Após duas noites de reconstituições, a Polícia Civil avaliou nesta sexta-feira (13) que o trabalho não trouxe surpresas para a investigação do caso Joao Alberto Freitas. A medida foi solicitada pela defesa de um dos réus envolvidos na morte do cliente negro no Carrefour do bairro Passo D'Areia, na zona norte de Porto Alegre, em novembro de 2020.
No entendimento da polícia, o caso já tinha sua sequência de fatos mostrada a partir das imagens de câmeras e da investigação conduzida pelo Departamento de Homicídios.
— Por parte da Polícia Civil, na participação da reprodução, podemos comentar que não surpreenderam os fatos que ali aconteceram, pois muitas coisas já estavam postas. Todos os fatos que ali aconteceram e circunstâncias nos parece que já estavam apontados no inquérito policial — argumentou a chefe de polícia, delegada Nadine Anflor, em entrevista coletiva nesta manhã.
O próprio Instituto-Geral de Perícias (IGP), responsável pela reconstituição, admite que o caso tem grande cobertura de imagens, fato raro em eventos como esse, e por isso vai concentrar os trabalhos em tentar trazer elementos que não estavam claros nos vídeos.
— O nosso exame procurou buscar as informações, livre relato dos participantes, memórias, já que as imagens não têm áudio. Vamos procurar algum detalhamento, alguma coisa que não apareça nas imagens. As pessoas trouxeram com mais riqueza de detalhes a participação e o que cada um falou, vários novos detalhes que vamos comparar com calma — afirmou a perita criminal Catia Fert.
O trabalho do IGP analisará mais de cem quesitos apontados pela defesa dos réus no pedido judicial, autorizado pela juíza Cristiane Busatto Zardo. Uma perita será a relatora, apontando a conclusão do laudo, outra será correlatora e um terceiro fará a revisão.
A reconstituição irá resultar em um laudo, onde o perito irá analisar as versões relatadas, verificando quais são factíveis, levando em conta elementos técnicos da análise pericial. Neste documento, são respondidos quesitos técnicos que podem ter sido formulados pela defesa e pela acusação.
Não há prazo para que o laudo seja finalizado. Doze pessoas participaram da reconstituição, que é considerada extensa para os padrões do IGP.
— Como é um trabalho muito extenso, detalhado, muitos participantes, 12 ao todo, não temos como precisar quanto tempo vai levar — complementou a perita.
A reconstituição foi solicitada pela defesa do segurança Giovani Gaspar da Silva, que está preso. O advogado do réu, David Leal, se manifestou por meio de nota:
"Conseguimos verificar que foram disponibilizadas seletivamente algumas imagens das câmeras do mercado. Havia outras que poderiam ter sido acessadas, mas a polícia não o fez. Fizeram mal um trabalho que não era das suas atribuições. Enquanto a polícia extrapolar os limites das suas funções, haverá ilegalidades e quebra da cadeia de custódia, o que é proibido expressamente por lei. Em diversos momentos da RSF tivemos ilegalidades que serão denunciadas. Isso também sustentamos em relação a outros meios de prova. A participação da defesa torna o procedimentos mais democrático. Como pontos importantes foram deixados de lado, instauramos uma investigação defensiva, nos termos da resolução 188, do conselho federal da OAB. Há cerceamento de defesa que será comunicado ao juízo. Foi de absoluta importância a realização desse meio de prova e estamos satisfeitos, pois onde não houve esclarecimento, encontramos certa tentativa de escamotear os fatos."
As noites de trabalho
Na terça-feira (10), no primeiro dia de reconstituição, foi a vez das testemunhas relatarem suas versões. Nesta quinta-feira (12), os réus deram seus depoimentos por cerca de quatro horas no Palácio da Polícia, em oitivas que se iniciaram às 18h. Mais tarde, foram levados até o hipermercado acompanhados de seus advogados, onde ficaram mantidos em ambientes diferentes no interior do estabelecimento.
Com policiamento reforçado na região, o trabalho da Polícia Civil e do IGP começou por volta das 23h30min no local. Dos seis indiciados pelo crime, quatro participaram da reconstituição. Dois estão detidos, um está em prisão domiciliar e os demais respondem em liberdade.
O segurança Magno Braz Borges, que está preso, optou por não participar, assim como a fiscal da loja Adriana Alves Dutra, que está em prisão domiciliar. Ela chegou a participar da primeira etapa, prestando depoimento no Palácio da Polícia, mas decidiu não reviver a cena do crime.
Além deles, respondem pelo assassinato de Freitas os funcionários do Carrefour Rafael Rezende e Kleiton Silva Santos, o segurança Paulo Francisco da Silva e Giovani Gaspar da Silva.
À frente do processo criminal da morte de João Alberto, a juíza Lourdes Helena Pacheco da Silva, da 2ª Vara do Júri da Capital, marcou a primeira audiência da ação para o próximo dia 18.
Em nota, o Carrefour informou que não faz parte deste processo criminal, mas que "está dando o apoio necessário para que as autoridades policiais realizem a reconstituição".
Confira a nota do Carrefour na íntegra:
"O Grupo Carrefour Brasil está dando todo o apoio necessário para que as autoridades policiais realizem a reconstituição. A empresa não faz parte deste processo criminal, que visa investigar individualmente os envolvidos na ação. O Grupo Carrefour Brasil segue comprometido com a luta antirracista que se materializa no maior investimento privado já feito para redução da desigualdade racial no Brasil. São valores que superam R$ 115 milhões e serão majoritariamente investidos em educação e geração de renda para a população negra."