A cada oito minutos, um golpe foi aplicado no RS em 2020. Na contramão da maioria dos indicadores, em queda no Estado, os estelionatos se tornaram motivo de dor de cabeça para muitos gaúchos e terminaram o ano em alta. No comparativo com 2019, os casos comunicados à polícia mais do que dobraram — acréscimo de 120%. No total, foram 62.379 vítimas.
A mudança de hábito da população desde março de 2020, devido à pandemia do coronavírus, é apontada como fator que contribuiu para elevação. Entre elas, o maior uso da internet, seja para comunicação, teletrabalho ou compras online. O meio virtual é cenário para inúmeros tipos de trapaças.
— Na internet, tem de desconfiar de tudo e de todos para evitar ser mais uma vítima — alerta o titular da Delegacia de Repressão aos Crimes Informáticos e Defraudações, delegado André Anicet.
Entre as trapaças que mais chegaram ao conhecimento da Polícia Civil neste período estão os que utilizam o WhatsApp, seja capturando a conta do usuário ou criando perfil falso com outro número, mas com a foto da vítima. Outro que teve incidência elevada foi o golpe dos nudes. Neste caso, chamou atenção um esquema que envolvia até a produção de vídeos, com golpistas se passando por policiais e encenando que estavam em delegacia durante registro de ocorrência. Os estelionatários usaram roupas, distintivo, armas e até um banner como se fossem de fato da instituição. Mas era tudo falso.
O vídeo foi produzido para ser enviado para vítimas. O golpe consiste em criar perfil falso de uma jovem, estabelecer contato pelas redes sociais com homens, em geral de meia idade, e trocar fotos íntimas. Depois, os criminosos começam a extorquir a vítima informando que a garota é adolescente e que o caso será registrado na polícia. Estelionatários se passam pelo pai da jovem, por advogados ou policiais, e pedem dinheiro para que o caso não vá adiante. Um dos extorquidos chegou a pagar R$ 300 mil.
O golpe do falso leilão, especialmente de veículos, é outro bastante praticado e que foi adaptado para o momento de distanciamento social. Os golpistas alegam para os compradores que não é possível ver o carro pessoalmente por conta da pandemia. Ao longo do ano, outros temas, como o auxílio emergencial concedido pelo governo federal e até falsas doações de produtos como álcool gel e máscaras também foram usados como pano de fundo para golpes.
As empresas também são alvos frequentes dos estelionatários. Uma das modalidades recentes consiste em criar um falso perfil nas redes sociais em nome do restaurante, loja ou outro tipo de empreendimento para, por meio dele, criar anúncios enganosos de promoções. A partir dali, o golpista consegue captar os dados das vítimas e utilizar para novos golpes.
O acesso a bancos de dados clandestinos, obtidos por meio da ação de hackers ou cooptação de pessoas, é uma das estratégias dos estelionatários. Os golpistas também montam uma rede de laranjas — pessoas que cedem suas contas para depósitos. Em muitos casos, os autores dos golpes estão presos.
— É um grande negócio para os estelionatários, em razão da baixa pena e do grande número de vítimas que podem fazer estando atrás de computador ou celular. É bastante rentável, inclusive para aqueles que já estão presos e, mesmo no presídio, continuam praticando delitos — explica Anicet.
Para tentar coibir os casos, a Polícia Civil decidiu ampliar a atuação da Delegacia de Repressão aos Crimes Informáticos, que agora apura casos de fraudes envolvendo grupos criminosos. Outra aposta é na prevenção. Foram adotadas medidas como a criação de cartilha com orientações e um aplicativo, que pode ser baixado nos celulares.
O Pix — que facilitou transferências e recebimentos de valores — também se tornou ferramenta dos criminosos. Os golpistas disseminam informações enganosas sobre suposta falha que permitiria receber o valor da transferência em dobro. A vítima é induzida a transferir dinheiro para determinada conta, na expectativa de que a quantia retorne com acréscimo. Mas está, na verdade, enviando dinheiro para os golpistas.
