Onde antes havia água, agora há lama, pilhas de móveis descartados e uma série de incertezas. Esse é o cenário que se vê pelas ruas de Porto Alegre onde a água começou a baixar, especialmente na Zona Norte.
Quem transita pelas principais vias da região, como as avenidas Farrapos, São Pedro ou Pernambuco, se depara com incontáveis portas violadas e vidraças estilhaçadas. Na maioria dos prédios e estabelecimentos comerciais, os proprietários ouvidos pela reportagem relataram que os danos foram causados pela força da água arremessada pelos motores de barcos e motos aquáticas que transitaram pela região durante as cheias.
Já em outros casos, os arrombamentos foram promovidos por criminosos que se aproveitaram da situação de calamidade para saquear o comércio local. Foi o caso da loja de vinhos e espumantes da empresária Ingrid Garcia Quevedo, 41 anos, que teve mais de 80% do seu estoque roubado além de computadores e eletrodomésticos.
Ela aproveitou o sol desta quarta-feira (22) para ir até a loja, que fica em uma das ruas em que a água ainda não baixou e segue acima dos joelhos, para começar a limpeza do local. Segundo ela, o prejuízo é calculado em, no mínimo, R$ 200 mil.
— O que me assombra é que durante a enchente nós estávamos a uma quadra e meia de onde estava a base da polícia e ainda assim eles conseguiram fazer isso. Eu fui alertada por vizinhos que a minha porta tinha sido arrombada e que tinham levado a minha mercadoria e fui até ali dias depois — relata.
A empresária diz que a sua esperança era poder vender a sua mercadoria para pagar os prejuízos da enchente, mas não poderá, porque foi roubada. Segundo ela, outros estabelecimentos da mesma rua também sofreram com arrombamentos. A invasão na sua loja foi registrada junto à polícia.
— Eu ainda não tive tempo de parar para chorar. Mas eu estou preocupada para saber como o governo vai fazer para ajudar as empresas — questiona.
Seguindo pelas ruas da Zona Norte, as cenas de destruição se repetiam. Em uma calçada da Avenida Farrapos, Bruno Lima, 30, trabalhava na limpeza da empresa de self storage (guarda volumes) que ele gerencia. A porta de entrada estava amassada e contorcida.
Segundo o gerente, foi a forma que ele encontrou para entrar no espaço. Mas a solução agora também era motivo de preocupação, pois assim como diversos estabelecimentos, a porta estava violada. Para se proteger, ele optou por contratar uma empresa de segurança privada — a mesma adotada pela concessionária que fica ao lado.
— Imediatamente após os primeiros dias dessa enchente, fomos obrigados a contratar uma empresa que tinha os equipamentos. A gente não tem visto policiamento. Hoje (quarta-feira) eu vi apenas uma viatura que passou por aqui de manhã. Como estamos sem energia elétrica, outros dispositivos de segurança como alarmes e câmeras também não funcionam, por isso precisamos muito de segurança — relata.
BM aponta queda na criminalidade
Segundo o comandante do Comando de Policiamento da Capital, coronel Luciano Moritz Bueno, desde o dia 5 de maio, foram confirmados 33 casos de furtos e arrombamentos registrados nas áreas de inundação. No entanto, ele explica que foram geradas 128 ocorrências, com 92 atendidas. Destas, 59 (46%) eram improcedentes e nada foi constatado.
Ele aponta ainda que houve uma redução de 68,42% nos roubos a estabelecimentos comerciais entre 1º e 21 de maio no comparativo de 2023 (19 casos) e 2024 (6 casos). Nos roubos a residência a queda foi de 44,44% no mesmo período.
— Recebíamos muitos chamados de arrombamentos, mas quando chegávamos nos endereços não encontrávamos essas situações. Às vezes, confirmava um ou outro. Mesmo com todo esse cenário que estamos vivenciando, nossos indicadores de segurança estão em queda — frisa o comandante.
Entre as medidas implementadas para fortalecer o policiamento nas regiões afetadas, a BM cancelou as férias de todos os militares. Além disso, foram realizadas ações com apoio de outras forças de segurança como Polícia Civil e Polícia Federal que também contam com agentes de outros Estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e Pará.
Moritz agradece o apoio dos agentes de outras localidades que apoiaram nos resgates e na proteção da comunidade, mas também reconhece o esforço dos civis voluntários que auxiliaram os militares durante as cheias. Ele reitera que há policiamento por terra e também em embarcações nas áreas que seguem alagadas, além dos bairros que não foram afetados pelas enchentes.
— Houve situações pontuais, mas infinitamente menores do que poderia ser. Seguimos focados na segurança das pessoas e na proteção do patrimônio — reitera.