Assim que recebeu uma caixa lacrada em frente ao condomínio de classe média alta onde residia em Novo Hamburgo, no Vale do Sinos, um colombiano de 36 anos foi abordado por quatro policiais civis no fim da tarde da terça-feira (2). De dentro da embalagem, os agentes retiraram pacotes metálicos, rotulados como açaí. O que havia dentro eram 13 quilos de um pó escuro. Aquela seria a primeira apreensão de cocaína preta no Rio Grande do Sul.
A ação que resultou na apreensão contou com o apoio da Receita Federal, que um dia antes procurou a Polícia Civil. Remessas de pacotes para um colombiano, proprietário de uma loja de produtos naturais da cidade tinham despertado a atenção do serviço de inteligência. Havia suspeita de que ele pudesse estar recebendo entorpecentes.
Os envios partiam de Manaus, no Amazonas. No mesmo dia, os agentes da 1ª Delegacia de Polícia de Novo Hamburgo começaram a monitorar o suspeito. No dia seguinte, por volta das 17h, quatro policiais estavam em frente ao prédio quando ele recebeu um novo carregamento. Foi nesse momento que acabou preso.
Quando abriram os pacotes, os policiais já suspeitavam que a droga pudesse estar misturada a outras substâncias. Por isso, o material foi encaminhado ao Instituto-Geral de Perícias (IGP) para análises, que acabaram identificando a presença de cocaína. A descoberta do tipo de substância que foi adicionada à pasta-base, no entanto, ainda depende de novos testes. Parte da remessa recebida pelo colombiano era mesmo de açaí — possível estratégia para tentar evitar um flagrante em caso de abordagem.
Além da carga localizada no momento da prisão, os policiais encontraram mais 13 quilos da droga no apartamento dele. No imóvel, para onde havia se mudado recentemente com esposa e filha, ele indicou um quarto onde guardava diversos produtos, entre eles uma caixa com a cocaína preta acondicionada nas mesmas embalagens. O rótulo colado com adesivo é cópia de uma marca que realmente existe e comercializa açaí.
O colombiano residia no Brasil havia cerca de 10 anos. Sem antecedentes criminais, proprietário de uma loja e gerente em outro estabelecimento, não despertava suspeitas.
— Uma pessoa de classe média, morando em um condomínio de apartamentos de classe média alta, com família, empregada, acima de qualquer suspeita, até então, sem nenhuma passagem policial — descreveu o delegado Tarcísio Kaltbach.
A microempresa funcionava no endereço residencial — não há loja física. A polícia acredita agora que se tratava de um negócio de fachada. Após ser preso, o homem decidiu que só irá se manifestar em juízo, o que tornou a investigação mais complexa. Informalmente, disse aos policiais que receberia R$ 10 mil a cada remessa da droga.
No apartamento, os policiais encontraram livros sobre temas como motivações para crescimento econômico e como ficar milionário. Um deles, The Associate, que estava na cabeceira da cama, chegou a ser apreendido na ação. Uma das hipóteses averiguadas é de que ele tenha se mudado para o condomínio de valor mais elevado após começar a receber para armazenar a droga. O colombiano foi preso em flagrante por tráfico e teve a prisão convertida em preventiva. As entregas eram realizadas em cargas de 13 quilos do pó.
A quantidade de droga recebida pelo colombiano em Novo Hamburgo e o tempo em que ele atuava nesse esquema ainda são apurados, assim como a participação de outras pessoas. A polícia também investiga possível vínculo entre facção criminosa do Vale do Sinos e o tráfico desse tipo de drogas. Entre as dúvidas que precisam ser esclarecidas está o destino da droga, já que até então não havia informações sobre a circulação desse tipo de cocaína no Estado.
A polícia apura se os entorpecentes seriam distribuídos e comercializados no Vale do Sinos ou até mesmo se as remessas seriam encaminhadas para o Exterior, especialmente para a Europa — onde esse tipo de droga é mais comum. A apreensão poderia evidenciar, neste caso, que o RS está na rota do tráfico internacional da cocaína preta.
A droga
Essa mistura foi criada na década de 1980, pelo cartel de Cali, na Colômbia. A pasta-base geralmente é misturada com outros produtos, como carvão, grafite e toner. A droga, segundo a polícia, não chega ao mercado consumidor com essa aparência. Antes de ser vendida, passa por um processo de extração, para separar a cocaína das substâncias adicionadas.
A cor é uma forma de camuflar a cocaína durante o transporte. Os produtos adicionados dificultam que se perceba o cheiro original da cocaína e impedem a reação durante testes realizados pelas polícias, o que facilita a distribuição, quando transportada em meio a mercadorias legais. Por conta desse tipo de mistura, é mais cara e considerada mais nociva.
— Uma droga rara e cara. Um quilo dessa droga é comercializado de US$ 30 mil a US$ 35 mil — explica o delegado Kaltbach.
A suspeita é de que a droga tenha chego ao Brasil por meio do Rio Solimões, no Amazonas. Em abril do ano passado, foram apreendidos 40 quilos de cocaína preta em Manacapuru, a 68 quilômetros de Manaus. Foi a primeira apreensão desse tipo de droga no Estado do norte brasileiro. A cocaína preta foi encontrada no porão de uma embarcação. O barco havia partido de São Paulo de Olivença, na região da tríplice fronteira com a Colômbia e o Peru. Cinco brasileiros foram presos na ação.
Em fevereiro de 2019, um colombiano foi preso no aeroporto de Brasília transportando quatro quilos da droga. Ele havia chego também de Manaus e tentava embarcar para Lisboa, em Portugal, quando os entorpecentes foram encontrados em sua mala. A substância suspeita foi encontrada no momento em que ele passou a bagagem pelo raio X.
A delegacia
Esta não é a primeira vez que a equipe da 1ª DP de Novo Hamburgo realiza apreensão inédita de entorpecentes. Em dezembro de 2016, os policiais estouraram o primeiro laboratório de produção de ecstasy no Estado, durante uma investigação que descortinou o comércio de drogas sintéticas.
Na ação, apreenderam 25 quilos de anfetamina MDMA, matéria-prima que seria utilizada na produção de aproximadamente 75 mil doses da droga, avaliadas em R$ 3,8 milhões, além de uma máquina para prensar os comprimidos. Na época, foi apontada como a maior apreensão desse tipo de droga pelos policiais do RS.
A operação acabou batizada de Castelo do Drácula em razão da casa de alto padrão usada pelo grupo criminoso. Em campana ao longo de cinco dias, os policiais monitoravam o movimento na mansão e desviavam dos morcegos que sobrevoavam o lugar. Percebiam que, durante a madrugada, uma luz era ligada no sótão. O local era usado pelos traficantes. A casa acabou sendo apelidada de “castelo do Drácula”, dando nome à ação.
Na semana passada, três dias depois da apreensão da cocaína preta, os agentes da mesma delegacia apreenderam uma carga de 46 frascos de lança-perfume, que seria entregue no município. O produto havia sido remetido do Rio de Janeiro até Novo Hamburgo e abasteceria uma festa clandestina.