O Rio Grande do Sul foi o sexto Estado que mais notificou casos de agressão sexual contra meninas entre 10 e 14 anos em 2022. A informação foi obtida com exclusividade pela reportagem de Zero Hora junto ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A entidade produz, em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o relatório Atlas da Violência. O documento foi divulgado no último dia 18 e apontou a agressão sexual como o tipo de violência mais recorrente nessa faixa etária em todo o Brasil em 2022, representando quase metade dos casos.
Os indicadores mostram que, a cada mil meninas de 10 a 14 anos que viviam no Estado em 2022, 3,19 notificaram que sofreram algum tipo de agressão sexual. Houve um aumento de 372,8% no registro deste tipo de ocorrência entre 2014 e 2022 no RS.
Os Estados com mais notificações de agressões sexuais contra meninas desta faixa etária em 2022, segundo os dados, foram: Acre, Tocantins e Amazonas, seguidos por Roraima, Espírito Santo e Rio Grande do Sul.
Cenário por Estado
A maioria dos Estados registrou aumento nos casos notificados entre 2014 e 2022. O Acre, por exemplo, que lidera o ranking de notificações em 2022, registrou 0,08 casos a cada 1 mil meninas de 10 a 14 anos em 2014. O número saltou para 2,38 no último ano analisado pelo estudo. No RS, os casos passaram de 0,67 para 3,19 a cada 1 mil meninas desta faixa etária.
De acordo com a advogada e conselheira da ONG Themis, Carmen Campos, o aumento dos casos com o passar dos anos pode estar relacionado com o avanço dos sistemas de notificação de casos do tipo, além de uma histórica lacuna de políticas públicas contra violência sexual.
— Pode estar havendo um maior registro dos casos por um lado, e por outro, uma ausência de políticas de prevenção. A gente não tem, por exemplo, uma secretaria ou um organismo forte no Estado capaz de articular e promover essas políticas no âmbito interinstitucional. Ou seja, integrando todas as secretariais nesse sentido e pensando políticas de prevenção de forma estratégica — assinala.
Ela avalia que existem hoje diferentes artifícios que trabalham a prevenção da violência sexual, mas ressalta que eles são realizados, normalmente, de formas isoladas, dificultando o acesso total aos meios de proteção e prevenção.
— Uma das primeiras formas de detectar (a agressão), quando não há um registro, por exemplo, numa delegacia de polícia, é o comportamento das crianças nas escolas. Agora, para que a escola, as professoras possam detectar isso, elas precisam de uma formação, de uma integração com os conselhos tutelares. Para ajudar essas meninas a identificarem e saírem de uma situação de violência, a gente precisa de políticas integradas do governo e de uma articulação institucional. Olhar isso de uma forma mais integrada é o que vai propiciar a diminuição de novas violências — afirma.
Dados
Segundo Samira Bueno, uma das coordenadoras do Atlas da Violência e diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os dados usados no relatório e que foram informados à reportagem de forma exclusiva são provenientes do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde. A taxa populacional usada no estudo levou em consideração os números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Casos de violência autoprovocada não foram considerados.
— São dados trazidos da saúde. A interpretação do que é violência é feita por um profissional de saúde, seja da rede privada ou pública. Ele preenche uma ficha de notificação de investigação de violência que compõe esse sistema de notificação de agravos, que é o Sinan. Por lei, ao identificar uma situação dessas, esses profissionais devem notificar isso para o sistema — explica.
Os pesquisadores do Ipea destacam que muitos casos de violência são subnotificados, o que significa que os números apresentados por Estado podem ser ainda maiores. Eles também avaliam que essas taxas representam, para além da prática da violência por unidade federativa, um aumento na capacidade dos serviços de saúde de notificação deste tipo de ocorrência.
O delegado Raul Vier, do Departamento Estadual da Criança e do Adolescente (Deca), alerta que existem diversas formas de notificar e contabilizar casos de agressão sexual contra meninas. Algumas delas, seriam, por exemplo: denúncia anônima, disque 100, requisição da justiça, comunicação do conselho tutelar, registro no balcão da polícia. O Sinan, segundo ele, é apenas um recorte do cenário total.
O que revela o Atlas da Violência
De forma geral, o Atlas da Violência aponta que o Brasil registrou 221,2 mil casos de violência contra a mulher em 2022. A maioria das agressões ocorreu dentro de casa e em contextos intrafamiliares — 65,2% dos episódios têm esse perfil. Homens são os principais agressores.
O relatório também indica que, entre as vítimas de zero a nove anos, a violência mais frequente foi a negligência, com 37,9% dos casos, seguida de violência sexual, com 30,4%. Entre as vítimas de 10 a 14 anos, a violência sexual predomina. De 15 a 69 anos, a violência física é a mais comum. A partir dos 70 anos, a negligência volta a ser a forma de violência mais praticada.
Entenda os tipos de violência:
- Violência física: uso intencional de força física para ferir, lesar, provocar dor e sofrimento ou destruir a pessoa, deixando ou não marcas evidentes no corpo.
- Violência psicológica/moral: toda forma de rejeição, depreciação, discriminação, desrespeito, cobrança exagerada, punições humilhantes e utilização da pessoa para atender às necessidades psíquicas de outrem. Toda ação que coloque em risco ou cause dano à autoestima, à identidade ou ao desenvolvimento da pessoa.
- Violência sexual: ação em que uma pessoa, utilizando posição de poder e força física, coerção, intimidação ou influência psicológica, obriga outra a presenciar ou participar de interações sexuais, utilizar sua sexualidade para lucro, vingança ou outra intenção. Inclui estupro, abuso incestuoso, assédio sexual, sexo forçado no casamento, entre outros.
- Negligência/abandono: omissão de cuidados básicos necessários para o desenvolvimento físico, emocional e social da pessoa, como privação de medicamentos, cuidados com a saúde, higiene, proteção e estímulo educacional.
*Fonte: VIVA, instrutivo de notificação de violência doméstica, sexual e outras violências, do Ministério da Saúde
Como buscar ajuda
Em Porto Alegre, a Divisão Especial da Criança e do Adolescente (Deca) conta com um plantão 24h, na Avenida Augusto de Carvalho, 2.000, no bairro Praia de Belas. Todas situações de violência contra crianças e adolescentes podem ser registadas neste plantão. Canais de denúncia também podem ser acionados:
- Disque 100 (Brasília)
- Disque 181 (SSP)
- WhatsApp da Policia Civil do Rio Grande do Sul: (51) 98444-0606
- DPPA/DECA: 0800-6426400