Por Alberto Kopittke
Diretor do Instituto Cidade Segura
O planeta acompanha ansiosamente e em tempo real os experimentos científicos que estão testando a efetividade das vacinas para o novo coronavírus. Se hoje esse tipo de estudo, chamado de avaliações de impacto, é altamente respeitado e conhecido, nem sempre foi assim. Ao longo dos últimos 250 anos, as pesquisas enfrentaram grandes resistências por questionar crenças, interesses privados ou populismos políticos. No entanto, seu papel ajudando a humanidade a saber o que fazer e o que não fazer impulsionou uma verdadeira revolução das evidências em todas as áreas do conhecimento.
Nos anos 1960, essa revolução chegou à segurança pública. Pesquisadores, gestores e profissionais da área se uniram para realizar experimentos inovadores em busca de soluções para a epidemia de violência. Em 1997, o Congresso dos EUA criou uma comissão para compilar todos os resultados desse tipo de pesquisa. O Relatório Maryland encontrou 540 estudos de alta qualidade científica que avaliavam programas de prevenção à violência até aquele momento. O relatório mostrou que existiam evidências relevantes sobre o que funcionava e o que não funcionava em diferentes áreas, como prevenção familiar, escolar e comunitária, urbanismo, policiamento, Justiça e reincidência criminal. Esse foi o marco do nascimento da Segurança Pública Baseada em Evidências. Desde então, a utilização de dados científicos para formular programas tem crescido e ajudado governos e instituições mundo afora a atingirem os menores índices de criminalidade de toda a sua história.
Em minha tese de doutorado, defendida no fim de 2019 no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e recém-publicada no portal da instituição, repliquei a técnica do Relatório Maryland para conhecer o que já sabemos que funciona ou não no Brasil. Rastreei e sistematizei os resultados de todos os estudos já realizados no país, que avaliaram o impacto de programas sobre homicídios, roubos e estupros. Analisados 13 mil estudos, o resultado surpreendeu. Apesar de atrasado em relação a outros países, inclusive vizinhos da América Latina, o Brasil já produziu muitas evidências.
Temos informações de que pelo menos oito tipos de programas funcionam para reduzir homicídios, tais como a Gestão por Resultados, o Fica Vivo, a regulação do horário de venda de álcool e o policiamento comunitário em regiões de periferia, que reduz a letalidade provocada pela polícia. Segundo a Gestão por Resultados, lideranças das forças de segurança monitoram de perto os indicadores de criminalidade. Já o programa Fica Vivo, que existe há 20 anos em Minas Gerais, integra ações policiais e de prevenção focando em jovens em situação de risco de comunidades com altos índices de homicídios. Há evidências positivas de que o Bolsa Família e programas de policiamento de proximidade em bairros de classe média funcionam para combater os roubos.
Por outro lado, ideias muito comuns no debate público não se mostram efetivas, como prender mais ou o mero aumento do número de policiais, quando não acompanhado de estratégias inovadoras que aumentem seu foco e sua proatividade.
Em resumo, a pesquisa aponta que programas proativos, com foco em territórios, indivíduos altamente violentos ou circunstâncias de risco e implementados de forma integrada por diversas instituições são de 40% a 80% mais eficientes do que as ações pontuais, reativas e sem integração, como são as tradicionalmente realizadas no Brasil. Além disso, o estudo mostra o potencial da união de forças entre pesquisadores comprometidos com a busca de soluções, gestores inovadores e profissionais que estão nas ruas lidando com a violência.
Ainda não temos evidências – embora experiências relevantes estejam em andamento – sobre algumas estratégias que mais têm apresentado resultados positivos fora do país, como programas de treinamento parental, educação socioemocional, policiamento nos chamados pontos quentes, dissuasão focada em grupos violentos e terapia cognitivo-comportamental. Esses programas podem indicar caminhos importantes a serem seguidos.
O desafio do Brasil na segurança pública, assim como em outras áreas, é bem anterior a uma escolha entre visões de esquerda ou de direita. Precisamos escolher entre o conhecimento científico ou o obscurantismo, que promove soluções mágicas e perigosas.
Tal como ajudaram a área da saúde a se afastar de curandeirismos de toda espécie e hoje levam a humanidade a vencer muitas doenças, a produção e o uso de evidências científicas sobre como prevenir a violência podem ajudar o Brasil a superar o populismo e a salvar milhares de vidas da epidemia de violência.