O plantão no Palácio da Polícia em Porto Alegre corria tranquilo no início da madrugada dessa quinta-feira (13). Aproximava-se da 1h, quando o telefonou tocou. Um homem havia sido executado minutos antes no bairro Farrapos. A equipe partia para o local quando soube de mais duas mortes em um casebre no Rubem Berta. Os cinco policiais se dividiram em duas viaturas e cada uma partiu para um ponto da Zona Norte. Era o início de uma madrugada violenta, que só se encerraria oito horas depois, com seis mortos. Desde o início de setembro, a Capital havia registrado oito homicídios. Até o amanhecer essa estatística saltaria para 14.
Quando chegaram à Rua Monsenhor Severino Brun, uma via de casas simples na Farrapos, os dois agentes depararam com o corpo de Cláudio Augusto de Azevedo, 41 anos. Aos brigadianos que estavam no local, populares relataram ter visto um carro escuro, com três pessoas a bordo. De dentro do veículo, os criminosos teriam disparado com revólver contra a vítima. Pelo menos três tiros atingiram o homem. A investigação suspeita de disputa por pontos de tráfico.
No Agronomia, o cenário dentro de um casebre de paredes frágeis na Avenida Élvio Antônio Filipetto era ainda mais trágico. Em cima de um colchão, estava caído um adolescente de 16 anos baleado no peito, nos braços e nas pernas. Um homem, sentado ao lado, tinha disparos de pistola no tórax, nos braços e nas pernas, além de tiro de espingarda calibre 12 na cabeça. Os dois mortos.
Além deles, uma jovem, de 19 anos, havia sido socorrida às pressas por um familiar. Alvejada nos braços, nas pernas e no rosto, a garota sobreviveu e seguia hospitalizada até o começo da noite desta quinta-feira (13), sem risco de morte. Testemunhas contaram que a casa foi invadida por dois homens armados. Logo após os tiros, um veículo acelerou bruscamente em fuga. A polícia suspeita de mais envolvidos no crime. Havia disparos para todos lados.
— Foi muito tiro. A garota que sobreviveu foi atingida por 10 disparos — relata o delegado João Nazário, que acompanhou outros dois agentes no local.
Começava a amanhecer quando o telefone do plantão tocou novamente. A Brigada Militar tinha confirmado a localização de mais dois corpos, dessa vez na Zona Leste. Os policiais partiram para a Rua Santa Fé, onde os cadáveres foram encontrados pela BM junto a um matagal. O local é usado para descartar lixo. Um dos homens, com o corpo quase totalmente carbonizado, estava enrolado em lona e cobertor. O outro estava esquartejado.
Devido ao estado dos corpos, a polícia não conseguiu identificar a causa da morte até a publicação desta reportagem e nem quando ocorreu o crime. A equipe do delegado Rodrigo Reis, da 1ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) apura se há registro de desaparecimento recente de dois homens. A identificação também pode acontecer por meio do DNA.
— Precisamos saber quem são as vítimas para tentar avançar na investigação — afirma.
Os policiais ainda estavam no local quando foram informados que havia mais um corpo encontrado.
Jovem desaparecido foi torturado
Na Estrada do Rincão, no Belém Velho, o cadáver de um jovem também estava parcialmente queimado e envolvido em lona. A localização do corpo deu fim a busca por um rapaz morador mesmo bairro, desaparecido há três dias. Testemunhas ouviram gritos e viram quando um grupo de homens invadiu o casebre onde Lucas Leonardo de Brito Silva, 24 anos, morava e arrastou o rapaz para fora.
Para o delegado Reis, a forma como o jovem foi morto indica envolvimento de facção criminosa. Os policiais identificaram um suspeito de ser o mandante do crime. A vítima foi atingida por facadas, teve uma orelha cortada e parte do corpo incendiado.
— Possivelmente foi torturado. Já não me surpreendo com nada, aqui se vê de tudo —conclui o policial.
Envolvimento com o tráfico
Num primeiro momento, casos que ocorrem com essas características brutais, com corpos esquartejados e carbonizados, ou execuções a tiros, indicam envolvimento do tráfico, comandado pelas facções criminosas. Mas este não é o único fator que gera execuções nesta disputa entre grupos rivais.
Para o diretor do Departamento de Homicídios, Paulo Grillo, é prematuro sentenciar que os crimes aconteceram a mando do tráfico.
— Às vezes só por ser de grupo rival ou uma mulher que se envolve com alguém de outro bando decidem que merece morrer. É uma crueldade. Até a tarde desta quinta-feira (13) tínhamos oito e em poucas horas foram seis homicídios. Ao que se sabe um não tem ligação com o outro. Então não tem como estabelecer uma regra, é imprevisível.
Média
A média de assassinatos por dia na Capital é 1,32, segundo o levantamento de homicídios em Porto Alegre, feito pela Editoria de Segurança desde 2011. Ou seja, seis mortes em um dia representa 4,5 a mais do que a média.
O recorde em Porto Alegre ocorreu em 19 de julho, quando sete pessoas foram executadas em chacina no bairro Passo das Pedras. Entre as vítimas, está uma mulher grávida de oito meses.
Outros dias violentos
8 de fevereiro: sete mortes
13 de janeiro: seis mortos, incluindo quatro em uma chacina no bairro Sarandi
17 de fevereiro: sete mortos
27 de março: seis mortos
29 de março: seis mortos, sendo quatro em chacina na Vila Farrapos
27 de maio: sete mortos, sendo três homens mortos em chacina no Rubem Berta
16 de junho: seis mortos, sendo quatro em chacina no Belém Novo
19 de julho: chacina com sete mortos no Passo das Pedras.