No boom de fenômenos como Pokémon Go, geralmente surgem inúmeras razões para explicar o sucesso, mas poucas para indicar o que leva outros a odiarem tanto. A popularidade de um produto pode ser, em certos casos, associada a grandes campanhas de marketing. O que Pokémon Go, tido como um dos mais bem sucedidos jogos para smartphones, reforçou, no entanto, é que unir uma novidade tecnológica a fortes elementos sociais e a uma pitada de nostalgia pode alavancar um jogo a uma febre mundial e garantir à empresa criadora uma economia gigante em campanhas publicitárias. Basta lança-lo às garras das redes sociais.
Os responsáveis por espalharem Pokémon Go pelo mundo foram as próprias pessoas, por meio do boca a boca. No Brasil, o game foi ansiosamente esperado por milhares de jogadores que, por quase um mês, ficaram sedentos pelas informações de lançamento. Mas junto à empolgação de caçar bichinhos pelas ruas, surgiram também os que não acharam graça nenhuma no frenesi todo em torno do game.
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– O boca a boca é 10 vezes mais poderoso do que a publicidade tradicional. Conseguir que as pessoas conversem e compartilhem é uma arma poderosíssima. As pessoas gostam de discordar. Quanto mais popular algo fica, mais gente vai tomar o lado oposto para criticar – diz Jonah Berger, da Wharton School da Universidade da Pennsylvania e autor dos best-sellers Contágio: Por que as Coisas Pegam.
Um dos primeiros a criticar o Pokémon Go publicamente foi o cineasta Oliver Stone, durante a Comic Con, em San Diego. O vencedor de três estatuetas do Oscar opinou que o jogo seria uma forma de autoritarismo por causa da sua política de privacidade. O aplicativo coleta os dados de jogadores como a geolocalização e informações sobre a conta do Google: "Isso é o que algumas pessoas chamam de capitalismo de vigilância. É o seu novo palco", disse no evento.
As críticas e elogios ao Pokémon Go que jorram pelas redes sociais são diversas: "Há coisas mais úteis para se fazer". "O jogo me tirou de casa, fez eu me exercitar." "Todo mundo vai ficar alienado." "Estou mais consciente do que tem ao redor do meu bairro".
A colunista de tecnologia e cultura do jornal britânico The Guardian Leigh Alexander, em um dos seus últimos textos, teceu a opinião de que no atual mundo perverso, precisamos escapismo mais do que nunca. E é isso que Pokémon Go proporciona, segundo ela. Em meio a tanta exposição a notícias ruins que são ampliadas pelas redes sociais, o mundo mágico que alia realidade à mágica do mundo paralelo do game pode não ser tão ruim assim. E é exatamente essa fuga da realidade que é uma das críticas mais usadas por quem não gosta do jogo: "Enquanto alguns pegam Pokémon, outros não conseguem pegar um emprego". "Há tantas crianças para ajudar e tem gente perdendo tempo com isso."
– Esse tipo de polarização é um comportamento tradicional quando um fenômeno é caracterizado por uma febre. Nem o lado que está jogando e o que está criticando entendem de fato a razão por trás disso tudo. O produto imerge com sistemas neurais, que produzem prazer imediato em quem está jogando, somos guiados por esse prazer – explica o especialista em comportamento de consumo da ESPM São Paulo Fabio Mariano Borges.
Mariano compara o momento aos lançamentos de produtos como os da Apple, quando as pessoas acampam em frente à loja para comprarem as novidades. O sociólogo cita os trendsetters – lançadores de tendências – que lideram tanto um movimento de desdém quanto de agitação em torno de um item de consumo.
– Há pessoas que querem se sentir exclusivas para todos os lados. Seja o que jogou primeiro ou o que não quer jogar – diz Mariano.
Mas a febre pode esfriar logo. Uma pesquisa feita em 2009 e liderada por Jonah Berger indica que produtos que crescem muito rapidamente tendem a morrer rapidamente também e sair do gosto popular de forma mais rápida. Em entrevista ao Wall Street Journal, Berger comentou que, afinal, nem todo mundo quer se render às modinhas: "As pessoas querem ser únicas".
– Em termos de reação das pessoas, é parecido com o que aconteceu quando surgiu o Pokémon (na década de 1990). Havia entusiasmo de um lado e de outro, preocupações histéricas dos que não eram interessados. A crítica vinha da maior parte por pessoas mais velhas, o que me lembrou muito de uma época em que jovens que gostavam de rock n'roll eram malvistos pelos seus pais e pela sociedade – comenta Joseph Tobin, professor da Faculdade de Educação da Universidade de Georgia que dedicou-se a organizar um livro sobre Pokémon.
Na obra Pikachu's Global Adventure: The Rise and Fall of Pokémon (A aventura global de Pikachu: O Triunfo e a Queda de Pokémon, em tradução livre), Tobin e outros autores analisam os produtos da franquia sob perspectivas sociais e antropológicas. No ano em que a obra foi lançada, em 2004, o americano via que as crianças estavam se desfazendo das suas cartas de Pokémon nos brechós de garagem das famílias. Enfim, elas haviam perdido o interesse naqueles personagens.
