Há 67 mil anos, a ilha de Luzon, onde hoje fica a capital das Filipinas, era habitada por um misterioso parente dos seres humanos que parece ter combinado traços similares aos do Homo sapiens com outros bem mais primitivos.
A criatura, batizada de Homo luzonensis, acaba de ser apresentada à comunidade científica internacional em artigo na revista especializada Nature. O trabalho é assinado por Florent Détroit, do Museu do Homem de Paris, e Armand Salvador Mijares, da Universidade das Filipinas.
Se a análise dos restos mortais do Homo luzonensis descobertos até agora estiver correta, a descoberta indica que as ilhas do Sudeste Asiático funcionaram como um grande laboratório da evolução dos hominídeos (ancestrais e parentes próximos do homem) até épocas muito recentes do ponto de vista geológico.
Com efeito, a espécie filipina não é o primeiro caso de hominídeo peculiar a dar as caras nessa região do planeta. Na década passada, os estudiosos da evolução humana foram pegos de surpresa com a descoberta do chamado "hobbit" da ilha de Flores, na Indonésia.
Tal como a raça de seres diminutos de O Senhor dos Anéis, o "hobbit" indonésio media apenas 1,10 m, segundo seus descobridores. Batizado de Homo floresiensis, ele teria vivido entre 200 mil e 50 mil anos atrás, fabricando instrumentos de pedra e caçando parentes anões dos elefantes.
Os achados em Flores não foram aceitos de modo unânime – alguns pesquisadores passaram a defender a ideia de que os indivíduos da ilha não passavam de seres humanos modernos com alguma deficiência grave, como microcefalia. Mas os novos fósseis filipinos parecem indicar que a situação na Indonésia se repetiu em outras ilhas do Pacífico tropical.
Isso porque, tal como os "hobbits", os sujeitos filipinos achados na caverna de Callao parecem ter sido pequeninos. Até agora, foram desenterrados apenas 13 pedaços da anatomia da espécie – principalmente dentes, além de ossos das mãos e dos pés e um pedaço do osso da coxa. Já é o suficiente, no entanto, para estimar que os restos correspondem a pelo menos três indivíduos.
Comparados com os nossos, os dentes supracitados são minúsculos, apesar de compartilharem algumas características com os do Homo sapiens e de uma espécie ancestral, o Homo erectus, que viveu a partir de 1,8 milhão de anos atrás. O detalhe anatômico que mais chama a atenção, no entanto, é o formato de um osso dos dedos dos pés.
Ocorre que esse osso é curvado, e não relativamente reto, como acontece com os seres humanos modernos. Na verdade, a estrutura é semelhante ao que se vê em esqueletos de australopitecos, os "homens-macacos" africanos mais primitivos que, pelo que sabemos, acabaram dando origem ao nosso gênero, o Homo.
Acredita-se que tais ossos fossem curvados porque os australopitecos ainda eram capazes de passar certo tempo nas árvores, tal como os grandes símios dos quais descendiam, ou então simplesmente porque tinham retido parte das características anatômicas ancestrais.
É bem mais estranho, no entanto, encontrar esse mesmo traço, bem como o peculiar mosaico de anatomia moderna e primitiva, nos ossos do Homo luzonensis – e coisas parecidas também são vistas no esqueleto do "hobbit" da ilha de Flores, embora os detalhes de cada espécie sejam bem diferentes entre si.
Como explicar, então, a convergência entre as duas versões "de bolso" dos hominídeos? Em tese, o tamanho diminuto é o mais fácil de entender. Animais de grande porte costumam ser "miniaturizados" em ilhas após milhares de anos, já que os recursos mais limitados desse tipo de ambiente levam a seleção natural a favorecer corpos menores e que exigem menos alimento. Existiram diversas espécies de elefantes pequeninos nas ilhas do Mediterrâneo, por exemplo. Assim, isolados, ambos os hominídeos teriam se tornado nanicos.
O mais difícil é saber qual forma ancestral deu origem aos dois. O candidato mais óbvio é o Homo erectus, que já foi encontrado em boa parte da Ásia e, inclusive, na própria Indonésia. Pelo que se sabe, ele foi o primeiro hominídeo a deixar o berço africano do grupo. Mas os traços primitivos das formas anãs, que lembram australopitecos, poderiam sugerir que alguma espécie menor e mais antiga poderia ter feito a jornada rumo à Ásia de forma independente. Só mais estudos – e, de preferência, mais fósseis – permitirão desfazer o mistério.