Pelas ruas da Vila Sapo, no fundo do bairro Mathias Velho, em Canoas, é só perguntar pelo episódio. Todos sabem o que aconteceu. Difícil é encontrar alguém disposto a falar qualquer coisa sobre isso. O medo é a rotina da última semana na vizinhança, como resultado de um crime que, para a polícia, ainda está envolto em mistério.
Os adolescentes Andreus Gabriel Lindemayer dos Santos, 17 anos, e Bruno de Lima Kanoff, 15 anos, foram mortos a tiros de pistola 9mm e fuzil 5.56 e outros cinco adolescentes _ entre 13 e 17 anos _ ficaram feridos quando saíam de uma festa na Rua Santos Dias na madrugada de domingo.
Nenhum deles tinha antecedentes ou indícios de envolvimento com a criminalidade. Dois dias depois, o corpo de outra adolescente, identificada como Jéssica Ferreira de Oliveira, 13 anos, foi encontrado nas proximidades, mas dentro do Rio dos Sinos.
Ela foi morta com dois tiros na cabeça depois de ter sido torturada. De acordo com o delegado Luis Firmino, a suspeita é de que os crimes estejam relacionados.
– Eu ainda não consegui entender o que aconteceu. Não deu tempo nem de correr, se esconder. Nada. A gente estava até saindo da festa quando começou uma música e ficamos ali pela frente, quando chegaram atirando, sem falar nada – conta um dos adolescente feridos, de 17 anos.
Ele foi atingido por cinco tiros nas pernas, braços, peito e clavícula. Já se recupera em casa. Uma das feridas é uma menina de 13 anos, ainda internada no HPS de Canoas e com risco de morrer.
A festa era uma chamada "social" no pátio de uma lavagem de carros. A Delegacia de Homicídios de Canoas trabalha com a possibilidade de que até cem pessoas estivessem no local, por volta das 3h30min, quando aconteceu o crime. Quem estava lá, acredita que havia metade disso.
– Eu só agradeço pelo meu filho ter voltado. Mas e os outros pais? Era uma gurizada toda amiga, nunca se envolveram com nada e ficaram na linha de tiro – desabafa o pai dele, de 55 anos.
Poucos minutos depois dos tiros fatais, Osmar Carvalho, 58 anos, recebeu uma ligação da enteada. Ela comunicava a ele e à esposa a tragédia com o irmão, Bruno Kanoff. A mãe desabou.
Leia mais:
Mortos e feridos em ataque a festa junina em Canoas são adolescentes
Família reconhece corpo de adolescente de 13 anos encontrada amarrada no Rio dos Sinos
– Era um guri do bem. Ele e esse menino que também morreu. Viviam em uma turma com mais de 10, sempre pela rua, brincando, jogando futebol. Nunca vi se envolverem em briga com ninguém. Tenho certeza que isso não era para eles – diz o padrasto.
Essa convicção, os investigadores também têm.
– Foram disparos a esmo. Certamente havia um alvo, mas não era este grupo de adolescentes. Ainda estamos buscando informações sobre este alvo e a motivação não está clara – aponta o delegado.
Segundo ele, os criminosos chegaram ao local em três carros. Os policiais chegaram a analisar algumas imagens registradas pelas câmeras da lavagem, mas não foram esclarecedores. Na segunda-feira, três veículos – provavelmente os usados no crime – foram encontrados incendiados no limite entre Nova Santa Rita e Portão.
– Os carros tinham placas clonadas, ainda aguardamos laudos periciais para determinar a origem deles – diz o responsável pela investigação.
Adolescente foi torturada antes de ser morta
_ Ela só queria curtir, fazer festa.
Foi assim que uma tia referiu-se à adolescente Jéssica de Oliveira, 13 anos, em depoimento à Delegacia de Homicídios de Canoas. E era assim que todos conheciam a menina que, pela investigação da sua morte, pode levar ao esclarecimento também do ataque na madrugada do último domingo.
– Foi um crime bastante cruel e violento. A hipótese de que tenha sido uma forma de recado de criminosos é bem possível – avalia o delegado Luis Firmino.
Jéssica foi encontrada morta, com as pernas amarradas, quatro dedos de uma das mãos arrancados e os cabelos queimados na última terça. O corpo estava no Rio dos Sinos, nas proximidades do bairro Mathias Velho. Moradora de Nova Santa Rita, a adolescente estava desaparecida desde domingo, e há suspeita de que tenha estado na festa da Rua Santos Dias. Até agora, porém, nenhuma testemunha confirmou esta informação.
– Ela passava as semanas com uma tia em Sapucaia do Sul. Nos finais de semana, ficava na casa da mãe, em Nova Santa Rita. No sábado, saiu para ir a Canoas, supostamente na casa de um amigo – diz o delegado.
A partir das 8h de domingo, a mãe já não teve contato com a filha. E até mesmo a foto usada no perfil do WhatSapp dela foi alterada.
Disputa de facções como pano de fundo
A morte da adolescente pode ser o elo do crime do bairro Mathias Velho com a disputa entre facções criminosas em Canoas. Jéssica era parente de um homem envolvido com o tráfico de drogas em Nova Santa Rita, supostamente ligado a uma facção que tem seu comando no Vale do Sinos.
– Fazia algumas semanas que familiares alertavam ela para não andar pela rua, mas não diziam o motivo. Também estamos apurando – diz o delegado.
Conforme a polícia, a facção que atuaria no tráfico de drogas na Vila Sapo é rival daquela. Os investigadores apuram uma informação de que Jéssica tenha sido raptada por seus algozes depois do episódio da festa, provavelmente na casa de um amigo. Ela teria sido alvo de uma vingança pelo ataque, tendo sido considerada informante dos rivais.
De acordo com o delegado, o suposto amigo também foi levado pelos criminosos, mas liberado. Depois do final de semana, ele e a família foram embora de Canoas. A polícia não foi informada do paradeiro para interrogar o rapaz. O familiar da adolescente envolvido com o tráfico também foi intimado para prestar depoimento.