Nas ensolaradas manhãs dos trópicos, os crocodilos saem da água para se aquecer ao sol. Como outros répteis, eles dependem desse calor para ajudar a abastecer seu metabolismo.
Isso pode parecer a visão de um mundo pré-histórico: criaturas inalteradas por milênios. Porém há cada vez mais evidências de que os crocodilos modernos são bem diferentes de seus antepassados mais primitivos.
Em um estudo recente publicado em "Paleobiology", dois paleontólogos da Universidade de Sorbonne, em Paris, examinaram o osso de um réptil de 237 milhões de anos e encontraram sinais de que os ancestrais da família dos crocodilos tinham um metabolismo notavelmente ativo – e que as criaturas o desenvolveram muito antes do esperado.
"Após o entusiasmo pelos dinossauros provocado pelo filme 'Jurassic Park', pensei que era hora de examinar grupos intimamente relacionados", disse Jorge Cubo, principal autor do estudo. "A questão central era se esses organismos tinham sangue frio ou quente."
No passado, os pesquisadores haviam dividido perfeitamente o metabolismo animal: os endotérmicos (mamíferos e aves) derivam calor de processos internos, enquanto os ectotérmicos (répteis e anfíbios) dependem do ambiente circundante. A ectotermia foi tradicionalmente mantida como a condição mais primitiva.
No entanto, os crocodilos sempre foram um pouco mais complicados. Os modernos são os últimos sobreviventes dos crocodiliformes, uma família surpreendentemente diversificada que se espalhava por todos os continentes durante a Era Mesozoica.
Predadores terrestres, como o Baurusuchus, patrulhavam as pradarias da América do Sul no período Cretáceo. Animais com barbatanas estreitas como o Metriorhynchus nadavam pelo Atlântico Norte durante o período Jurássico. E uma multidão de herbívoros e onívoros vivia junto com os dinossauros e, em alguns casos, sobreviveu a eles por milhões de anos.
Os crocodilos também são membros da grande linhagem Archosauria, um grupo que inclui pterossauros endotérmicos, dinossauros e aves. As pistas para esse relacionamento são encontradas em sua anatomia, disse Roger Seymour, biólogo evolucionário da Universidade de Adelaide, na Austrália. Os crocodilianos podem adotar uma postura com membros mais retos que outros répteis, têm moela, um coração de quatro câmaras e um sistema respiratório parecido com o das aves.
Muitos pesquisadores consideram que essas características mostram que os crocodilos modernos (completamente ectotérmicos) são uma relíquia da transição dos répteis de sangue frio para os dinossauros e os pássaros endotérmicos, um ponto de vista fortalecido quando os paleontólogos começaram a aceitar a ideia de dinossauros de sangue quente.
Mas outros argumentaram que os crocodilos poderiam estar mais perto da endotermia do que se suspeita. O coração dos crocodilianos foi uma pista vital. Pesquisadores como Christina Bennett-Stamper, microscopista da Agência de Proteção Ambiental, descreveram um processo pelo qual os embriões do jacaré desenvolvem uma abertura única pouco antes de saírem do ovo, o que permite que o sangue contorne o pulmão. O processo transforma "um coração endotérmico em um ectotérmico", disse Seymour.
Essa e outras linhas de evidência levaram Seymour e Bennett-Stamper a escrever um trabalho em março de 2004 argumentando que os crocodiliformes ancestrais não eram apenas uma etapa para chegar aos integrantes de sangue quente do grupo Archosauria, como os dinossauros e os pássaros: eles próprios tinham sangue quente.
Isso levantou a pergunta de quão antiga é a endotermia entre os Archosauria. Se os ancestrais dos crocodiliformes tivessem um metabolismo elevado, então os primeiros provavelmente também o tinham.
Em 2016, Cubo decidiu tentar determinar uma data. Começou a vasculhar as coleções do Museu Nacional de História Natural da França em busca do parente Archosauria mais antigo que pudesse encontrar. Ele pegou o Azendohsaurus, um herbívoro triássico cujo crânio já havia sido erroneamente identificado como pertencente a um dinossauro primordial.
