Um homem de 62 anos é investigado por suspeita de crime sexual contra duas mulheres em Porto Alegre. Conforme os relatos feitos à polícia, os episódios teriam acontecido durante atendimentos em um centro religioso na Zona Leste, onde ele atua como pai de santo. Um inquérito foi aberto pela Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) da Capital para apurar possível violação sexual mediante fraude.
As duas mulheres conversaram com GZH sob a condição de manter o anonimato. O investigado, que não teve o nome divulgado, diz atuar como pai de santo há 36 anos e comanda um centro religioso na Zona Leste. Por meio de seu advogado, nega ter cometido os crimes (leia a nota da defesa ao final).
Segundo os depoimentos, em um dos episódios, o homem teria apalpado os seios de uma cliente, de 35 anos, durante um ritual que envolvia um banho. Em outro, o suspeito teria introduzido os dedos na vagina de uma mulher de 38 anos. O primeiro caso teria acontecido em novembro de 2023 e o segundo em janeiro deste ano — ambos foram registrados na Polícia Civil em janeiro.
Outras duas mulheres serão ouvidas nos próximos dias, explica a delegada Cristiane Ramos.
— Uma investigação foi aberta e está em andamento. Identificamos outras duas possíveis vítimas, que já foram intimadas e serão ouvidas nos próximos dias. A gente pede que, se mais pessoas passaram por algo semelhante durante atendimento com o homem, que nos procurem para dar mais informações.
As mulheres já ouvidas relatam que, nas ocasiões, o homem afirmou que os atos faziam parte do trabalho espiritual.
— O que aparece nos dois relatos se enquadra no que entendemos por violação sexual mediante fraude. É quando o agressor se vale de determinada situação, dando a entender que não está praticando ato sexual, e se aproveita. Faz a pessoa acreditar que aquilo faz parte do procedimento, que é algo normal, mantém a vítima em erro. Isso pode ocorrer durante uma sessão religiosa, uma massagem ou até uma consulta médica, por exemplo — explica Cristiane.
A delegada afirma que as mulheres alegam ter se sentido constrangidas durante o atendimento, mas que seguiram com a sessão por acreditarem no homem. Nos dias seguintes ao fato, continuaram sentindo-se desconfortáveis e buscaram conversar com pessoas da mesma religião, para entender se os toques feitos pelo pai de santo seriam normais, e receberam resposta negativa.
— Normalmente, o que ocorre é a vítima se sentir desconfortável com aquele cenário, mas só percebe que passou por um abuso ao buscar informações, refletir, conversar com pessoas do ramo, que entendem como deveria ter sido, o que pode e o que não pode. Só aí se dão conta. O relato das duas é neste sentido — pontua Cristiane.
A delegada orienta que, em caso de dúvidas sobre casos semelhantes, mulheres busquem orientação, inclusive junto à delegacia.
"Perdi a minha paz", diz vítima
Uma das mulheres que procurou a polícia conta que soube do trabalho do homem por meio de redes sociais em janeiro, e marcou consulta. Da primeira vez, ele teria jogado búzios. O suposto crime teria ocorrido dias depois, em um segundo atendimento, quando ela voltou ao centro a pedido do religioso, para um ritual.
Ao ingressar no local do atendimento, ele teria pedido que ela ficasse perto da parede, em pé. O suspeito teria trancado a porta do cômodo em seguida, e pedido que ela se despisse.
— Ele dizia o tempo todo "não fica com medo, é só uma troca de energia", para confiar nele. Que era para descarregar energias ruins, que precisava ter a troca da energia do homem e da mulher — relembra a vítima.
O homem teria apalpado o corpo da vítima e depois introduzido os dedos em sua vagina, violação que durou por alguns minutos.
— Ali entrei em choque, em pânico. Fiquei paralisada. Quando me dei por conta, tinha passado um tempo. Hoje, mais calma e amparada, sei que estava diante de um crime, mas fiquei um tempo sem entender o que tinha acontecido. Na hora a gente não se dá conta, está vulnerável. Eu perdi a minha paz — diz.
Dias depois, a mulher decidiu conversar sobre o caso com pessoas da mesma religião. Uma delas foi uma amiga, que atua como mãe de santo, e negou que o episódio fosse compatível com a prática. Na conversa, essa mesma amiga relatou que também já havia se consultado com o homem e que teve os seios apalpados durante um ritual que envolve banho.
Conforme essa segunda mulher, a consulta ocorreu em novembro do ano passado. Ela teria procurado o centro porque estaria em um momento vulnerável dentro de sua vida religiosa. O pai de santo afirmou que ela precisava "alinhar a energia" e que fariam um banho.
— Neste banho, a gente precisa ficar nua, mas é sempre uma mulher que atende mulher, e homem atende homem. Eu entrei numa sala e me despi. Quando vi que ele entrou também, eu fiquei em choque. Devo ter aparentado que estava constrangida, porque ele disse: "Tu confia no pai? Está tudo bem?". E eu confiava nele, eu acreditava. Foi algo chocante. Estou na religião há anos, sei que isso não é normal. Ele usou a religião para abusar de outra pessoa — conta a vítima.
Após do episódio, a mulher não procurou a polícia "por medo". Quando soube do relato da amiga, disse ter tomado coragem para registrar ocorrência.
— Ia registrar ainda em novembro, mas tive medo.
A mulher afirma que também buscou apoio psicológico e que teve a rotina alterada porque evita sair de casa, com medo de represálias.
As duas mulheres são atendidas pelo advogado Adão Paiani, que acompanha o andamento da investigação.
— As denúncias são graves e contêm todos os elementos que nos permitem entender o modus operandi do homem — afirmou o advogado.
Contraponto
O que diz a defesa do investigado
O advogado Cássio de Assis, advogado do suspeito, manifestou-se por meio de nota:
"Os fatos não são verdadeiros e serão devidamente esclarecidos ao longo da apuração da polícia. Ele aguarda ser chamado para prestar os devidos esclarecimentos. Outras informações não serão fornecidas em respeito ao sigilo das investigações."