A ação de um atirador que matou três integrantes da mesma família em uma discussão de trânsito em Porto Alegre, no último domingo (26), reaqueceu o debate sobre o acesso da população a armas de fogo. Apontado como o autor dos disparos que encerraram a vida de Rafael Zanetti Silva, 46 anos, da esposa dele, Fabiana da Silveira Innocente Silva, 44, e do filho do casal, Gabriel da Silveira Innocente Silva, 20, Dionatha Bitencourt Vidaletti, 24 anos, não tinha registro de posse e nem de porte da pistola 9mm que carregava.
De um lado da discussão, especialistas avaliam que esse tipo de caso demonstra os problemas de uma cultura armamentista na sociedade. Na outra ponta, outro grupo afirma que a tragédia é um dos exemplos de que pessoas armadas ilegalmente tiram a vida de outras, que não tem a possibilidade de defesa, diante da burocracia para ter acesso a armas de fogo.
Professor universitário e pesquisador do tema, Diogo Pasuch entende que esse caso não deve ser levado em conta no debate sobre o acesso legal a armas no Brasil, pois a pistola utilizada no crime é uma arma irregular. Pasuch entende que os critérios para o acesso a armas, como idade mínima de 25 anos, impediriam que a pistola estivesse na mão do suspeito por meio de vias legais.
O problema desse rapaz é a patologia
DIOGO PASUCH
Professor universitário e pesquisador do tema
— Acho que o problema desse rapaz é a patologia. Aí a legislação de armas no Brasil cortaria ele, porque ele precisaria passar por um exame psicotécnico. Ele não passaria nesse exame. como a arma ilegal parou na mão rapaz? Essa é a maior questão — pondera o professor.
Pasuch levanta outro ponto frequentemente citado nesse tipo de debate: a hipótese de a vítima também estar armada. Segundo o especialista, o fato de o alvo do atirador estar armado pode inibir a ação do criminoso ou pelo menos diminuir o número de mortes na ação. Ele também diz que é importante descobrir como a arma ilegal vai parar na mão dos criminosos nesse tipo de crime.
— A família estava totalmente desarmada. Sem poder de reação. Quando ele puxa a arma e o outro puxa também, bom, calma, a coisa para aqui. Ou, se prosseguir, não teríamos três mortes, no máximo uma.
A população está se rearmando oficialmente e extraoficialmente
JULIO JACOBO WAISELFISZ
Coordenador da Área de Estudos sobre Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais
Coordenador da Área de Estudos sobre Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais e autor do estudo Mapa da Violência, o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz afirma que a população está se “rearmando” diante de um discurso armamentista oficial, que acaba impactando no armamento ilegal:
— Há um discurso armamentista oficial e um discurso rearmamentista no entorno da população. Então, não é de se estranhar que comece a acontecer esse tipo de fato, já que a população está se rearmando oficialmente e extraoficialmente.
João Pedro Petek, organizador do movimento Armas Pela Vida, avalia que esse tipo de situação escancara a falência do estatuto do desarmamento, que, segundo ele, cria limitações para a população se defender legalmente da atuação de criminosos que portam armas ilegais. Petek não concorda com o pressuposto de que a elevação no número de armas legais causará mais mortes em conflitos cotidianos.
Tivemos diminuição de homicídios no último ano"
JOÃO PEDRO PETEK
Organizador do movimento Armas Pela Vida
— Não foi isso que nós vimos e não é isso que estamos vendo hoje. Pelo menos no último ano, que é um dado indiscutível. Nós tivemos diminuição de homicídios ao mesmo tempo em que nós tivemos aumento de aquisição de armas de fogo, concessão de registros e de portes de arma no Brasil inteiro — destaca Petek.
No entendimento do coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Ignacio Cano, a difusão do armamento no país acaba aumentando a circulação de armas , o que acaba influenciando na procura e na oferta do produto.
— Na medida em que as armas se difundem mais e mais, que é o que está acontecendo agora no Brasil, o preço das armas vai caindo. Isso também facilita o acesso às armas por parte dos criminosos — avalia.
Cano discorda do argumento que tem como base a ideia de que o cidadão armado está mais protegido. Segundo o professor, as chances de conflitos cotidianos acabarem em mortes aumentam em casos onde os envolvidos estão armados:
Se você tiver uma arma disponível, a probabilidade de tragédia é maior
IGNACIO CANO
Coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro
— Todo mundo perde o controle em alguma ocasião. Todo mundo teve um episódio na vida onde ficou com muita raiva de alguém. Enfim, entrou em alguma briga. Se você tiver uma arma disponível neste momento, a probabilidade de acabar em tragédia é muito maior.
A polícia segue no encalço de Dionatha Bitencourt Vidaletti. Até o momento, os investigadores apreenderam armas em endereços ligados ao suspeito — uma em nome da mãe do investigado e outra sem registro — e o carro envolvido no crime.