam os investimentos feitos na Nasa?
O que vemos aqui é emocionante. As pessoas me tratam diferente quando falo que trabalho na Nasa. O americano acha que a Nasa é o que ele tem de melhor no país, o que dá mais orgulho.
Como o senhor avalia o interesse do brasileiro por ciência?
Dou palestras em todo o Brasil e as pessoas demonstram entusiasmo no assunto. Tem muito problema de ensino (no Brasil), mas isso tem para todo o lado, aqui (nos EUA) também. O Brasil investe bastante em astronomia: os astrônomos brasileiros têm acesso a telescópios de última geração, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) financia o GMT (telescópio em construção no Chile), tem o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Os cientistas brasileiros são iguais ou melhores do que os do resto do mundo, não devem para ninguém, temos uma qualidade técnica enorme.