– Nem eu previ que teria essa volta com o jogo Pokémon Go. As pessoas que têm 20 e poucos ou 30 anos e cresceram com a franquia têm essa nostalgia, querem viver novamente alguns aspectos da sua infância. É mais ou menos quem faz festas com temáticas dos anos 80 e 90 hoje – analisa.
Tobin, ao falar do jogo, foca bastante nos aspectos positivos do game. Ele frisa que Pokémon Go é democrático: tem apelo para ambos os sexos e promove a interação social com realidade aumentada de uma forma acessível e divertida.
– É como se as pessoas que fizessem essa crítica fossem produtivas o dia inteiro. Elas veem apenas os hobbies das outras pessoas como uma perda de tempo, nunca os delas – completa o professor da Universidade da Georgia.
Mas essa não é a opinião do jornalista e ensaísta britânico Sam Kriss. Ele, que baixou e jogou Pokémon Go, não achou divertido nem nada disso do que os amantes do game falam. Na revista Jacobin, ele publicou uma crítica urgindo as pessoas à resistirem ao fenômeno. O argumento é que o objetivo do jogo é obedecer e não criar. As pessoas são direcionadas a pontos já específicos, não há espaço para trilhar o próprio caminho. Os jogadores são atraídos aos locais escolhidos com base em um satélite que mapeia as regiões. Se os criadores quisessem enviar as pessoas para baixo de abismos, elas iriam, diz Kriss. À ZH, ele comentou o texto por mensagens diretas no Twitter.
– Eu discordo da ideia de que tudo tem que ser útil o tempo todo, há importância genuína em achar coisas a fazer que não estão sujeitas à produtividade. Meu argumento não é que Pokémon Go é estúpido e distrai as pessoas do trabalho e da política, mas ao contrário: não é divertido e reproduz algumas estruturas do próprio trabalho ao invés da brincadeira – escreve.
Para Ieda Rhoden, doutora em ócio e potencial humano, o tipo de sociedade em que vivemos, que valoriza muito o trabalho produtivo, leva às críticas ao estilo "sempre há coisa melhor para fazer" ou "vá trabalhar". Os que admitem que querem um tempo para si, por exemplo, fora do trabalho produtivo são muitas vezes censurados, diz a psicóloga.
Mas ainda que essa ideia de que diversão não precisa ter uma utilidade produtiva, ela questiona os ganhos reais de alguém que joga Pokémon Go.
– Esse jogo tem uma dimensão lúdica e também de escapismo. Tudo que é virtual é uma faceta do mundo ideal. Esse é um jogo lúdico, divertido e nesse aspecto é positivo. Pode-se avaliar se outras atividades como cozinhar ou jogar futebol oferecem mais ganhos cognitivos, sociais e emocionais, mas não posso condenar alguém por jogar, a não ser que ela se prive de outras coisas por causa do jogo – diz Ieda Rhoden, doutora em ócio e potencial humano.
Para ela, a preocupação deve recair sobre o tempo e a diversidade de atividades de quem gosta de jogar. O limite é que vai definir o quão a atividade é nociva. Se a diversão recai apenas em jogar Pokémon Go, o alerta vermelho deve ser acionado.
– Para mim, que sou uma pessoa que gosta de sair e estar com pessoas, talvez não tenha muitos ganhos. Mas para um autista, ou uma pessoa com depressão, se o jogo fizer ela sair de casa, isso é muito bom – avalia.
Esse exemplo tem demonstrações reais. Em hospitais nos Estados Unidos, crianças são incentivadas a saírem das camas e brincarem com Pokémon Go.
– A tecnologia nunca é a culpada, depende de como utilizamos. Somos surpreendidos com novas ações tecnológicas a todos os instantes das quais não estamos acostumados. Já sabemos como tratar o alcoolismo, como administrar outros vícios, mas ainda não a tecnologia. E não é só com o jogo, tem pessoas que não ficam reféns do WhatsApp, das redes sociais. Temos que apreender a administrar – comenta Mariano.
O psicólogo e professor da Unisinos Daniel Abs avalia que esse jogo expõe também pode expor as diferenças entre as gerações. As críticas, geralmente, são tecidas pelos mais velhos. Daniel Abs, professor da psicologia da Unisinos
– O jogo não precisa ter uma utilidade. O legal do jogo é brincar mesmo. A proposta é interessante, que é de explorar os espaços da comunidade, de conhecer o bairro. Brincar na praça para uma geração dos nativos digitais tem outra representação, eles exploram os espaços de outra maneira. Olhar como melhor ou pior não vai levar a lugar nenhum– diz
As comparações não param por aí. Abs comenta que há um certo estigma em torno dos jogadores, que não são vistos com seriedade por quem não gosta de jogos eletrônicos. Treinadores de Pokémon Go são muitas vezes, nas redes sociais, sugeridos a adotarem a leitura ao invés de jogarem. Pesquisa do Ibope encomendada pelo Instituto Pró-Livo e divulgada em março deste ano revelou que 44% dos brasileiros não leêm e 74% revelam que não compraram algum livro nos últimos 3 meses – seja impresso ou em formato digital.
– Ler e jogar são atividades distintas, com propostas diferentes, de produção e de lazer. A criança tem de potencializar diversos espaços, a leitura é muito importante, ainda mais em um país onde se lê pouco, mas a ordem de pensamento feita no jogo também é interessante– afirma.