Com 10 anos de idade, Marina Trevisan leu uma revista de ciências que falava sobre como as estrelas nascem, vivem e morrem. Na mesma hora, decidiu que seu futuro seria estudar os corpos celestes. Incertezas, gravidez e uma doença grave surgiram no caminho, mas nada freou esta curitibana de 37 anos que fez o sonho de infância virar realidade. Hoje, ela é astrônoma, professora e chefe-substituta do Departamento de Astrofísica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e desenvolve pesquisas em astronomia extragaláctica, populações estelares e astrofísica estelar.
Ela é autora do trabalho "A sobrevivência das galáxias ao longo da teia cósmica", que no dia 13 de agosto ganhou um prêmio de R$ 50 mil do programa Para Mulheres na Ciência, promovido pela L’Oréal Brasil, em parceria com a Unesco Brasil e com a Academia Brasileira de Ciências (ABC).
O estudo premiado está baseado no fato de que as galáxias se formaram e evoluíram para serem o que são hoje. A pesquisadora quer aumentar o conhecimento sobre a evolução de galáxias e, em especial, entender como e por que elas param de formar estrelas.
O projeto foi pensado para entender que as galáxias não evoluem sozinhas, elas estão em estruturas maiores e interagem com tudo que está na vizinhança. A pesquisa busca entender como o ambiente em que elas estão afeta sua evolução e, mais específico ainda, quer saber por que o ambiente onde estão afeta a taxa de produção de estrelas.
O trabalho de Marina já tem resultados, mas que não são considerados oficiais pois ainda não foram publicados como artigo científico. Para ajudar a entender, a pesquisadora faz uma analogia com estudantes em uma escola. Imagine que uma galáxia é um estudante. Sozinho, ele consegue produzir muitos desenhos (que seriam as estrelas). Mas quando ele se junta com um pequeno grupo de colegas na sala de aula (encontro com outras galáxias na etapa chamada de pré-processamento), já não consegue fazer tantos desenhos como antes. E quando estes alunos vão para o recreio e se reúnem com ainda mais colegas (formam estruturas chamadas de aglomerados), então a produção de desenhos cai ainda mais.
— Vou mostrar que o pré-processamento é mais importante que se achava. Nessa etapa, que é quando as galáxias entram em grupos, o ambiente afeta o desenvolvimento dela com a diminuição da capacidade de formar estrelas. E quando este grupo entra em um aglomerado, é aí que a queda da formação de estrelas pode ser maior. O meu resultado é importante para mostrar o quanto o ambiente afeta a produção de estrelas em uma galáxia — explica.
Estudo das galáxias serve para conscientizar
A astrônoma explica que entender como as galáxias se formaram é também entender a história do Universo e como nos inserimos nisso. Ela considera fundamental sabermos como nossa própria galáxia se formou, conhecermos nossas origens e entendermos o quanto somos pequenos dentro de todo este contexto.
A noção de que a terra não vai ficar ali pra sempre e que precisamos cuidar dela vem da astronomia.
MARINA TREVISAN
Astrônoma e professora da UFRGS
— O estudo também pretende nos fazer mais humildes e nos conscientizar. Termos a noção de que a terra não vai ficar ali pra sempre e que precisamos cuidar dela vem da astronomia . Apesar desta imensidão que é o Universo, é este planeta que é a nossa casa, e se acontecer alguma coisa com ele não temos para onde fugir. Precisamos saber mais sobre onde ele está inserido e cuidá-lo — comenta.
Resultados chegam à vida das pessoas
Marina explica que a pesquisa em astronomia, diferente da medicina, não tem uma aplicação direta no cotidiano. É o que se chama de pesquisa básica, que tem como objetivo aumentar o conhecimento sobre os assuntos. Ela conta que, apesar de não ter resultados no dia a dia do cidadão, indiretamente os estudos na área podem chegar à vida das pessoas.
— A astronomia requer muita tecnologia. Estamos sempre na fronteira do que já foi inventado, e as vezes nós mesmos precisamos criar soluções para nossos desafios, pois elas ainda não existem. Um exemplo é a observação do espaço e de locais que estão distantes a bilhões de anos luz. Precisamos desenvolver materiais para analisar as imagens destas galáxias, e essas inovações foram parar na medicina para detectar anomalias no tecido humano, como câncer e Alzheimer. Ao longo da história, a astronomia contribuiu muito pra isso. É o que chamamos de transferência — esclarece.
Nada do que Marina fez neste trabalho foi transferido ainda, mas para isto acontecer não deve demorar. Durante o programa Para Mulheres na Ciência, ela conheceu as outras seis vencedoras das demais categorias. Ao conversar com uma pesquisadora da área da saúde, ela se deu conta de que suas ferramentas podem ser úteis para a cientista.
— Antigamente, os astrônomos olhavam as imagens das galáxias e as classificavam. Hoje isso é impossível. Por exemplo, tenho um catálogo que tem 700 mil galáxias, e ele nem é tão grande, pois tem maiores. Como se olha uma por uma? Não tem como! Então, as técnicas para explorar essas bases de dados são muito sofisticadas e têm muitas áreas que podem ser auxiliadas por elas — contou.
Programa distribuiu mais de R$ 3,9 milhões
O Programa Para Mulheres na Ciência, que completa 13 anos em 2019, tem como motivação a transformação do panorama da ciência no Brasil, na busca pelo equilíbrio dos gêneros no cenário nacional. As demais premiadas foram Aline Silva de Miranda (UFMG), Adriana Folador (UFPA), Jaqueline Mesquita (UnB), Josiane Budni (Unesc), Patrícia de Medeiros (Ufal) e Taicia Fill (Unicamp). A premiação será entregue no dia 10 de outubro.
A cada ano 7 jovens pesquisadoras de diversas áreas de atuação são contempladas com uma bolsa-auxílio de R$ 50 mil. O prêmio distribuiu, até hoje, mais de R$ 3,9 milhões entre 89 mulheres cientistas promissoras. Marina disse que pretende usar o prêmio para custear para ela e seus alunos visitas a seminários e congressos, além de adquirir computadores para pesquisa.
Nos 13 anos do programa, Marina é a nona acadêmica da UFRGS a receber a premiação. Ainda no Estado, as outras instituições que tiveram cientistas premiadas no período foram Universidade Federal do Pampa (Unipampa), Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Pontifícia Universidade Católica (PUCRS) e o Serviço Oncológico do Hospital Fêmina.
Uma vida de vitórias
Não foi só o prêmio de R$ 50 mil que Marina ganhou. A vida da cientista é marcada por vitórias ainda mais emblemáticas. Engajada na pesquisa, ela engravidou em uma época em que bolsistas de mestrado não tinham direito à licença maternidade. Foi preciso continuar com os estudos sem nenhuma extensão no prazo para a defesa do trabalho. Ela avançou e foi aprovada no mestrado em Astrofísica no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em São José dos Campos.
O desafio já era grande, mas veio um ainda maior. Em 2012, ela foi diagnosticada com câncer de mama. Foram necessárias duas cirurgias, um ano e meio de quimioterapia e três meses de radioterapia sem direito a nenhum tipo de licença. A eterna estudante venceu essa guerra há cinco anos e seguiu na vida de pesquisadora.
Mas antes de se tornar cientista, Marina cursou Engenharia Elétrica com a ideia de que ser pesquisadora não dava dinheiro e que ela precisava de uma segurança financeira. A curitibana concluiu o curso, mas não seguiu na área e partiu para astrofísica para realizar o sonho de criança.
Marina venceu o comodismo de optar por uma carreira mais segura financeiramente, mas neste caso quem ganhou foi a pesquisa brasileira.