Um termo que se popularizou como símbolo de enfrentamento ao assédio contra mulheres dá nome a uma nova lei nacional de combate a esse tipo de violência. O protocolo Não é Não, sancionado na semana passada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é voltado a locais como casas noturnas e shows. A lei passará a valer em todo o país 180 dias após a publicação, ou seja, no fim de junho. O principal objetivo é evitar que mulheres sejam alvo de constrangimento ou outras violências em ambientes nos quais sejam vendidas bebidas alcoólicas, entre eles, bares, festas e casas de espetáculos musicais.
Para que isso aconteça, esses estabelecimentos deverão seguir uma série de medidas, como capacitar algum integrante da equipe, prestar assistência às mulheres e preservar provas que auxiliem em investigações sobre o caso. Em suma, a legislação prevê que esses locais terão de cumprir obrigações para garantir que as mulheres se sintam seguras e contem com suporte caso passem por alguma situação de constrangimento ou violência. Caberá à própria mulher definir se foi vítima e, se ela decidir deixar o local, deverá ser acompanhada até o seu transporte.
O ambientes deverão manter, em locais visíveis, informação sobre a forma de acionar o protocolo Não é Não e os números de telefone de contato da Polícia Militar e da Central de Atendimento à Mulher — Ligue 180. O projeto de lei apresentado pela deputada Maria do Rosário (PT-RS) foi impulsionado após o caso Daniel Alves e é inspirado no protocolo espanhol No Callem para casos de abuso e estupro.
A lei, no entanto, deixa de fora das regras os eventos em cultos ou outros locais de natureza religiosa. A proposta inicial não previa esse adendo, mas durante o debate na Câmara, houve uma série de outras propostas que foram apensadas (em razão do tema semelhante). Esse dispositivo foi acrescido no relatório apresentado pela deputada Renata Abreu (Podemos-SP) para votação no plenário. Durante a tramitação no Senado, uma série de mudanças foi realizada, inclusive no nome do protocolo, que foi chamada de Não nos Calaremos e o trecho sobre os espaços religiosos foi removido.
No entanto, em dezembro, quando o texto retornou para análise dos deputados, a Câmara rejeitou a proposta do Senado, e manteve a redação anterior. Depois disso, o projeto de lei foi enviado para sanção presidencial.
— A proposta envolve setor privado e setor público, criando uma cultura de prevenção à violência para que toda mulher, de qualquer idade, possa frequentar um lugar sabendo que todas as pessoas lhe devem respeito acima de tudo — explicou a deputada Maria do Rosário sobre o projeto.
Ainda deve ser publicada a regulamentação da lei, que deve detalhar, por exemplo, os estabelecimentos que estão sujeitos às medidas.
Em Porto Alegre, protocolo aguarda regulamentação para sair do papel
Ainda em junho, a Câmara de Vereadores de Porto Alegre aprovou um projeto de lei muito semelhante ao que foi sancionado agora a nível federal. A medida também institui um protocolo chamado Não é Não, para garantir a proteção e o atendimento de vítimas de violência ou assédio sexual em bares, restaurantes e outros estabelecimentos noturnos, além de eventos festivos e esportivos. A proposta cria o Selo Mulheres Seguras para aqueles estabelecimentos que decidirem pela adesão ao protocolo, que na Capital é facultativa.
A lei entrou em vigor no fim de julho de 2023, quando foi sancionada pelo presidente da Câmara. No entanto, até hoje aguarda a publicação da regulamentação por parte da prefeitura para que efetivamente saia do papel.
— O protocolo Não é Não foi construído junto aos setores da cidade que estão diretamente ligados às atividades de lazer, esporte e cultura e, apesar da aprovação do projeto, a regulamentação ainda não ocorreu, o que significa um atraso para a nossa cidade. O protocolo garante que os espaços de lazer da nossa cidade se tornem mais seguros para que as mulheres possam frequentar, fazendo inclusive com que a economia se movimente, afinal quando um local é bom para as mulheres, ele é bom para todas as pessoas. Sigo articulando para garantir a regulamentação o mais breve possível — disse a vereadora Biga Pereira (PCdoB), uma das autoras do projeto.
À frente da Coordenadoria dos Direitos da Mulher de Porto Alegre, Fernanda Mendes Ribeiro afirma que a lei está em fase de regulamentação, junto de outras duas, que envolvem responsabilidade social e o selo Empresa Amiga da Mulher. A expectativa é poder fazer a publicação até março, para que a lei passe a ser aplicada.
— A regulamentação permitirá certificar empresas que realizem ações em prol das mulheres: que vão desde incentivos à ocupação de cargos de gestão, chefia, até treinamento de funcionários para identificar situações de violência praticados contra a mulher dentro de estabelecimentos comerciais — afirma.
"Não é Não"
O termo "Não é Não" vem sendo usado nos últimos anos como símbolo do enfrentamento ao assédio contra mulheres, inclusive em eventos como o Carnaval. Campanhas com essa frase de alerta passaram a ser promovidas por diferentes órgãos. Adesivos começaram a ser distribuídos com o aviso, com intuito de conscientizar as pessoas sobre a necessidade de respeitar os direitos das mulheres em todos os lugares.
Desde que a importunação sexual passou a ser considerada crime no Brasil, no fim de setembro de 2018, até novembro de 2023, o Rio Grande do Sul teve 8.421 registros desse tipo de violência. No ano passado, por exemplo, foram em média seis casos por dia. Os dados foram informados pela Secretaria da Segurança Pública (SSP) do Estado.
Confira outros detalhes do Não é Não que se tornou lei nacional:
Onde se aplica?
