De mãos dadas, um casal de idosos percorreu 1,5 quilômetro a pé, no escuro, na localidade de Passo da Palmeira, no interior de Santa Bárbara do Sul, na noite de 28 de maio. Quando um carro se aproximou, Delmo Bauermann, 67 anos, e a esposa Ilse Nadir Bauermann, 63 anos, jogaram-se de qualquer jeito para dentro do mato, apavorados. Debaixo do casaco, o aposentado sustentava o braço direito, atingido por dois tiros. Tinha ainda uma terceira perfuração no abdômen. Era o resultado de uma noite de terror, na qual tiveram a casa invadida por três criminosos. O trauma fez os dois abandonarem quase três décadas de vida no campo.
De janeiro a agosto, ocorreram 13 assaltos na cidade da região noroeste. Em 2018, no mesmo período, foram sete casos — aumento de 85%. Em todo o ano passado, foram 11 roubos na cidade. Para a polícia, é um dos reflexos da presença de uma facção criminosa no município.
“Nós vamos morrer aqui”, pensava o idoso, enquanto estava deitado no chão ao lado da esposa e a casa era revirada pelos ladrões. Minutos antes, naquela mesma sala ele viu quando o farol de um veículo iluminou a porta. Aproximou-se dela e foi indagado por um dos ocupantes do carro sobre o caminho para Palmeira das Missões. Na sequência, um deles pediu água. O idoso entendeu que era um assalto e correu até o quarto para acordar a esposa.
— Vamos ser assaltados — disse, enquanto ela ainda despertava.
O estampidos e o som da porta sendo arrebentada vieram na sequência. Os assaltantes entraram disparando. Um dos tiros atravessou um quadro da Santa Ceia fixado na estante. Outro três furaram a porta do quarto e atingiram o idoso.
— Fecha os olhos. Não olha pra gente — ordenaram os criminosos na sequência, retirando o casal do quarto.
Se pudesse, carregava minha mudança hoje mesmo de volta. Mas tenho medo. Nós nascemos de novo
ILSE NADIR BAUERMANN
Vítima de assalto
A idosa tinha certeza que o marido havia sido baleado, só não sabia em que parte do corpo. Percebia que ele sangrava bastante, mas era impedida de falar com o companheiro. Os assaltantes queriam armas e reviravam a casa em busca delas. Perguntavam por um homem, que não residia naquela fazenda. Até se darem conta que estavam na propriedade errada. Amordaçaram o casal no banheiro e levaram o veículo.
Ilse se livrou das amarras e ajudou o marido, ferido, a se soltar. Procurou um casaco quente, para substituir as roupas ensopadas de sangue. Sem telefone, caminharam até o vizinho em busca de socorro. No trajeto, quando um carro se aproximou, pensaram que eram os assaltantes novamente e se atiraram para o mato.
— Só pensava que íamos morrer. Se fossem eles, iam terminar de nos matar — recorda seu Delmo, que ainda tem alojado o projétil no abdômen.
Acostumados com a vida no campo, os dois tentam se adaptar à rotina na cidade. Sentem falta da lida com os animais e do cuidado com a terra. Improvisaram uma horta, na tentativa de ocupar o tempo. O portão em frente à casa permanece chaveado todo o dia. A chegada de qualquer pessoa à noite, sem aviso prévio, é motivo de pavor.
— Qualquer barulho, a gente já fica com o coração na mão. É uma coisa que não tem como esquecer. Se pudesse, carregava minha mudança hoje mesmo de volta. Mas tenho medo. Nós nascemos de novo — diz dona Ilse.
Na cidade
Morador da área urbana de Santa Bárbara, o funcionário público Leandro Lui, 34 anos, também viu a realidade no bairro Aparecida, onde vive, mudar nos últimos meses. Segundo a polícia, é uma das áreas consideradas base da facção Os Manos, do Vale do Sinos. Após ter roupas levadas do varal, por usuários de drogas, e depois de uma tentativa de assalto, decidiu cercar a casa e manter o portão trancado.
— Tocaram a campainha três vezes de madrugada. Meu vizinho viu dois de um lado da casa e mais um do outro. Estavam esperando eu abrir. Mas não abri. Nunca tinha precisado colocar cadeado, agora eu fiz — conta.
Entre as roupas furtadas da residência estavam os uniformes que a esposa utiliza no trabalho em um mercado no município. O estabelecimento também foi alvo de criminosos. Às 19h do dia 5 de junho, minutos antes do fechamento, dois ladrões ingressaram armados. Renderam os caixas e fugiram levando o dinheiro.
— Foram dois minutos. Mas os funcionários estão traumatizados. Especialmente quem ficou na mira deles — relata o gerente da loja.
Para as polícias, a presença da facção no município está vinculada a maior incidência de outros crimes, especialmente praticados por usuários de drogas. No mês de julho, no comparativo com o mesmo período do ano passado, o crime aumentou 60%. Foram 19 registros contra 12 casos em julho de 2018. Em agosto, os furtos reduziram, com três casos contra seis registros na comparação com o mesmo período do ano passado.
— A criminalidade atinge muito mais os pobres. Um botijão de gás para alguém que recebe um salário mínimo é um problema. O ladrãozinho vai entrar na casa daquela pessoa pobre ou de classe média baixa, que está pagando em 18 meses a televisão. Na quarta prestação, vem o usuário de drogas, furta e vende por valor irrisório. Vai lá e compra droga. Se destrói, destrói a sociedade e fortalece a facção — analisa o delegado Josuel Muniz.
O promotor Fernando Freitas Consul também entende que há uma migração dos criminosos, especialmente na exploração do comércio de entorpecentes.
— O tráfico de drogas traz consigo uma série de outros delitos, causando insegurança à coletividade — afirma.
Responsável pela BM no município, o tenente Carlos Alberto Moura do Nascimento diz que o aumento de crimes está ligado ao consumo de drogas. Mas pondera que após a operação os casos voltaram a reduzir.
— As pessoas não podiam deixar nada do lado de fora. Furtavam para trocar por drogas. Isso diminuiu. A gente sabe que o tráfico coloca outros no lugar. O jeito agora é manter o policiamento e as abordagens — afirma o comandante.