Todos os dias Ivone Ribeiro, 61 anos, chora em silêncio pela filha Cintia Luana Ribeiro Moraes, a caçula que não sabe se perdeu para a vida ou para a morte. Por vezes, crê que a jovem, que hoje teria 22 anos, cruzará a porta de mãos dadas com Emily Vitória, a neta que não sabe se nasceu. Em outros momentos, perde a esperança. Conclui que a garota, desaparecida aos 14 anos, em Três Passos, no Noroeste, está morta. Há sete anos arrasta incertezas e cala o choro, por mera compaixão com os outros.
— Se pudesse, chorava dia e noite — confidencia.
A mãe de seis filhos acorda em desespero. Pensa ter ouvido a caçula, perde o sono e se agarra às fotografias dela. Luana, como era chamada, estava grávida de sete meses e meio. Naquele 13 de julho de 2011, fez pão antes de sair. A mãe tinha fraturado a clavícula. Às 18h30min, comia pão de queijo e iogurte - um desejo de grávida - na poltrona da sala, quando o celular tocou. Era o suposto pai do bebê. O homem, hoje com 34 anos, queria vê-la. Às 18h55min, a adolescente saiu de casa para o encontro em um mercado a cerca de cem metros da residência. "Mãe, volto em 20 minutos", prometeu.
Da porta da moradia simples, Ivone acompanhou o trajeto da caçula. De blusa cinza, calça jeans e chinelos dourados, a adolescente saiu levando apenas o celular. Enquanto olhava Luana se afastar, entreteve-se com chamado de um neto. Perdeu a filha de vista e nunca mais a viu.
— Esses 20 minutos estão demorando sete anos.
O enxoval da bebê, que nasceria em setembro, estava pronto. Nos primeiros meses, Ivone agarrou-se aos sapatinhos e roupinhas, como quem mantinha a esperança do retorno. Com o tempo, concluiu que era melhor doá-los. Ainda que Luana voltasse, a neta estaria crescida. Sete anos depois, não há certeza sobre nada.
— Queria tanto que voltasse. Peço isso todos dias. Só espero que justiça seja feita, que descubram o que aconteceu com ela. Se está viva ou morta — diz a mãe.
Luana morava com Ivone e um irmão, hoje com 24 anos. O pai havia falecido há nove meses, de câncer. Com a gravidez, a garota abandonou o colégio. Em letra cursiva, escrevia mensagens em uma agenda e pintava corações.
— Era uma menina. Ia fazer 15 anos no dia 27 de julho. Não queria festinha. Queria levar a mãe para passear. É uma tristeza sem fim — conta a irmã Loreni de Moraes, 39 anos.
Quando a pessoa morre, a gente sabe que não vai voltar. Quando desaparece, todo dia a gente sente.
LORENI DE MORAES
Irmã de Luana
Após o sumiço, a família correu de um lado para o outro em busca de notícias. Contratou até investigação particular para descobrir se a bebê havia nascido. Em meio ao desespero, lida ainda com boatos. Há quem jure que a jovem foi morta e jogada no Rio Uruguai. Outros estão convictos de que vive na Argentina. De certezas, nada. Por quatro anos, três delegados investigaram o caso, mas o inquérito foi concluído sem indiciamento.
— É um sentimento que não tem explicação. Quando a pessoa morre, a gente sabe que não vai voltar. Quando desaparece, todo dia a gente sente. Pensa se está viva, se está morta, se está passando fome, frio, necessidade — descreve Loreni.
A família de Luana é uma entre as milhares que registram todos anos o desaparecimento de parentes no Rio Grande do Sul. Entre janeiro de 2015 e julho de 2018, 34,3 mil casos foram informados à Polícia Civil no Estado — só este ano, foram mais de 5 mil. No mesmo período, foram cerca de 30 mil localizações.