Quando a equipe de peritos desembarcou em Uruguaiana, na Fronteira Oeste, em 20 de junho de 2000, deparou com a dúvida que pairava em meio à tragédia que vitimou 12 crianças: o que havia causado o incêndio? Uma das salas do maternal da creche municipal Casinha da Emília havia incendiado horas antes e matado meninos e meninas, com idade entre dois e três anos. Como eles estavam sozinhos quando as chamas tiveram início, não se sabia de onde havia partido o fogo.
Ainda durante a noite, com auxílio da iluminação usada por parte da imprensa na cobertura do caso, a equipe do Instituto-Geral de Perícias (IGP) fez as primeiras análises na sala incendiada. Na manhã seguinte, retornaram ao local e, por horas, tentaram decifrar esta e outras perguntas sobre o incidente. Contaram com ajuda das funcionárias da escola infantil para entender qual a disposição dos móveis e objetos na sala, já que nada havia restado naquele cômodo.
— Todo incêndio deixa marcas, que chamamos de vestígios. Como um médico que interpreta uma radiografia, interpretamos essas marcas — explica o engenheiro Ruy Braescher Filho.
Além dele, integravam a equipe a perita Katia Kuiawinki e o fotógrafo criminalístico Antônio Carlos Ribeiro. Enquanto os peritos trabalhavam, o cenário na cidade era de desespero e incredulidade. Nenhuma das crianças que estava dentro da sala sobreviveu. Sob o piso, cercado de escombros, os peritos localizaram um aquecedor elétrico e diversas peças de roupa parcialmente carbonizadas.
As vítimas tinham sido encontradas mortas deitadas abraçadas umas às outras no canto direito, o que indicava que a origem do incêndio deveria ser no lado oposto, o mesmo onde estava o aquecedor. Em laudo enviado à polícia, sete dias após o incêndio, a perícia comprovou que o foco tinha iniciado no aquecedor elétrico, que estava ligado e posicionado no chão — fazia frio naquela tarde.
O documento indicou que uma peça de tecido havia entrado em contato com o equipamento — poderia ser uma roupa que havia se desprendido de ganchos e caído sobre o aquecedor ou os próprios lençóis e cobertores que estavam nos colchonetes, onde as crianças foram deixadas para dormir. Outra pergunta, que inquietava quem acompanhava o caso, também foi respondida pela análise da perícia. Não se sabia se a porta que dava acesso à sala estava chaveada ou não e se isso tinha impedido as crianças de saírem do local.
— Havia muita desconfiança de que a porta de madeira que dava acesso à sala estivesse chaveada. Analisamos o material e concluímos que quando o incêndio começou ela já estava dilatada por causa da temperatura e da umidade relativa do ar, mas não com chave, o que impediria a abertura — recorda Braescher Filho.
As crianças estavam sozinhas porque duas estagiárias, que deveriam estar com elas, tinham saído para recolher doações para uma festa junina, por ordem da diretora, e haviam pedido que uma auxiliar de cozinha tomasse conta delas, mas isso não aconteceu. Também não havia extintores de incêndio no prédio. Da sala onde o fogo teve início, apenas um menino de três anos sobreviveu porque estava inquieto, não quis dormir e acabou indo para a cozinha, enquanto os outros ficaram.
Vinte anos após o caso que abalou o Rio Grande do Sul, o engenheiro acostumado a decifrar cenários de incêndios recorda o caso como um dos mais traumáticos da sua vida profissional.
— Quando envolve crianças, marca muito — diz Braescher Filho, que hoje está aposentado do IGP e já é avô.
Em janeiro de 2013, o perito foi chamado para atuar na maior tragédia registrada no Estado, o incêndio da Boate Kiss — que causou 242 mortes.
O caso
A diretora da escola, uma auxiliar de cozinha e duas estagiárias foram indiciadas em inquérito conduzido pela delegada Raquel Peixoto por homicídio culposo — quando não há intenção de matar. A diretora e a auxiliar foram condenadas pelo crime e cumpriram a pena de serviços comunitários. Das duas estagiárias indiciadas, uma foi absolvida e a outra não chegou a ser denunciada por ter 17 anos na época. Os pais ingressaram com ação e recebem pensão de R$ 600 mensais, mas a maioria, segundo o advogado Pacífico Saldanha, ainda aguarda pagamento de indenização. A escola infantil segue funcionando no mesmo local. O local onde morreram as crianças foi transformado em jardim e posteriormente num espaço multiuso.
Orientações para prevenir incêndios:
- Crianças – Nunca deixe crianças sozinhas ou sem supervisão. Uma brincadeira, com fósforo, por exemplo, pode dar início a um incêndio. Crianças, em geral, não sabem como pedir socorro ou agir durante um caso como esse.
- Equipamentos - Ventiladores, aquecedores ou outros equipamentos elétricos, não devem permanecer ligados sem alguém acompanhando. Os aquecedores precisam estar afastados de cortinas, tapetes e estofados. Não posicione ventiladores próximo de cortinas ou outros materiais que possam travar a hélice. Equipamentos elétricos não devem permanecer sobre materiais como tecido e papel, especialmente durante carregamento. Não sobrecarregue tomadas com excesso de equipamentos ligados.
- Cozinha – De preferência, o gás deve ficar em área externa e ventilada. Se sentir cheiro de gás, abra portas e janelas, não acenda fósforos e nem ligue a luz. Mantenha equipamentos (mangueira e regulador) em dia. Não deixe cortinas ou panos de prato perto do fogão. Fique atento para não deixar panela ou chaleira no fogo ao sair de casa. Se o óleo incendiar, abafe as chamas e nunca tente apagar com água.
- Outros – Se precisar usar velas, mantenha afastada de cortinas ou outro material que queime com facilidade. Nunca fume na cama e apague totalmente o cigarro antes de jogar no lixo.
Fonte: Seção de Incêndios do IGP