Os jogos desenvolvidos pela Rockhead Games para aparelhos móveis já não cabem nos celulares e tablets para os quais foram desenvolvidos. Criados a partir do universo Starlit Adventures, espécie de mundo imaginário, com identidade, personagens e cenários próprios, os jogos da pequena empresa instalada no Parque Científico e Tecnológico da PUCRS (Tecnopuc), em Porto Alegre, vêm dando saltos gigantescos em todas as direções.
Geograficamente, os games free-to-play (do inglês, "gratuito para jogar") da Rockhead atravessaram o planeta e invadiram a China, que atualmente responde por cerca de metade dos seus fãs – o aplicativo mais recente, também chamado Starlit Adventures, já ultrapassou os 10 milhões de downloads. No campo midiático, os jogos não só aparecem nas telas dos mobile gadgets, mas também ilustram histórias em quadrinhos, estão disponíveis na Apple TV – um tipo de Netflix voltado a usuários de aparelhos da empresa fundada por Steve Jobs – e em breve ganharão versão para o console Playstation 4 (ou, simplesmente, PS4).
Pensa que acabou? O melhor talvez ainda esteja por vir. No próximo sábado, o Archery Club, mais novo jogo – baseado no clássico arco e flecha – do universo Starlit Adventures, poderá ser escolhido um dos três melhores games desenvolvidos em 2017 por estúdios independentes – leia-se, de pequeno porte – do continente. Um dos 15 finalistas do Festival de Indie Games do Google Play América Latina, o app tem a possibilidade de conquistar ainda mais visibilidade, a partir da divulgação mundial nas plataformas da Google. Os ganhadores serão anunciados na sede da multinacional norte-americana, em São Paulo.
— Já me sinto um vencedor — comenta Christian Lykawka, um dos fundadores da empresa, imediatamente assessorado pelo produtor Rodrigo Scharnberg.
— Todo dia, entram 600 jogos diferentes na loja de aplicativos do Google. Por ano, são 219 mil. E nós estamos entre os 15 melhores — orgulha-se Scharnberg, pouco antes de interromper a entrevista para ler um e-mail da Sony, gigante japonesa da área de mídia e entretenimento, confirmando a parceria para o lançamento do Starlit Adventures para o PS4, um dos principais consoles da atualidade, ao lado do Xbox One, da Microsoft.
Destaque garantido nos canais do Google
Mesmo que não fique entre as três melhores, a Rockhead Games já tem o que comemorar. A presença entre os 15 finalistas já garantiu a inclusão do Archery Club com destaque nas lojas Google Play das Américas, da Europa e do Oriente Médio por um mês, a promoção do jogo nos canais Android Developer e Google Play Developer e um Chromecast, aparelho que transporta conteúdos dos dispositivos móveis para a TV, sem a necessidade de cabos.
Se figurar entre os três melhores jogos do continente — os games serão apresentados a um júri de especialistas, que escolherão e anunciarão os vencedores —, o Archery Club ganhará destaque premium nos canais do Google voltados a jogadores e desenvolvedores e ainda garantirá à empresa uma TV Android, aparelho mais conectado e inteligente do que as já conhecidas smart TVs.
Lançado em novembro passado, o Festival de Indie Games do Google Play América Latina tem quatro brasileiros entre os finalistas – além do Archery Club, são eles o Mini Ini Mo, o Shake Ninja e o Westy West. Eles disputam os prêmios principais com representantes de outros sete países: Argentina, México, Paraguai, Chile, Uruguai, Colômbia e Guatemala.
Imagem dos personagens é aposta econômica
Quando criança, Christian Lykawka, um dos fundadores da Rockhead Games ao lado de Fernando D'Andrea, sentia os olhos brilharem ao ver o pai e o tio jogarem arrastadas partidas de tênis no Telejogo, um dos primeiros consoles de videogames, lançado em 1977 pela Philco. Com uma interface simplória e até infantil se comparada aos avançados designs atuais, o brinquedo era coisa de gente grande, lembra Lykawka – enquanto os traços que representavam cada um dos players se movimentavam na tela e batiam na bola quadrada (de tão pixelada), fazendo-a passar para o lado do oponente, as crianças, em geral, apenas assistiam.
Vem daí o interesse de Lykawka, hoje com 42 anos, pelos games. Aos 12, assim que ganhou o primeiro computador pessoal, ele desenvolveu o primeiro jogo, semelhante aos disponíveis no Telejogo que tanto marcara a sua infância. Em 1996, dois anos antes de formar-se em Ciências da Computação pela PUCRS, Lykawka criou um dos primeiros games brasileiros desenvolvidos para computadores, o Guimo, disponibilizado em CD-ROM e compatível com o então Windows 95, da Microsoft.
Diferentemente da maioria dos jogos criados por empresas orientais, os jogos free to play da Rockehad não apresentam propagandas, o que dificulta a sua monetização e, por consequência, a manutenção financeira do estúdio. Segundo Lykawka, os games gratuitos garantem aos players acesso à maior parte dos recursos, mas também oferecem a possibilidade de comprarem poderes especiais, o que facilita o caminho para avançarem de fase ou para derrotarem os adversários – muitos jogos são disputados online por duas ou mais pessoas.
Segundo ele, apenas 2% a 3% dos jogadores adquirem os diferenciais oferecidos nos games. A receita da empresa, então, é incrementada com o licenciamento dos jogos para outras mídias, como as histórias em quadrinhos, a produção de séries para a TV e a disponibilização dos jogos em consoles como o PS4. Mas o que torna os games interessantes para todas essas alternativas de monetização é a construção de personagens conhecidos entre os aficionados – um caso clássico é Super Mario Bros, disponível em multiplataformas e com a imagem licenciada para inúmeros itens de consumo –, o que começa com a disseminação dos jogos de forma gratuita. No universo Starlit Adventures, as maiores apostas neste sentido são os coloridos heróis Bo e Kikki.
— Temos a preocupação de fazer de cada jogo o mais universal possível. As histórias, piadas, tiradas, tudo precisa ser entendido em qualquer lugar do planeta. E este é um grande desafio — explica Lykawka. — Uma coisa importantíssima pela qual zelamos em todos os jogos é que não haja violência. O conteúdo deve ser adequado para ser consumido por crianças.
Com 12 pessoas trabalhando diretamente na sede e cerca de 40 atuando de forma remota como roteiristas, dubladores e profissionais de apoio, a Rockhead Games garante que, se parasse hoje de desenvolver novas ideias de projetos, teria trabalho a fazer pelo menos até 2020.
— Abrimos seleção para a contratação de cerca de 40 artistas para o desenvolvimento de arte 3D e recebemos currículos de vários países, como Chile, Argentina e até Estados Unidos — celebra o produtor Rodrigo Scharnberg.