"Chorei duas vezes assistindo a Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge. Não, minto. Foram três vezes".
Ticiano Osório em "O Cavaleiro das Trevas Ressurge encerra trilogia do Batman com emoção"
E lá estava eu, agarrado ao controle, tentando em vão segurar minhas lágrimas durante o que parecia ser o último diálogo entre um robô e seu oficial, ambos a flutuar pelo espaço. Admito, nutro uma estranha simpatia por entidades artificiais dotadas de emoções humanas. É algo que me toca profundamente há muito tempo. Desconheço a razão, mas sei que é assim. Só não esperava ter esse tipo de emoção desperta em um Call of Duty. Aliás, não esperava ter nenhum tipo de reação ao jogar Infinite Warfare, o mais recente capítulo do blockbuster da Actvision.
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Mas acabei arrebatado. Não apenas por causa da cena rascunhada acima – que mais não entrego para evitar algum spoiler eventual –, mas pela totalidade do jogo. Infinite Warfare é uma bonita, emocionante e dinâmica obra de jogatina eletrônica, muito (mas muito) superior aos seus antecessores desde que Call of Duty começou a mirar o futuro das guerras em Black Ops II.
O roteiro é simples. Temos, como de praxe, duas facções em guerra. Uma delas, um grupo de renegados baseado em Marte que juntou uma força bélica e pretende tomar a Terra. A outra, claro, está lá para defender nosso planetinha, uma espécie de OTAN do espaço. O líder rebelde é representado pelo (extremamente sub aproveitado) ator Kit Harington, mais conhecido como Jon Snow da série Game of Thrones. O jogador encarna o capitão Nick Reyes, vivido pelo ator Brian Bloom (também responsável pelo roteiro).
Iniciada a ação, o jogador é apresentado ao básico de Call of Duty: corra, atire, se esconda, avance, e atire mais. No meio do caminho, recolha as armas dos inimigos ou encontre-as em esconderijos para ir compondo seu próprio arsenal – uma alternativa interessante ao inúteis colecionáveis das versões anteriores. Primeiro ponto para IW.
Você é um milico padrão do cinema americano, dividido entre o cumprimento irrestrito das ordens do alto comando e um ou outro ato de desobediência necessária para cumprir as missões. Ao seu lado, uma equipe que serve de espelho para as emoções do personagens – e aí temos um ótimo segundo ponto a favor de Infinite Warfare, que lançou mão de um expediente pouco usado em narrativas do tipo.
Terceiro ponto a favor de IW: a partir de determinado ponto, você escolhe como quer avançar no jogo. Abre-se um mapa com um objetivo final e vários secundários. Posso estar enganado, mas esse tipo de liberdade é inédita em Call of Duty. As side quests são poucas, mas deliciosas. É através delas que se conquistam melhorias, equipamentos e fica-se sabendo mais da história daquele universo.
A construção de IW segue o padrão de excelência da Infinite Ward, que tenta ao máximo imaginar um futuro possível, tanto de equipamentos quanto de construções e veículos. E acho que dá para dar certo crédito aos seus futurologistas, já que IW está mais para ficção científica do que para fantasia – o contrário do que ocorreu com os jogos anteriores.
Mas o que realmente me chamou a atenção foi a carga emocional de Infinite Warfare. Os laços entre os personagens são tanto construídos ao longo da ação, nos campos de batalha, quanto fora, durante cutscenes, diálogos travados pelos corredores das espaçonaves ou na leitura dos arquivos. Há uma história anterior que une cada um daquele grupo. São soldados e precisam tomar decisões difíceis normalmente em condições pouco favoráveis, mas são também humanos. Era dessa humanidade que eu andava sentindo falta em Call of Duty. Personagens que me convencessem de que aquilo ali não é apenas um jogo. De que há algo mais em jogo.
Videogames existem para divertir, claro. Mas como qualquer produto cultural, eles também tem (ou deveriam ter) um propósito maior, de mexer com quem está diante dele. Quero rir, quero chorar, quero sentir raivar, quero ter esperança e quero me frustrar da mesma forma que acontece com filmes, livros ou séries. Se for para ter apenas meus reflexos desafiados, fico no Tetris para sempre.
Óbvio que ninguém (ou bem pouca gente) espera algo assim de Call of Duty. A franquia é um mastodonte da jogatina online, seu multiplayer é a joia da coroa da indústria dos videogames, quer dizer, não haveria porque se preocupar em oferecer algo além de controles bem calibrados para tiroteios eletrizantes.
Mas Infinite Warfare decidiu ir além. Decidiu transformar um enredo simples em um bonito drama sobre auto sacrifício, coragem e amizade. Decidiu mexer com as emoções de quem está jogando. A vida voltou a pulsar em Call of Duty. E o meu coração bobão agradece.
A versão testada de Call of Duty – Infinite Warfare foi para PS4, com um código de acesso antecipado enviado pela Actvision.