A fim de obter uma noção do metabolismo do Azendohsaurus, Cubo e seu colega, Nour-Eddine Jalil, pegaram fatias do osso e examinaram sua estrutura microscópica. Os pesquisadores também examinaram 14 integrantes do grupo Archosauria relacionados, além de dados teciduais e metabólicos de espécies vivas, incluindo anfíbios, lagartos, tartarugas, crocodilos, mamíferos e aves.
Para sua surpresa, os investigadores descobriram que o Azendohsaurus provavelmente tinha um metabolismo de repouso significativamente maior que o da maioria dos ectotérmicos vivos, e semelhante ao de mamíferos e aves atuais.
Isso sugeria que os parentes Archosauria do fim do período Triássico já tinham sangue quente, potencialmente levando as origens da endotermia na família para o período Permiano, mais de 260 milhões de anos atrás.
"Os primeiros crocodiliformes eram provavelmente terrestres e de sangue quente", disse Cubo.
Mesmo concordando em grande parte com a pesquisa, Seymour é mais comedido sobre se os primeiros crocodiliformes eram de fato endotérmicos.
"Vários paleofisiologistas estão satisfeitos com a ideia de 'mesotermia', que é um estado de maior taxa metabólica, mas não tão alto quanto o de pássaros e mamíferos vivos", disse ele.
Christopher Brochu, paleontólogo da Universidade de Iowa, também está cauteloso. É verdade que os fósseis sugerem que os animais "se moviam mais rapidamente que seus parentes vivos, o que implica uma taxa metabólica um pouco maior e, possivelmente, uma posição no espectro mais distante da linhagem de sangue frio do que os crocodilianos modernos", disse ele.
Mas isso pode não significar que tivessem sangue quente, acrescentou Brochu. O clima mais quente do fim do período Triássico e início do período Jurássico pode ter ajudado a impulsionar o metabolismo dos primeiros parentes dos crocodilos sem a necessidade de um metabolismo totalmente endotérmico. Lagartos que vivem em climas quentes, por exemplo, podem facilmente superar a maioria dos seus predadores mamíferos, como qualquer um que já perseguiu um deles pode testemunhar.
Sangue frio ou quente não são categorias fixas – elas são as extremidades de um espectro. Alguns animais estão mais próximos de uma das extremidades, e outros estão mais para o oposto.
CHRISTOPHER BROCHU
paleontólogo, Universidade de Iowa
"Sangue frio ou quente não são categorias fixas – elas são as extremidades de um espectro. Alguns animais estão mais próximos de uma das extremidades, e outros estão mais para o oposto", disse Brochu.
Durante a Era Mesozoica, linhagens múltiplas de crocodilianos retornaram à água. Entre eles estava o voraz Deinosuchus, assim como os antepassados de crocodilos modernos. Essa transição de animais terrestres ativos para predadores semiaquáticos é provavelmente o motivo pelo qual os crocodilos modernos desenvolveram um estilo de vida que pende mais para o sangue frio, de acordo com Seymour.
"As vantagens são enormes", disse ele. Com um metabolismo lento, os crocodilos podem jejuar por meses, podem prender a respiração por muito tempo e não têm de gastar energia para se manter quentes em meio ao tremendo poder refrigerador da água. Um metabolismo mais lento ajuda os aligátores a hibernar no inverno e os crocodilos de água salgada a atravessar correntes oceânicas por centenas de quilômetros.
Tal metabolismo "é uma adaptação bastante boa em um ambiente ou situação de alto estresse, em que talvez estar debaixo d'água pudesse proporcionar mais segurança", disse Marisa Tellez, parasitologista de crocodilos da Universidade da Califórnia, em Santa Barbara.
Quais seriam essas situações de alto estresse? Os horrores da extinção em massa do Cretáceo, que eliminou a grande maioria da família crocodiliforme.
Há uma noção persistente de que os crocodilianos evoluíram lentamente e não mudaram muito, observou Brochu. Na verdade, os crocodilos e seus parentes mudaram tanto quanto qualquer outra linhagem de animais, respondendo a um mundo em mudança.
"Estou sempre tentando desbancar o mito de que 'os crocodilianos são fósseis vivos'", afirmou ele.
Por Asher Elbein