O enfrentamento à violência de gênero em contextos de crise climática — como as cheias que atingiram o RS nesse ano — foi o tema de um encontro realizado na tarde desta terça-feira (5), em Porto Alegre. A representante do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), braço humanitário da ONU, Florbela Fernandes, foi convidada a falar sobre Direitos Humanos e estratégias de prevenção às violências. A atividade ocorreu no espaço BASE Workspace, no bairro Cidade Baixa.
Florbela tem mestrado pela Universidade do País de Gales, no Reino Unido, em Planejamento e Gestão do Desenvolvimento Social e bacharelado em Serviço Social pela Universidade do Zimbábue. Ela conta que já atuou em crises humanitárias, inclusive em contextos de guerra, em países como Moçambique, Haiti e Panamá.
Segundo ela, durante esses eventos extremos, os direitos humanos correm maior risco de violação. Por isso, é preciso que as pessoas que atuam no apoio aos sobreviventes — a quem ela ressalta que não devem ser chamados de vítimas — estejam atentos aos cuidados e necessidades de cada grupo.
— Nós vemos, infelizmente, que em tragédias humanitárias, a violência contra mulheres e contra meninas tende a crescer. Então, nós precisamos, inicialmente, capacitar a todos os profissionais que têm acesso a esses abrigos, para assegurar que eles não perpetuem esse ciclo da violência. Mas também precisamos treiná-los para providenciar uma resposta que seja digna, que seja respeitosa, que esteja de acordo com os direitos humanos — explica Florbela.
Além de orientar profissionais, o UNFPA também oferece os chamados kits de dignidade, que contam com insumos de higiene pessoal e cuidados íntimos às sobreviventes.
— Muitas vezes, as pessoas permanecem em abrigos por muito tempo. Temos a preocupação de pensar naquilo que é a dignidade das mulheres e das adolescentes. Muitas meninas adolescentes começam o seu ciclo menstrual perante uma crise humanitária e precisam receber informações, precisam ter acesso a produtos de higiene para se manter durante esse período — pontua.
Guia para crises humanitárias
Durante o evento, foi lançado o Guia de Enfrentamento à Violência Baseada no Gênero no Contexto de Emergência Climática do Rio Grande do Sul. O material tem 40 páginas e foi elaborado pelo UNFPA com apoio do Governo do Estado e do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. A ideia para a publicação surgiu a partir do surgimento de casos de violência registrados em abrigos durante as enchentes no RS.
A cartilha tem o propósito de orientar profissionais e voluntários que atuam junto a grupos vulneráveis, como mulheres e crianças, durante situações de desastres ambientais e crises humanitárias. O material aborda temas delicados como violência doméstica e sexual. Nessa primeira tiragem, foram impressos mil exemplares, que serão distribuídos em locais onde ainda ocorrem atendimentos às vítimas das enchentes, como Porto Alegre e Vale do Taquari.
O secretário estadual de Desenvolvimento Social, Beto Fantinel, participou do evento e parabenizou a equipe do UNFPA pela construção do guia. Ele ressaltou que o material deve fortalecer a rede de atendimento e prevenir casos de violência de gênero.
— O lançamento do guia simboliza um trabalho na elaboração de um material que é construído sobre os nossos desafios culturais e territoriais, que vai permitir que a nossa rede de assistência social esteja apta para enfrentar esse tipo de situação. Para que possamos construir uma sociedade mais justa, mais humana, uma sociedade onde a gente possa enfrentar temas como esse que são, muitas vezes, um "não-assunto", um "não-tema" — diz o secretário.
O que o guia oferece
- Protocolos para atuação ética e sensível, assegurando a dignidade e segurança das sobreviventes;
- Orientações para a identificação e prevenção de riscos de violência;
- Princípios de segurança, confidencialidade e não discriminação para um atendimento humanizado;
- Diretrizes de articulação com a rede de proteção local para respostas integradas e sustentáveis;
- Boas práticas inspiradas em experiências nacionais e internacionais.
Violentômetro
O UNFPA também desenvolveu uma ferramenta chamada violentômetro para alertas às mulheres sobre comportamentos de homens que podem representar algum tipo de risco à sua segurança. Se trata de uma escala dividida em três níveis, com diferentes tipos de comportamentos e orientações.
No primeiro nível, de cor laranja, os comportamentos de risco começam em comentários ofensivos e escalam até chantagear. Nessa etapa, a orientação é: tenha cuidado, a violência está presente e continua a aumentar.
No segundo nível, com um tom alaranjado mais escuro, o primeiro comportamento é expor a vida íntima do casal, que escala até trancar. Neste patamar, a indicação é reaja, peça ajuda.
O terceiro nível, o mais grave, é construído em vermelho. Os comportamentos se iniciam em morder e escalam até feminicídio. Neste nível, a orientação é clara e objetiva: sua vida está em perigo, salve-se.
— Gritar, levantar a voz ou levantar a mão, algumas situações que aparentemente não seriam violências. Com esse violentômetro, as mulheres se identificam, elas procuram nossa ajuda. Então, a nossa equipe faz o acolhimento adequado, sem causar danos, e oferta para elas uma série de serviços para que, juntas, elas montem um plano de ação, para saber o que é que ela precisa fazer naquele momento da vida dela. Por exemplo, violência sexual, para onde é que eu vou? O que é que eu faço? — explica Patricia Melo, coordenadora técnica do UNFPA.