
Previsto para esta quinta-feira (27), o último júri do caso de agressão a judeus em Porto Alegre, em 2005, foi adiado. O pedido de adiamento partiu do Ministério Público, em razão de problemas de saúde de um dos membros da acusação, e foi acatado pelo Tribunal de Justiça do Estado (TJ-RS). A Juíza Lourdes Helena Pacheco da Silva, titular do 2º Juizado da 2ª Vara do Júri, remarcou a sessão para 23 de março de 2023, às 9h.
"No mais, reforço que este Juízo vem adotando todas as medidas possíveis para garantir a efetivação do julgamento do presente feito, sendo que a hipótese em tela caracteriza motivo de força maior", considerou a magistrada na decisão.
"A despeito do pedido de adiamento ora acolhido, o compromisso deste Juízo é com o julgamento do processo e com a urgência necessária que o caso requer", acrescentou a juíza.
O Ministério Público afirmou que o pedido de adiamento ocorreu em razão de um imprevisto relacionado a problemas de saúde de um dos promotores de Justiça e que a instituição "tem o maior interesse na celeridade do processo e na responsabilização dos autores dos crimes cometidos". Veja a nota completa abaixo.
Neste último júri, seriam julgados os réus Valmir Dias da Silva Machado Júnior, Israel Andriotti da Silva e Leandro Maurício Patino Braun, acusados de três tentativas de homicídio qualificado (motivo torpe, meio cruel e recurso que dificultou a defesa das vítimas), associação criminosa e crime de discriminação ou preconceito racial. Os três respondem ao processo em liberdade.
Outros cinco réus já foram julgados em dois júris anteriores, e condenados.
O ataque aconteceu na madrugada de 8 de maio de 2005, quando três jovens conversavam em frente a um bar na Cidade Baixa, em Porto Alegre. A data marcava os 60 anos do fim do Holocausto, e o trio estava com quipá, o acessório religioso usado para cobrir a cabeça.
Por isso, os três foram identificados por homens que integravam um grupo de skinheads (extremistas de direita, que defendem a supremacia branca sobre outras raças) que pregava ódio contra judeus, homossexuais e negros, segundo o Ministério Público. Em questão de segundos, o trio de judeus foi cercado e atacado com facas, socos e pontapés, conforme o MP. Os réus respondem por tentativa de homicídio de uma das vítimas, Rodrigo Fontella.
Risco de prescrição
Ocorrido há 17 anos, o caso levanta discussões sobre o risco de prescrição dos crimes — quando, em razão da passagem do tempo, o Estado "perde" o poder de punir indivíduos. No caso do homicídio qualificado, a prescrição ocorre em 20 anos.
No entanto, de acordo com o pós-doutor em Direito Penal e professor da PUC-RS, Marcelo Peruchin, a chance de prescrição para casos que vão a júri são baixas no país.
— A prescrição nos crimes de júri é de difícil realização no Brasil. Porque, em regra, as penas são mais altas e existem os chamados marcos interruptivos, momentos do processo onde a prescrição é interrompida. Isso foi feito pelo legislador justamente para que a prescrição fosse mais difícil nos casos de júri, em razão da gravidade dos crimes ali analisados. Existem alguns fatores que podem mudar um pouco esse cenário, como nos casos de condenação com penas mais baixas, o que reduz o prazo prescricional. Mas, em geral, não é comum a prescrição nos casos decididos em júri.
O professor considera "extenso" o tempo que o julgamento vem levando para ocorrer, na comparação com outros casos no país. Peruchin avalia que a demora pode ter ocorrido em razão de recursos feitos no processo ao longo dos anos, tanto pelo Ministério Público quanto pelas defesas.
Condenações
Em 15 de setembro de 2018, Thiago Araújo da Silva e Laureano Vieira Toscani foram condenados a 13 anos de prisão, e Fábio Roberto Sturm, a 12 anos e oito meses.
Em 23 de março de 2019, Daniel Vieira Sperk e Leandro Comaru Jachetti foram sentenciados a 14 anos de prisão.
No caso de um sexto réu, houve desclassificação do crime, que passou a ser o de lesão corporal leve. Como o delito já havia prescrito, a punibilidade foi extinta.
MP pretende responsabilizar os autores
O Ministério Público se manifestou por meio de nota sobre o pedido de adiamento, explicando que ele ocorreu em razão de um imprevisto e que a instituição "tem o maior interesse na celeridade do processo e na responsabilização dos autores dos crimes cometidos". Confira a nota na íntegra:
"O pedido de adiamento do júri decorreu de imprevisto relacionado a problemas de saúde de um dos promotores de Justiça, ocorrido às vésperas da sessão, o que inviabilizou a realização do julgamento. Cabe destacar que o Ministério Público do Rio Grande do Sul não deu causa a nenhum dos adiamentos anteriores.
A atuação conjunta dos promotores de Justiça foi uma decisão adotada nos júris deste caso e decorre da complexidade do exame da prova e do extenuante trabalho de plenário, cuja previsão de duração é de no mínimo dois dias. O Ministério Público, quando entende necessário, designa promotores para atuarem de forma complementar e, como nos demais casos, tem o maior interesse na celeridade do processo e na responsabilização dos autores dos crimes cometidos."
Contraponto
GZH entrou em contato com os advogados dos três réus, para contraponto.
O réu Leandro Maurício Patino Braun é representado pela defensora Pública Tatiana Kosby Boeira. A Defensoria Pública afirmou apenas que aguarda pela realização do julgamento, na nova data prevista.
O advogado Manoel Pedro Castanheira, que atende Valmir Dias da Silva Machado Júnior, afirmou que a defesa "aguarda a data do julgamento, para demonstrar a inocência de seu cliente".
Já Israel Andriotti da Silva é atendido pelo advogado José Paulo Schneider, que se manifestou por meio de nota:
"A defesa técnica de Israel Andriotti da Silva lamenta profundamente que mais uma vez o julgamento desse importante e complexo caso tenha sido adiado. Em 2018, a Sessão Plenária foi cancelada após aproximadamente 30 horas de trabalhos e o julgamento nunca mais foi retomado. Faltando dois dias para o início do julgamento, o Ministério Público requereu novo adiamento em razão da internação hospitalar da promotora que que atuaria no caso, alegando que, com a ausência, haveria prejuízo à acusação.
Do ponto de vista da defesa e considerando que há mais de um promotor cadastrado e dois assistentes à acusação, seria plenamente possível realizar o Júri. Um novo adiamento posterga, novamente, todas as mazelas emocionais dos envolvidos no processo. São pessoas que aguardam há 17 anos uma resposta do Estado.
Fica a dúvida, quem irá arcar os prejuízos desse desnecessário e injustificado adiamento. Alguém será multado? E se o pedido fosse da defesa, seria abandono processual passível de multa? O que o Judiciário disse hoje à sociedade gaúcha é que um experiente Promotor e dois competentes advogados de acusação não bastam para acusar ou condenar alguém no júri."