Onze meses após um crime chocar São João do Polêsine, na Região Central, a Justiça está perto de decidir se o homem preso pelo assassinato da freira Maria Ana Dal Santo, 79 anos, deve ser julgado pelo Tribunal do Júri. Ela foi assassinada a golpes de facão em janeiro deste ano, enquanto visitava uma irmã que estava doente no município de 2,5 mil habitantes.
A instrução do processo, fase na qual são ouvidas testemunhas e o réu é interrogado, foi concluída. Na sequência, foi aberto prazo para as alegações finais, momento no qual tanto a defesa quanto o Ministério Público, responsável pela acusação, apresentam seus argumentos. É nessa etapa que, segundo o Tribunal de Justiça, o processo se encontra. Depois, caberá à Justiça definir se há indícios suficientes para que Anderson Reffatti de Souza, 28 anos, seja julgado pelo Tribunal do Júri.
Como se trata de réu confesso, ainda que tenha apresentado diferentes versões para o crime ao longo da apuração, a tendência é de que a sentença de pronúncia envie o preso para o júri — que julga os crimes dolosos contra a vida. Mas a Justiça pode, por exemplo, absolver o réu, caso entenda que não existam indícios suficientes de que ele tenha cometido ou crime. As decisões tomadas pelos magistrados até o momento não indicam isso — o réu teve negado o pedido para responder em liberdade.
Em 5 de julho, foi realizada a única audiência. Ao longo do caso, Souza deu depoimentos distintos. A religiosa foi encontrada assassinada, com corte na parte de trás do pescoço, em um quarto na casa em Linha da Glória. Um dos pontos que intrigava a polícia era o fato de que o autor do crime não havia levado nada. A bolsa da irmã estava sobre a mesa da cozinha, com R$ 6 mil. Isso afastava a hipótese de roubo com morte (latrocínio).
Quando foi ouvido pela primeira vez, Souza negou ter visitado a propriedade em 17 de janeiro, quando ela foi morta. Alegou que só saiu de casa, em Faxinal do Soturno, depois das 11h. Seis dias depois, diante de provas que contrariavam a primeira versão, confirmou ter matado a idosa e depois retornado para almoçar com a família.
Irmã Ana, como era conhecida, fazia parte da Congregação do Imaculado Coração de Maria desde a adolescência. Ela morava havia mais de 40 anos em Iporã, no Paraná, mas havia viajado a São João do Polêsine porque a irmã mais velha estava doente.
Investigação
Um vizinho relatou ter visto um carro sedan vermelho entrando na propriedade no dia do crime, por volta de 10h30min, e deixando o local minutos depois. Uma câmera, no distrito de Vale Vêneto, permitiu identificar o modelo: um Prisma, sem as calotas.
Na Quarta Colônia só havia três veículos com essa descrição. Um dos proprietários era o motorista que havia realizado transportes para a freira.
Souza, que morava em Faxinal do Soturno, foi ouvido e confirmou que esteve na propriedade pelo menos três vezes. Mas negou ter estado lá no dia do crime. O condutor contou que conheceu a idosa ao levar algumas pessoas para realizarem limpeza na casa. Depois, fez serviços para a freira. Buscou remédio para o gado, levou relógio para o conserto de um Fusca, que pertencia à irmã da religiosa, para a oficina.
A freira entregou a ele R$ 1 mil para a manutenção no veículo. Mas desistiu e pediu que ele devolvesse o valor. No primeiro depoimento, ele informou que entregou o dinheiro, mas não era verdade. A polícia também obteve imagens que mostravam o veículo circulando por São João do Polêsine em horário compatível com o do crime. Uma delas confirmou que a placa era a mesma do Prisma de Souza.
Em novo relato, ele contou que foi até a propriedade com um facão, lá teria descido e ido conversar com a freira. Teria usado como pretexto a corrida que havia se oferecido para fazer até Iporã, para onde a religiosa pretendia retornar. O homem teria dito que ia embora, mas teria ido até o carro pegar o facão e atacado a vítima. Souza confirmou que não devolveu o dinheiro à idosa. Também indicou o local onde havia abandonado o facão, em área de mato.
Preso teve liberdade negada
O Ministério Público chegou a denunciar outra pessoa, por suspeita de ter sido a mandante do crime. A mulher havia sido apontada em um dos depoimentos do preso. Mas a Justiça concluiu que não havia indícios suficientes da participação dela no homicídio.
Na decisão, o juiz Mario Gonçalves Pereira afirma que Anderson de Souza acusou esta pessoa de ter lhe pago R$ 3,6 mil para matar a freira. Quando ouvida, a então investigada negou. Como os relatos eram divergentes, foi realizada acareação pela polícia. Souza disse então que aquela pessoa não tinha "a ver com a história". No entendimento do magistrado, o réu se retratou da acusação, que considerou ser "frágil" para indicar a investigada como mandante.
Em novembro, o Judiciário determinou que o réu seja mantido em prisão preventiva. Na decisão, a juíza Stefânia Frighetto Schneider considerou que, ainda que se trate de pessoa primária, ele cometeu o crime com brutalidade, por motivações financeiras.
A magistrada citou ainda que Souza reside em cidade pequena, "na qual a comunidade entrou em choque com o homicídio de pessoa idosa e sem inimigos, colocando em alerta toda gama de moradores do interior e ampliando a sensação de insegurança da comunidade pacata e rural de Vale Vêneto". A juíza apontou risco de linchamento do réu e cogitou que a irmã da freira poderia estar em risco, no caso de o réu ser solto neste momento.
Hábeas
A defesa ingressou com habeas corpus, pedindo que o réu responda em liberdade. Em decisão liminar, no dia 30 de novembro, o desembargador Jayme Weingartner Neto, da 1ª Câmara Criminal, negou o pedido. Na decisão, Neto ressalta que a vítima tinha 79 anos e foi brutalmente agredida com golpe de faca, sendo quase decapitada pelo autor.
Considerou que inicialmente o réu disse ter sido contratado por uma pessoa, que acabou denunciada pelo crime, mas que a "informação foi desmentida ainda no inquérito e, em juízo, admitiu que lhe imputou falsamente a prática criminosa". "Tais circunstâncias revelam a periculosidade do comportamento do agente", descreveu o desembargador, ao negar o pedido liminar. O teor do habeas ainda será julgado pelo Tribunal de Justiça.
Contraponto
Procurado por GZH, o advogado Ditmar Strahl, que representa Anderson Reffatti de Souza, encaminhou manifestação na qual afirma que os fatos sobre a morte da freira serão elucidados, "com a comprovação da versão da defesa, que é diversa da acusação".