O brasileiro, em média, confia na ciência. Segundo pesquisa do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), 73% das pessoas são otimistas quanto à ciência brasileira. No entanto, a parcela que só vê benefícios na ciência caiu de 2015 para cá, de 54% para 31%. Os que veem mais benefícios do que malefícios foi de 19% para 42%.
Ao mesmo tempo, 90% dos brasileiros não souberam citar o nome de um cientista e 88% não souberam dizer onde se faz pesquisa científica no país – nem das universidades públicas se lembraram.
Os resultados da 5ª edição do estudo "Percepção Pública da C&T no Brasil" foram divulgados na tarde desta segunda (22), em uma sessão da 71ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A SBPC e o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações apoiaram o estudo. A margem de erro é de 2,2%.
Foram ouvidas 2,2 mil pessoas com mais de 16 anos em todas as regiões do país, estratificadas por renda, local de moradia, gênero, idade e escolaridade, a fim de representar a população brasileira com fidelidade. Elas responderam a um questionário com 44 itens.
O entusiasmo dos respondentes é tanto que, no se dependesse apenas deles, os sucessivos cortes nos investimentos na ciência brasileira teriam fim. Para dois terços, o orçamento para a pesquisa para a pesquisa deveria aumentar; para 24%, deveriam ser mantidos; apenas para 6% os recursos deveriam ser reduzidos.
Segundo Marcio de Miranda Santos, presidente do CGEE, esse tipo de estudo pode ajudar o país a elaborar políticas públicas para preencher a lacuna entre o interesse público de ciência e a falta de acesso a esse tipo de informação.
Para Adriana Villela, coordenadora da pesquisa, o brasileiro permanece otimista com a ciência, mas não de maneira tão entusiástica como antigamente.
— O Brasil sempre se destacou em relação a outros países como muito eufórico. Agora a percepção de benefícios continua altíssima, mas com mais crítica, mais ciente dos riscos.
Um resultado da pesquisa que demonstra esse amadurecimento da população é a percepção sobre quem é o cientista, que mudou ao longo dos anos. Em 2010, 55,5% das pessoas diziam que cientistas eram "pessoas inteligentes e que faziam coisas úteis para a humanidade". Em 2019 esse número caiu para 41% e ganharam espaço as ideias de que cientistas são "pessoas comuns com treinamento especial" (de 8% para 23%) e que são "pessoas que servem a interesses econômicos e produzem conhecimento em áreas nem sempre desejáveis" (de 5% para 11%).
A pesquisa também olhou para como as pessoas se informam sobre ciência e tecnologia. Foi criado até um índice de confiança para fontes de informação. Os profissionais que mais despertam confiança são médicos e cientistas e os menos confiáveis são artistas e políticos.
Jornalistas, apesar de serem os mais citados, ficam no meio do caminho na confiabilidade –com saldo positivo, vale notar – por causa de 18% de respondentes que dizem não acreditar em informações advindas desses profissionais.
A população tende a buscar informações sobre ciência e tecnologia especialmente na TV e na internet, com um crescimento expressivo da web observado ao longo das edições da pesquisa.
Para Luísa Massarani, pesquisadora da Fiocruz e coordenadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia, que colaborou com a pesquisa, os novos resultados são importantes porque fazem um contraponto a uma pesquisa divulgada em junho pelo Wellcome Trust, que mostrava que os sul-americanos, seriam os mais desconfiam dos cientistas (30%, três vezes a média europeia), perdendo apenas para a África Central (32%).
Temas preocupantes
Entre as questões que mais encafifam o brasileiro estão o desmatamento da Amazônia (92%) e os danos ao ambiente causado pela mineração (92%). Mudanças climáticas e suas consequências são problema importante para 83% da população. Também há preocupação sobre o uso de agrotóxicos (87%) e o uso de energia nuclear (71%).
Alimentos geneticamente modificados são uma questão importante para 74% das pessoas. Uma outra pesquisa de 2016, do Conselho de Informações sobre Biotecnologia já havia apontado o receio que o brasileiro tem de consumir transgênicos, apesar de as razões para esse receio em particular não terem embasamento científico.
O estudo do CGEE também mostra que os brasileiros têm receio de que o desenvolvimento científico traga consequências negativas (apesar de a maioria não culpar os cientistas por isso). E afirma que 83% da população gostaria de ser ouvida em discussões sobre os rumos da ciência e tecnologia.
Zoológicos e parques são os locais ligados à ciência mais visitados pelas pessoas – cerca de 30% os visitaram os últimos 12 meses. Idas a museus são mais raras, mas estão intimamente ligada ao nível social: vão de 2,9% de ao menos uma visita no último ano para famílias que ganham até um salário mínimo para 13,2% para aqueles que têm renda familiar superior a 10 salários mínimos.
Por que as pessoas não têm mais contato com a ciência? Quase 40% dizem não considerar esse tipo de atividade entre suas prioridades (ou não têm tempo ou não têm interesse), 34% dizem que não há museus em sua região, 11% dizem não saber onde ficam esses espaços e 8% dizem que "fica muito longe".
E as consequências dessa fraca interação são sentidas: 73% das pessoas acham que antibióticos matam vírus. Está errado. Essa classe de medicamentos é usado somente para controlar infecções bacterianas. Também há quem acredite em horóscopo.
Na pesquisa do CGEE, 82% dizem que a maioria das pessoas é capaz de entender o conhecimento científico, se bem explicado. Alguém está falhando na comunicação.
Ildeu de Castro Moreira, presidente da SBPC, diz que os cientistas deveriam se envergonhar da falta de familiaridade das pessoas com os grandes nomes na área e por não saberem citar o nome de cientistas ou de instituições.
— É preciso fazer um programa para inserir esse tipo de conteúdo na escola. Não há um livro que conte a história da ciência no Brasil para esse público. Portugal tem, a Espanha tem.