A família que simulou o sequestro de uma criança de dois anos em Porto Alegre tinha como objetivo prejudicar o ex-companheiro de uma tia do menino, de acordo com a Polícia Civil. A investigação indica que a mãe, essa tia e o atual namorado dela planejaram toda a ação para tentar incriminar o homem. O caso foi registrado na noite de sexta-feira (22), e no domingo (24) a criança foi encontrada. O garoto, identificado como Miguel pela polícia, foi encontrado "escondido" na casa de conhecidos, está bem e sob guarda da avó materna.
A mãe, 20 anos, a tia, 32 anos, e o atual companheiro da tia, 30 anos, foram presos em flagrante por denunciação caluniosa e associação criminosa, além de serem enquadrados no artigo 232 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que prevê condenação a quem "submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento".
No entanto, foram soltos pelo Poder Judiciário no mesmo dia (confira a posição do Tribunal de Justiça do Estado abaixo).
Um novo pedido de prisão deve ser feito pela polícia na conclusão do inquérito, que deve ocorrer nos próximos dias. Os nomes dos envolvidos não foram divulgados para proteger a identidade da criança vítima.
As informações foram divulgadas em coletiva, na manhã desta segunda-feira (25), pela Divisão Especial da Criança e do Adolescente (Deca) e pela 1ª Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (1ª DPCA), que coordenaram o trabalho.
Segundo a Polícia Civil, a tia da criança tem um filho de seis anos com o ex-marido, que foi acusado falsamente pela família. O ex-casal está em uma disputa judicial pela guarda dessa criança, que é prima de Miguel, e as irmãs tinham a intenção de prejudicá-lo.
Além disso, a tia e a mãe do menino já registraram diversas ocorrências contra o homem, principalmente por violência doméstica, e uma por estupro. Ele também tem boletins contra elas, por ameaça. O homem foi preso recentemente por descumprir medida protetiva e se aproximar da ex. Ele foi solto na quinta-feira (21). O plano foi colocado em prática no dia seguinte.
— A motivação dos três era impedir que o homem obtivesse a guarda do filho na Justiça, fazer com que fosse preso novamente. A família quis prejudicá-lo. Agora, todos esses registros anteriores delas contra ele precisarão ser analisados sob outra perspectiva, para verificar se têm procedência ou podem também ter sido forjados — explicou a delegada Caroline Bamberg Machado, diretora do Deca, em coletiva nesta manhã.
Logo no começo da investigação, diversos departamentos da segurança pública do Estado foram acionados para ajudar a localizar a criança. As equipes afirmaram que, ao verificar a quantidade de ocorrências envolvendo a mãe, a tia e esse ex-marido, houve forte preocupação de que o homem tivesse, de fato, cometido o crime contra a criança, como vingança.
— Inicialmente, não havia motivos para desconfiar da mãe. Depois fomos encontrando inconsistências no relato dos três envolvidos — complementou Caroline.
Falso acusado foi ouvido
O registro de sequestro foi feito pela mãe de Miguel, na sexta à noite. Ela relatou que iria jantar com uma familiar e que estava na frente de casa, no bairro Campo Novo, com o menino no colo, esperando um carro de aplicativo, quando pessoas em um Sandero branco passaram e arrancaram a criança do colo dela.
À polícia, ela indicou um ex-cunhado (ex-marido da tia que foi presa) como responsável pelo sequestro. Uma mensagem com esse teor foi divulgada na internet, com foto do menino, e passou a ser compartilhada ao longo do final de semana, em grupos de WhatsApp, por pessoas que pediam ajuda na localização da vítima.
O homem apontado como suspeito pela mulher foi localizado, levado para a delegacia e ouvido. Ele negou envolvimento. Segundo a polícia, informações do celular do homem foram verificadas e usadas para concluir que ele não esteve na região onde o suposto sequestro ocorreu. Além disso, não partiu do celular dele a mensagem de ameaça que a mãe afirma ter recebido pouco antes da ação.
— Percebemos que as informações que ele passou não batiam com o que a família dizia. Os dados do celular, a localização dele, nada fazia sentido. Esse tipo de caso não é comum no Estado, nos chamou muita atenção, ficamos todos em alerta. Não temos casos de crianças sequestradas dessa forma no RS, ainda mais sem nenhum contato, pedido de resgate, nada — pontuou a delegada Camila Franco Defaveri, que definiu as narrativas do trio como "confusas e contraditórias".
Segundo a polícia, uma informação sobre a armação partiu do atual companheiro da tia do menino. Ele disse que a ideia havia partido da cunhada, mãe da criança.
— A partir disso, um começou a falar mal do outro, os três se incriminando entre si. Mas, na nossa conclusão, a ideia partiu dos três, juntos — revelou a delegada Camila.
Informalmente, eles confessaram a armação, segundo a polícia. No depoimento formal, na entanto, permaneceram em silêncio.
Menino estava com casal, diz polícia
Depois, o trio levou os policiais até a casa onde o menino estava, na Vila Vale do Salso, no bairro Restinga, na zona sul da Capital. Ali, ele estava bem, brincando com outras crianças. O casal responsável pela residência disse aos policiais ter recebido R$ 300 para cuidar do garoto por alguns dias. Miguel estaria ali pelo menos desta sexta.
— É uma criança extremamente dócil, querida. Não tinha noção do que estava acontecendo. Estava brincando. Quando o encontramos bem cuidado nos emocionamos — disse Caroline.
A polícia afirma que o casal é conhecido da família, mas que não teria, em princípio, conhecimento sobre o esquema. Um possível envolvimento deles e de mais pessoas, como outros familiares, na ação é investigado.
No domingo, após a prisão do trio, Miguel e o primo, filho da tia presa, foram deixados com a avó materna. A polícia diz que optou por não afastá-los totalmente da família para evitar ainda mais sofrimento.
O que diz o TJ sobre a soltura dos suspeitos
Nesta segunda, a reportagem questionou o TJ-RS sobre o motivo da soltura do trio de suspeitos, no domingo. A instituição se manifestou por meio de nota. Confira:
"A Juíza Sonia Battistela, que presidiu a audiência de custódia realizada no último domingo (24/4), homologou as prisões em flagrante dos referidos investigados. No entanto, a magistrada considerou que no caso concreto não estavam presentes os requisitos da prisão preventiva como o risco à ordem pública, conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal. Além disso, os flagrados são primários e quanto à criança foi determinado o acompanhamento pelo Conselho Tutelar e Ministério Público da Infância. Na decisão, a Juíza relata que as duas mulheres flagradas (mãe e tia da criança) possuem medidas protetivas deferidas contra o ex-companheiro da mulher flagrada, tia da criança."