Ao conversar com Leonardo Azzi Martins, as características que mais chamam a atenção são a humildade e a simplicidade do garoto de 19 anos. O jovem, que se considera prolixo, tem um jeito calmo e claro de falar que nem parece com o de um cientista premiado e inventor conceituado. E este estilo não é por acaso, ele quer mudar paradigmas.
— A ciência parece algo inacessível e praticada por uma intelectualidade elitizada, mas ela existe para aproximar e ajudar as pessoas, e por isso precisa ser mais aberta — diz, com maturidade, o rapaz que acaba de retornar de Israel, onde ganhou uma bolsa para estudar por 28 dias no Instituto Weizmann de Ciências, considerado pela conceituada revista Nature o terceiro melhor instituto de pesquisa do mundo.
O jovem foi se qualificar no Oriente Médio patrocinado pelo grupo Amigos do Instituto Weizmann do Brasil. O presidente da entidade, Mario Fleck, conta que o envio dos adolescentes é um incentivo pelos resultados conquistados.
— Nossa ação é filantrópica. Fazemos por prazer e é muito gratificante viabilizar o sonho deles. Todos são mais do que promessas. São realidade, pois já demonstraram do que são capazes e merecem se aprimorar — explica.
Leonardo é o sexto gaúcho a ganhar tal oportunidade concedida pelo grupo desde 1982. Para fazer parte do exclusivo time de quatro brasileiros que foram para Israel neste ano, ele passou por um processo seletivo com 470 inscritos de 26 Estados. A seleção consistia em avaliação de currículo e redações, mas o que mais pesou e tornou possível a viagem foi um trabalho premiado surgido de um drama familiar.
Quando seu avô, Claudino Enes Azzi, de 67 anos, teve uma perna amputada devido a uma trombose causada pela diabetes, Leonardo, que é técnico em mecatrônica pelo Instituto Federal Sul (IFSUL), desenvolveu a prótese transfemoral inteligente. Nomeada de SmartLeg, a invenção é uma perna mecânica para amputados acima do joelho.
O invento usa sensores de movimento que ficam ligados ao coto — a parte da perna junto ao corpo —, e dispositivo consegue entender o movimento enviado pelo cérebro. O projeto torna a caminhada mais confortável, além de permitir o acesso ao histórico dos dados da pessoa e o gerenciamento remoto dos dados.
Amizades da ciência e bate-papo com Nobel de química
A inovação possibilita que o profissional de reabilitação faça ajustes ou mesmo atendimento sem a presença do paciente no consultório. A tecnologia também vai permitir que se baixem os custos de produção em até 50%. Hoje, o mercado é dominado por apenas duas empresas do Exterior, e o valor de uma peça pode chegar a R$ 200 mil.
Nascido em Butiá, e hoje morador de Porto Alegre, Leonardo tem seu mundo constantemente ampliado pela vida ligada à ciência. Além de Israel, ele já participou de mostras competitivas como a Infomatrix Latinoamérica, no México, e a Intel ISEF, nos Estados Unidos. Agora, pretende prestar vestibular para Engenharia da Computação, com a ideia de se mudar para o Canadá, em 2020, onde fica a empresa que ele atende hoje como consultor de software.
E não foram apenas os horizontes físicos que a ciência ampliou para o jovem. Ele comenta que todas as suas amizades de hoje têm a ver com a ciência.
— Até mesmo o vínculo com meu avô é muito maior agora, que passamos a nos envolver mais para ajudar com a prótese — comenta.
Leonardo revela que uma das melhores partes da viagem para Israel foi a quantidade de amizades que fez com mentes brilhantes de todas as partes do mundo, mas uma merece destaque.
— Assisti a uma palestra com a Ada Yonath, vencedora do Nobel de química de 2009 e que também foi estudante do Instituto Weizmann. Depois da apresentação oficial, rolou um bate-papo e se mostrou uma pessoa super acessível. Ela contou que trabalhava em Berlim em 1989 e escutou um barulho ensurdecedor. Quando olhou pela janela, viu a função da derrubada do muro, disse que desceu correndo para ajudar. Uma cientista de ponta que tem uma humildade inspiradora — explica.
Projeto prejudicado pela crise econômica
A inspiração demonstrada na elaboração da SmartLeg não foi uma ação isolada. O técnico em mecatrônica também inventou um aparelho para ajudar pessoas cegas. Leonardo fez um trabalho de neuro engenharia chamado Áudio Guia 2.0. A invenção é como um Google Maps com som 3D que ajuda deficientes visuais a assimilarem melhor os trajetos. Na simulação teste que promoveu, um voluntário cego que usou o aparelho conseguiu memorizar os caminhos e roteiros mais rapidamente do que os voluntários que enxergam.
Além da criatividade apresentada por Leonardo, os dois projetos têm mais uma coisa em comum. Ambos não foram adiante devido aos cortes de verba na educação. Para 2016, o jovem recebia do governo um valor de R$ 2 mil por ano, de iniciação científica, como subsídio na compra de matérias para utilizar na invenção.
Com as restrições orçamentárias impostas pela crise, não foi oferecido novo edital para este tipo de financiamento científico ao IFSul em 2017.
— É uma frustração essa crise. Por causa dela, os dois trabalhos tiveram contingenciamento de investimento, cancelamento de bolsas e não foi possível prosseguir. Até onde o projeto foi, posso dizer que tivemos sucesso e resultados promissores, mas a situação não permitiu ir adiante. Já estava tirando do meu bolso para aprimorar a prótese — revelou.