Com o recuo do governo, que editou o novo decreto de armas, o Exército ficou responsável por definir, em até 60 dias, quais armas terão controle menos rigoroso, abrindo a possibilidade para que a questão possa ser revista no futuro. O texto foi alterado pois liberava porte de fuzis para cidadãos comuns.
Há duas semanas, o Planalto editou norma indicando os parâmetros das armas que poderiam ser portadas de maneira facilitada por mais de 20 categorias profissionais. Na última segunda-feira (20), a empresa Taurus informou que possui um fuzil com especificações técnicas que se enquadrariam nas regras flexibilizadas.
Em meio a críticas, o Executivo agilizou análise iniciada ainda na semana passada sobre pontos que poderiam ser modificados no decreto. Coube à Casa Civil fazer os destaques e apresentar ao presidente Jair Bolsonaro, que bateu o martelo. O texto final, embora tenha restringido inicialmente o acesso a armamento pesado — menos para moradores de áreas rurais que se dediquem a atividades agrícolas (ver quadro) —, trouxe poucas alterações em outros artigos.
— Sempre que tem publicidade negativa, as coisas são checadas mais rápido. Já tinha questionamentos desde a publicação, mas aí é pagar para ver. Publica e vê quais são os bodes na sala — disse um assessor que atua no Palácio do Planalto.
Apesar de esta ser a terceira mudança na legislação sobre o tema em menos de seis meses, não deverá ser a última. Com protagonismo reduzido até o momento na condução do assunto, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) elabora um pente-fino no texto, com o objetivo de identificar itens que possam ser questionados no Judiciário. A expectativa é de que uma nova alteração possa ser anunciada nas próximas semanas.
Depois do mal estar causado pela ausência do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, na elaboração das regras, a tendência é de que ele esteja integrado em anúncios futuros.
— O ministro Sergio Moro foi consultado, mas os decretos (sobre armas) deste mês foram iniciativas do Planalto. Acreditamos que o decreto de ontem melhorou o anterior — conta um interlocutor com trânsito na cúpula do MJSP.
O novo decreto ainda avançou sobre temas controversos. A prática de tiro esportivo por adolescentes segue liberada, mas apenas para maiores de 14 anos e com a autorização dos responsáveis legais. O prazo de validade do porte de armas, que não era especificado no texto anterior, foi definido em 10 anos.
Para especialistas, decreto segue irregular
O ponto mais criticado por juristas do decreto anterior não foi suprimido na correção. Pelo contrário. O número de categorias que podem carregar uma arma na rua foi ampliado. Por exemplo, o texto original concedia a permissão a advogados do serviço público, mas a nova versão garantiu o direito também para os que atuam de forma autônoma ou na iniciativa privada.
Para o professor de Direito Administrativo da PUC-SP, Maurício Zockun, os “vícios de inconstitucionalidade” foram mantidos nas novas normas. Como as hipóteses para o porte são regidos pela lei do Estatuto do Desarmamento, ele acredita que alterações nesse ponto deveriam ser feitas através de projeto encaminhado para o Congresso.
— Extrapolou de novo e, pior, ampliou o número de profissionais que podem portar armas, o que é absurdo.
Com posicionamento semelhante, o doutor em Direito Penal pela USP e professor da Escola Brasileira de Direito (EBD) Conrado Gontijo vê o movimento do governo como uma resposta às críticas após a divulgação de que fuzis poderiam ser comprados por cidadãos comuns. Ele também sustenta que as modificações não poderiam ser feitas sem a análise de deputados e senadores.
— Embora o decreto traga alterações, segue modelo de presunção de risco. Não se exige mais a prova de necessidade efetiva. Cria-se determinadas categorias de pessoa que se presume que estariam sempre em risco.
Na tarde desta quarta, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) apresentou um projeto de decreto legislativo que, se aprovado, tem o poder de sustar o efeito das modificações assinadas por Bolsonaro. Parlamentares de oposição prometem ir novamente ao Supremo Tribunal Federal (STF), pedindo a suspensão dos decretos sobre o assunto.