O protocolo Não é Não publicado até o momento indica que será implementado no ambiente de casas noturnas e de boates, em espetáculos musicais realizados em locais fechados e em shows, com venda de bebida alcoólica. Detalhes sobre os locais ainda devem ser publicados. A lei não se aplica a cultos nem a outros eventos realizados em locais de natureza religiosa.
O que prevê a lei?
Que esses locais devem promover a proteção das mulheres, para prevenir e enfrentar o constrangimento e a violência contra elas. Entende-se como constrangimento qualquer insistência, física ou verbal, sofrida pela mulher depois de manifestada a sua discordância com a interação. Por violência, a lei define o uso da força que tenha como resultado lesão, morte ou dano, entre outros, conforme legislação penal em vigor.
Quais são os direitos da mulher?
- Ser prontamente protegida pela equipe do estabelecimento a fim de que possa relatar o constrangimento ou a violência sofridos
- Ser informada sobre os seus direitos
- Ser imediatamente afastada e protegida do agressor
- Ser acompanhada por pessoa de sua escolha
- Ser acompanhada até o seu transporte, caso decida deixar o local
Quais os deveres dos estabelecimentos?
- Ter na equipe pelo menos uma pessoa qualificada para atender ao protocolo Não é Não
- Manter, em locais visíveis, informação sobre a forma de acionar o protocolo Não é Não e os números de telefone de contato da Polícia Militar e da Central de Atendimento à Mulher - Ligue 180
- Se houver indícios de violência, o estabelecimento deve proteger a mulher e proceder às medidas de apoio, afastar a vítima do agressor, inclusive do seu alcance visual, colaborar para a identificação das possíveis testemunhas do fato, solicitar o comparecimento da Polícia Militar ou do agente público competente e isolar o local específico onde existam vestígios da violência, até a chegada da Polícia Militar
- Se o estabelecimento dispuser de sistema de câmeras de segurança, deve garantir o acesso às imagens à Polícia Civil, à perícia e aos diretamente envolvidos, e preservar, pelo período mínimo de 30 dias as imagens
Quais outras medidas podem ser aplicadas?
- Os estabelecimentos podem adotar ações que julguem cabíveis para preservar a dignidade e a integridade física e psicológica da vítima e para subsidiar a atuação dos órgãos de saúde e de segurança pública eventualmente acionados
- Podem ainda retirar o ofensor do estabelecimento e impedir o seu reingresso até o término das atividades, nos casos de constrangimento
- É possível também criar um código próprio, divulgado nos sanitários femininos, para que as mulheres possam alertar os funcionários sobre a necessidade de ajuda, para que eles tomem as providências necessárias
Como saber quais locais seguem as regras?
A lei institui o selo Não é Não - Mulheres Seguras, que será concedido pelo poder público a qualquer estabelecimento comercial não abrangido pela obrigatoriedade da lei, mas que, mesmo assim, implementar as medidas. O poder público manterá e divulgará a lista “Local Seguro Para Mulheres” com as empresas que possuírem o selo Não é Não - Mulheres Seguras.
E quem descumprir?
Os estabelecimentos que descumprirem as medidas estão sujeitos à advertência e outras penalidades previstas em lei. Já aqueles que tiverem obtido o selo, além da advertência, podem ter a concessão revogado, além da exclusão da lista de “Local Seguro para Mulheres”.
Quem fiscaliza?
O protocolo não deixa isso claro, mas outras propostas semelhantes preveem que cabe ao poder público fazer a fiscalização, assim como organizações de defesa das mulheres ou as próprias frequentadoras dos locais. Mulheres que estiverem num local com o selo e passarem por alguma situação prevista no protocolo e não receberem o suporte que tem direito podem denunciar o estabelecimento.
Como pedir ajuda
Brigada Militar – 190
- Se a violência estiver acontecendo, a vítima ou qualquer outra pessoa deve ligar imediatamente para o 190. O atendimento é 24 horas em todo o Estado.
Polícia Civil
- Se a violência já aconteceu, a vítima deverá ir, preferencialmente à Delegacia da Mulher, onde houver, ou a qualquer Delegacia de Polícia para fazer o boletim de ocorrência e solicitar as medidas protetivas.
- Em Porto Alegre, a Delegacia da Mulher na Rua Professor Freitas e Castro, junto ao Palácio da Polícia, no bairro Azenha. Os telefones são (51) 3288-2173 ou 3288-2327 ou 3288-2172 ou 197 (emergências).
- As ocorrências também podem ser registradas em outras delegacias. Há DPs especializadas no Estado. Confira a lista neste link.
Delegacia Online
- É possível registrar o fato pela Delegacia Online, sem ter que ir até a delegacia, o que também facilita a solicitação de medidas protetivas de urgência.
Central de Atendimento à Mulher 24 Horas – Disque 180
- Recebe denúncias ou relatos de violência contra a mulher, reclamações sobre os serviços de rede, orienta sobre direitos e acerca dos locais onde a vítima pode receber atendimento. A denúncia será investigada e a vítima receberá atendimento necessário, inclusive medidas protetivas, se for o caso. A denúncia pode ser anônima. A Central funciona diariamente, 24 horas, e pode ser acionada de qualquer lugar do Brasil.
Defensoria Pública – Disque 0800-644-5556
- Para orientação quanto aos seus direitos e deveres, a vítima poderá procurar a Defensoria Pública, na sua cidade ou, se for o caso, consultar advogado(a).
Centros de Referência de Atendimento à Mulher
- Espaços de acolhimento/atendimento psicológico e social, orientação e encaminhamento jurídico à mulher em situação de violência.