Por ser um sistema de pagamento instantâneo, o Pix acaba sendo usado pelos golpistas. É uma forma de ter acesso ágil aos valores obtidos com o golpe, o que preocupa a polícia. Em geral, esses criminosos tentam obter o lucro o mais rápido possível, para evitar que a vítima perceba o golpe e impeça que o valor seja rastreado e recuperado.
Golpe da dívida
Uma empresa da Região Metropolitana acabou vítima de golpe. Em 20 de novembro, alguém telefonou informando que havia no 1º Tabelionado de Protestos de Porto Alegre aviso de dívida. O golpista dizia que o pagamento do título precisava ser realizado naquele mesmo dia, e o comprovante enviado até 16h30min. Como a empresa havia se mudado há poucos meses para Alvorada, existia a possibilidade de que alguma cobrança não tivesse chegado ao endereço.
Sem tempo hábil para ir ao tabelionato, a empresa solicitou que o documento com os dados fosse enviado por e-mail. Após receber o falso título, a prestadora de serviços fez o depósito de R$ 1.299. A conta é de agência em Guarulhos, em São Paulo. Pouco mais de um mês depois, o fornecedor procurou a empresa informando que havia débito pendente. A prestadora de serviços fez contato com o tabelionato e descobriu a trapaça. Em seu site, o 1º Tabelionato alerta que não faz contato por e-mail ou telefone.
Depois disso, a empresa já atendeu uma série de ligações semelhantes, com a mesma tentativa de golpe. O que mais surpreendeu uma das funcionárias que atua na área administrativa da empresa há mais de 15 anos é como o golpista parecia convincente.
— Era um senhor, que falava muito bem. Bem formal. É uma pessoa que parece estudada, que te convence. Para nós, foi um valor considerável. E imagino que, assim como fizeram conosco, eles devem tentar com milhares de empresas. Agora estamos atentos para tudo — afirma.
O caso, registrado pela empresa na Polícia Civil, não foi a primeira tentativa de estelionato. A mesma funcionária já havia atendido outro golpista, que informava ter depositado, por engano, R$ 10 mil na conta da prestadora de serviços. O estelionatário pedia que o valor fosse devolvido.
— Desconfiei. Então, disse que quando entrasse o dinheiro, devolveria. Mas a pessoa continuou ligando. Aí entrei em contato com a gerência do banco, que informou que era golpe — conta a funcionária.
Dados
Enquanto em 2019 o Estado teve em média 79 casos de estelionato registrados por dia, em 2020 esse indicador saltou para uma média de 170. Essa tendência de elevação vem desde o início do ano, mas começou a ganhar força nos meses de março e abril. A partir dali os indicadores foram aumentando. Os meses de maior elevação foram junho, que teve 6.978 casos e acréscimo de 228,2% e setembro, com 6.991 registros e 207,7% de elevação. Nos meses de outubro, novembro e dezembro, embora todos tenham apresentado aumento significativo em relação ao ano anterior, o total de casos foi reduzindo.
Não seja uma vítima
- Desconfie de promessas de recompensa ou de lucro fácil. Essa é uma forma dos golpistas atraírem as vítimas
- Não forneça seus dados pessoais para desconhecidos na internet ou por telefone
- Se alguém lhe pedir uma transferência bancária, alegando que está com problema no aplicativo, por exemplo, ligue para a pessoa antes e se certifique de que é ela mesma
- Na hora de comprar algo pela internet, desconfie se o site só aceitar pagamento por boleto ou transferência, se tiver falhas ou erros na página e se o único contato for por WhatsApp.
- Se for vítima, registre o caso na polícia. É possível fazer isso por meio da Delegacia Online
- Baixe o aplicativo PC alerta da Polícia Civil, onde pode conferir os principais golpes aplicados no RS e como se proteger deles
- Alerte seus familiares sobre os principais golpes aplicados
Fonte: Polícia Civil do RS